terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Evidências condenam mamografia preventiva


Por Cláudia Rodrigues e Melania Amorim


O conceito predominante de que todas as mulheres que não se submetem à mamografia são irresponsáveis caiu por terra. A Força-Tarefa Canadense de Cuidados Preventivos de Saúde, em sua diretriz recentemente publicada, adverte contra o rastreamento mamográfico de rotina em mulheres entre 40 e 49 anos e recomenda rastrear as mulheres entre 50 a 69 anos a cada dois ou três anos, com a ressalva de que essa é uma recomendação fraca, baseada em evidências de qualidade moderada. Para as mulheres entre 70 e 74 anos as evidências para rastreamento são fracas. Em resumo, mulheres saudáveis em qualquer idade não precisam sentir-se obrigadas a fazer mamografia preventiva.

Veja a diretriz canadense:
Para o Dr. Peter Gøtzsche, do Centro Nórdico da Cochrane, autor da revisão sistemática sobre o rastreamento mamográfico para câncer de mama, essa recomendação, embora equilibrada e cautelosa, é ainda conservadora, uma vez que, em qualquer faixa etária, o rastreamento não reduz a ocorrência de tumores avançados, tem um efeito apenas marginal na redução da mortalidade por câncer de mama e ainda se associa com elevado risco de sobrediagnóstico. De acordo com o Dr. Gøtzsche, o principal efeito do rastreamento é produzir pacientes com câncer de mama entre mulheres saudáveis que poderiam ter permanecido livres da doença pelo resto de suas vidas caso não tivessem sido submetidas ao rastreamento. Desta forma, o melhor método que nós teríamos para reduzir o risco de câncer de mama seria parar o rastreamento.
Veja artigo do Dr. Peter Gøtzsche:
Desde a década de 1990 revisões sistemáticas da Biblioteca Cochrane e estudos observacionais independentes, não patrocinados por interesses do mercado econômico da saúde, vêm questionando a efetividade do rastreamento mamográfico para câncer de mama e vinculando resultados falso-positivos e sobrediagnóstico ao rastreamento em países desenvolvidos. Até mesmo a efetividade do autoexame foi revista. Por sua relação com falso-positivos e os efeitos colaterais emocionais que causa, o autoexame deve ser substituído por um “breast awareness”, uma consciência corporal, exame eventual, tranquilo, sem neuras, sem ficar procurando neuroticamente algum sinal da doença que afeta cerca de 12% das mulheres no mundo.
Leia no link abaixo a Revisão Sistemática da Cochrane sobre mamografia:
E aqui a Revisão Sistemática da Cochrane sobre autoexame:
O câncer de mama continua sendo uma doença de maior incidência nos países desenvolvidos e também nesses países a mortalidade tem declinado nas últimas décadas. No entanto, como o declínio se iniciou antes dos primeiros programas organizados de rastreamento em muitos países, não estaria atrelado ao rastreamento, sendo mais provavelmente explicado pelo uso do medicamento tamoxifeno para tratamento de mulheres com câncer de mama. Além disso, também nesses países se observa maior consciência e engajamento da população, bem como o acesso a serviços de saúde multidisciplinares.
Nos países em desenvolvimento a incidência de câncer de mama é bem menor, chega a ser, em alguns casos, metade da encontrada nos países desenvolvidos, mas a mortalidade é maior. Nos países pouco ou nada desenvolvidos, como o Zâmbia, os índices de câncer de mama são os menores do planeta. No Brasil, país em transição epidemiológica, o câncer de mama representa a segunda causa de câncer entre as mulheres, ficando atrás apenas do câncer de pele do tipo não melanoma.
O Centro Nórdico da Cochrane, em folheto explicativo sobre câncer de mama para a população, explica que é bastante razoável para as mulheres de qualquer idade não se submeter ao rastreamento mamográfico, devendo ser informadas sobre os riscos e os benefícios que podem estar associados, em especial sobre a possibilidade de sobrediagnóstico:
Fica aí a dica para os médicos de não forçar a barra, não induzir mulheres saudáveis, fora dos fatores de risco e que não desejam fazer a mamografia preventiva, a sofrer exames desnecessários a fim de não colocá-las em um grupo de falso-positivos ou de sobrediagnóstico.
Recomendar que mulheres com menos de 50 anos não se submetam a mamografia e que mulheres com 50 anos decidam livremente se querem ou não participar dos programas de rastreamento do câncer de mama é uma afirmação muy fuerte, que vai contra a onda vigente, contra o marketing dos fabricantes de mamógrafos e bate de frente com o crescimento econômico da mastologia e da radiologia no mundo. Por outro lado, é uma recomendação libertária para a massa de mulheres que não se sente bem em fazer a mamografia como rotina e mantém uma relação confiante com o próprio corpo.
Para essas mulheres, é um alento encontrar evidências de que a mamografia não é uma espécie de remédio sagrado e absoluto contra o câncer, como vem sendo estabelecido desde que a facção médica pró-mamografia venceu a facção pró-termografia na década de 1980. Já basta sermos induzidas a cesarianas desnecessárias com as desculpas mais esfarrapadas e sem base científica, já é o suficiente termos que nos submeter a parir deitadas e a sofrer episiotomias de rotina. Não tem sentido algum, para além das evidências, essa correria aos mamógrafos, ao mamamóvel com a finalidade de procurar um câncer, especialmente se não estamos no grupo de risco, simplesmente porque entrar na fila do exame preventivo pode ser, com maior probabilidade, engordar os índices de falso-positivos ou sobrediagnóstico.
Por que pode ser uma decisão sensata não se submeter ao rastreamento mamográfico?
A revisão sistemática de estudos em sete países demonstrou que em média a taxa de tumores malignos maiores que 20mm não foi afetada pelo rastreamento e como o crescimento do tumor está linearmente correlacionado com o risco de metástases, o resultado é uma evidência contra um possível efeito benéfico do rastreamento. Em suma, se o rastreamento não reduz a ocorrência de cânceres avançados, ele não funciona.
Na Dinamarca, em um grupo controle único, apenas 20% da população foi rastreada durante um período de 17 anos. O declínio anual na mortalidade por câncer de mama na faixa etária entre 55 e 74 anos durante esses 17 anos foi de 1% nas áreas com rastreamento e 2% nas não rastreadas. Entre as mulheres que eram muito jovens para se beneficiar do rastreamento, o declínio nos índices de câncer foi maior: 5% nas áreas rastreadas e 6% nas não rastreadas. Resultados semelhantes têm sido relatados no Reino Unido, na Suécia e na Noruega, onde um estudo verificou que mulheres com mais de 70 anos não rastreadas apresentaram um índice de diagnóstico de câncer de mama 8% menor do que no grupo rastreado.
As revisões sistemáticas têm demonstrado que a alegação de redução de 30% de mortalidade por câncer de mama relacionada ao rastreamento via mamografia não confere. Dentro desse percentual existem resultados falso-positivos, biópsias desnecessárias e sobrediagnóstico, quando a mulher saudável é diagnosticada com câncer e passa por radioterapia e quimioterapia. Dados convincentes coletados na América do Norte, Noruega e Suécia evidenciam que a maioria dos tumores superdiagnosticados poderia ter regredido espontaneamente sem tratamento; além disso, o rastreamento aumenta o número de mastectomias realizadas nas mulheres.
Não foi coincidência que quando essas pesquisas começaram a sair pela tangente nos países desenvolvidos, com os primeiros questionamentos e as primeiras brigas entre pesquisadores independentes e pesquisadores financiados por interesses do mercado, o Brasil e muitos países em desenvolvimento passaram a sofrer a pressão dos fabricantes de mamógrafos, investindo milhões de dólares na importação dos aparelhos.
Parar o rastreamento pode reduzir a incidência de câncer de mama e os tratamentos agressivos como mastectomias
A revisão da Cochrane que está sendo atualizada e ainda aguarda publicação passará a incluir estudos observacionais em conjunto com os ensaios clínicos randomizados, para determinar como o rastreamento funciona “no mundo real”, fora das pesquisas. Com base nesses resultados, seu autor principal, o Dr. Peter Gøtzsche, recomenda que a melhor estratégia para reduzir o câncer de mama seja cessar o rastreamento mamográfico de rotina. A estimativa é de que a redução ficaria em cerca de 1/3 na faixa etária rastreada, já que a taxa de sobrediagnóstico em países com programas de rastreamento organizado fica em torno de 50%.
O sobrediagnóstico se caracteriza pelo diagnóstico, a partir do rastreamento, de tumores que poderiam ter regredido espontaneamente sem nenhum tratamento. Esse problema também ocorre com o câncer de próstata e além de dar a falsa impressão de que a “cura” ocorreu devido ao rastreamento, ainda acarreta um elevado número de procedimentos agressivos como mastectomia, radioterapia e quimioterapia. Ao contrário do que clamam os defensores do rastreamento, este aumenta substancialmente o número de mastectomias realizadas, com um efeito bem menor sobre a mortalidade.
Confira o artigo publicado na revista Radiology:
A Revisão Sistemática da Cochrane conclui que se 2000 mulheres forem rastreadas durante 10 anos, uma terá um câncer invasor que realmente poderia matá-la, então o rastreamento com mamografia preveniria a morte por câncer de mama desta mulher. Por outro lado 10 mulheres saudáveis se transformariam em pacientes de câncer, teriam suas mamas mutiladas parcial ou totalmente e de maneira geral iriam receber radioterapia e/ou quimioterapia. Além disso, 200 mulheres iriam apresentar resultados falso-positivos, o que acarretaria danos emocionais consideráveis até a definição do diagnóstico por meio de vários outros exames e procedimentos, como biópsias.
Prevenção primária do câncer de mama
O câncer sempre existiu, mas hoje já é considerado doença da civilização, só conseguiu se alastrar por meio dos novos hábitos da civilização moderna, especialmente a ocidental. Prova disso é que no Japão o câncer de mama tem uma incidência menor do que nos países ocidentais, mas japonesas que migraram há mais de duas gerações para países ocidentais apresentam incidência semelhante às mulheres do Ocidente, o que reduz ou elimina o argumento de que um menor índice de cânceres de mama em japoneses poderia estar vinculado a fatores genéticos. Os avanços em pesquisa e medicamentos para o tratamento do câncer são inegáveis, mas ele continua sendo uma patologia misteriosa para a medicina, tem múltiplas causas e o que se considerava um método preventivo ideal, perfeito, mudou. A ciência e a tecnologia costumam andar bem juntas e quando isso ocorre o sucesso econômico é uma consequência, mas se a tecnologia falha, se ocorrem excessos, abusos e ela passa a atrapalhar mais do que ajudar, especialmente em relação à saúde, é preciso colocar o pé no freio e acima de tudo comunicar à sociedade, demonstrar os problemas, esclarecer as falhas, como explica o Dr Russ Harris:
Diante das revisões sistemáticas e dos estudos observacionais independentes que estão questionando com severidade o status quo que envolve o rastreamento do câncer de mama, principalmente via mamografia, as recomendações da Força-Tarefa Canadense e do Centro Nórdico da Cochrane caem como luva para as brasileiras que não desejam arriscar-se a engordar os índices de falso-positivos ou de sobrediagnóstico com um exame questionável, invasivo e doloroso.
Não se trata de escamotear o importante problema de saúde pública representado pelo câncer, mas de modificar as estratégias adotadas visando à redução de sua incidência e mortalidade. A principal recomendação baseada em evidências é de que se deve estimular a prevenção primária via estilo de vida, alimentação adequada e atividade física. Além disso, deve-se incentivar o aleitamento materno, que não apenas reduz o risco de câncer de mama para a mulher que amamenta — uma redução que é maior quanto mais longo for o período de aleitamento e maior o número de bebês amamentados –, mas também para as filhas dessas mulheres, uma vez que ter sido amamentada reduz o risco de ter câncer de mama na pré-menopausa.
Veja a revisão sistemática de 47 estudos publicada na revista “The Lancet” sobre a redução do risco de câncer de mama em mulheres que amamentam:
E abaixo uma revisão sistemática demonstrando redução do risco de câncer de mama em mulheres que foram amamentadas.
No site abaixo, seguem as recomendações brasileiras do INCA (Instituto Nacional de Câncer), do World Cancer Research Fund e do American Institute for Cancer para prevenção de câncer, todas elas voltadas para a saúde e menos focadas na busca da doença.
*Publicado originalmente no Sul21


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