terça-feira, 29 de novembro de 2011

Entre mães e avós


Cláudia Rodrigues


Ainda que a oferta de berçários tenha praticamente excluído as avós como primeiras substitutas das mães, as avós, por seu compromisso atávico com os filhos dos filhos e filhas, costumam ser figuras importantes na vida dos netos, mesmo quando moram longe e não convivem diariamente com as crianças. Avós revivem com os netos o que viveram com os filhos muitos anos depois de terem perdido o contato com bebês, crianças pequenas e adolescentes. É a vida mostrando sua simplicidade nas repetições biológicas, não necessariamente comportamentais.
Avós às vezes repetem com os netos exatamente o que fizeram com os filhos, orgulham-se da educação que deram, em outras aproveitam para fazer reparações, vêem nos netos a oportunidade para serem mais benevolentes com as crianças.
Quando os novos pais são repetidores da própria educação fazem exatamente como fizeram seus pais, o excesso de benevolência por parte dos avós é tolerado com uma certa facilidade. Se os avós são mais duros com os netos- é mais raro, mas pode acontecer- e os pais são repetidores, a tolerância dos pais ainda estará lá vestida de vista grossa.

Os maiores conflitos entre pais e filhos adultos em relação à educação das crianças surgem entre avós convictos da educação que deram e filhos convictos dos erros que viram na própria educação. Os reparadores querem fazer diferente e orgulham-se disso.
Nem toda a avó que utilizou mamadeira vai boicotar a amamentação natural da filha, mas acontece, não é raro e os motivos são muitos, talvez o principal deles seja um desejo secreto de viver uma nova maternidade via filho da filha e a alimentação tem um poder profundo na relação, o bebê se apega em quem o alimenta, mesmo sem estudar sabemos, nascemos sabendo disso. “Será que esse bebê não está chorando porque está com fome!?” é uma pergunta-resposta que salta pela boca da via inconsciente da avó que quer de volta o seu lugar de mãe porque não está preparada para dar conta do seu corpo na fase em que está. Ela se vê avó sentindo-se mãe, uma mãe melhor do que a filha ou a nora.

Se a filha quiser e precisar que essa avó seja sua substituta imediata, ceder a um apelo desses e entregar o bebê é a atitude mais cômoda, mas quando a mãe deseja muito aleitar, não deseja repartir o vínculo via alimentação com ninguém, uma pergunta dessas pode causar um grande estrago na relação e vovozinhas aparentemente bem-intencionadas podem sair chorando pela porta dos fundos da casa da filha.

Assim como com a mamadeira, introduzir o hábito da chupeta é cada vez menos uma tendência das jovens mães fazer uso desse antigo consolador de bebês, já que são bem informadas sobre os prejuízos aos músculos faciais, à formação do palato e ao sucesso da amamentação.
Se a mãe não quer dar a chupeta porque sabe que não deve, mas se desespera diante do choro da criança e surge a avó com a chupeta comprada e fervida, impondo seu velho jeito em vez de ajudar à filha em seu propósito, lá se foi mais uma vovozinha pela janela de uma reparadora. Se a filha tiver tendência à repetição, engole a busca do ideal e em nome da paz familiar, assume que um dia pagará aparelho, buscará fonoaudiólogo ou, com sorte, estará fora das estatísticas mais prováveis.

Jovens mães andam por aí mais livremente com seus slings, abandonaram o carrinho ou usam muito pouco, valorizam a proximidade corpo a corpo com o bebê, reúnem-se semanalmente ou quinzenalmente com outras mães e profissionais da área, acham maternidade um assunto e tanto, descolam mil e um saberes sobre o desenvolvimento das crianças e utilizam grande parte do tempo que sobra da vida profissional para investir nas crianças, divertirem-se com as crianças. Todas essas novidades podem ser muito pesadas para as avós e deixá-las enciumadas, resmungando num canto que sabiam fazer melhor. Avós rabugentas criticam cada passo que a filha dá como mãe. Se o nariz da criança está escorrendo foi porque a mãe deixou pegar friagem, se a criança chora muito é porque foi mal acostumada e por aí vai.

Uma das coisas mais pesarosas do nosso andar pela vida quando envelhecemos é viver criticando as novas posturas, achando tudo o que os jovens fazem perigoso, ruim, inadequado. Ser uma filha crítica aos erros da mãe é quase uma necessidade, nós viemos para melhorar, mas ser uma avó crítica às tentativas de acerto da filha já é mais complicado.

Aos avós que cuidam ou apenas passam algumas horas com os netos cabe mil e uma mimosuras, os pais que desenvolvam a própria capacidade de tolerância, mas os pontos-chaves da educação, as diretrizes maternas e paternas, essas os avós deveriam respeitar com rigor a fim de poupar a família de dissonâncias maiores.

Para a criança o ideal é que a os avós reafirmem a postura dos pais como sendo boa. Ainda sobra muita alegria e coisas para se fazer sem haver necessidade de burlar as regras de base dos pais. É uma relação delicada, nunca fazer vista grossa para uma deslize de avós é sacanagem, mas vovós que fazem coisas escondidas e vivem falando que noras ou filhas são chatas, metidas a diferentes, cavam um distanciamento afetivo difícil de reparar.

Quando a avó compete com a mãe e a mãe se submete, acaba descontando na relação com a criança, é uma corda que rompe no lado mais fraco a cada geração. Por não conseguir enfrentar seu novo lugar no mundo, a mãe acaba sendo mais benevolente com a própria mãe do que com a filha. Como ela não fez com a filha o que desejava ou como desejava, acaba colhendo desagrados na relação e não vincula isso com a submissão à mãe. É um lugar muito apertado para a mãe acolher as necessidades físicas de um bebê e as maluquices psíquicas da própria mãe. Caberia à avó entender que aquela é uma experiência que ela já viveu, fez suas escolhas, é passado em sua vida, não deve ser mais um lugar de atuação, decisões, mas de acolhimento para o novo.

É por isso que toda noite antes de dormir, eu, que ainda estou quase longe de ser avó, digo a mim mesma: “se a nora ou a filha disserem para eu dar um danoninho e não uma bananinha como eu preferiria, vou dar um danoninho e pronto!”


9 comentários:

  1. Cláudia, querida. Você é incrível. Adoro tudinho que escreve e me sinto de veras contemplada. Obrigada pelas palavras acolhedoras e que enchem o coração de alegria! Um beijo!

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  2. Eu, que sou dessa turma ai que você citou, que anda(va) com o filho pendurado no sling e tudo mais, sempre ouço experiências de dificuldades de relacionamento com as avós. E tenho uma baita vontade de levar essas avós para conhecerem minha mãe, em toda sua imperfeição humana, mulher simples, a mãe e avó perfeita.
    Minha mãe apoio, cuidou, acolheu e respeitou cada uma de suas quatro filhas. A primeira que teve duas cesareas eletivas e o pacotão matrix completo, inclusive a coca-cola na mamadeira, a segunda filha que teve duas cesáreas, uma porque não entrou em TP e a segundo porque tinha cesárea prévia e tals, a terceira que teve parto domiciliar etc e a quarta que não quer nem ouvir falar em filhos.
    E o final do seu texto me fez pensar que preciso aprender muito com minha mãe. Já pensou minha nora querendo marcar a cesarea e dar danoninho pro meu neto??? Ai, ai, ai, acho que vou chamar a minha mãe!

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  3. opa, blog de cara nova!!! ficou lindão (mas fiquei com uma nostalgiazinha daquelas tetas cheias de buena leche... hahaha)
    se eu tivesse lido isso há tipo 1 ano sentiria incômodo, aperto no peito, coisas pesadas etc., talvez nem conseguisse ler até o fim, felizmente essa fase passou, com muitas lágrimas e sofrimentos, pois as rupturas com as crianças que fomos se torna inevitável diante do que queremos pras nossas próprias crias (e sobretudo: o que NÃO queremos de jeito nenhum)
    hj simplesmente nao sinto mais qquer necessidade de me afirmar perante a forma diferente (e como é diferente, nossa!), pois o resultado taí, construindo um tipo completamente diferente de vínculo, nascido do apego, da paciência.. e haja paciência, pois percebo que certos comportamentos estão inscritos em mim e tbem tenho que lutar contra eles, mas estou "vencendo"!
    mas olha, mesmo não sendo mais dolorido, sofrido e tals, sei que até o fim da vida vou me incomodar, não com danoninhos e que tais, mas com regras repressoras, com desatenção, com pressa etc.
    mas fazer o que, cada um é cada um, mais importante de fato agora são os vínculos pela frente que estamos criando, já que meu próprio vínculo como filha não vai mais mudar o padrão de relação, porém eu posso construir um outro vínculo como mãe, e também vejo caminhos mais bacanas no novo vínculo avó-neta.
    grata, muito grata a vc claudinha, sempre, nessa caminhada sem fim! besitos!

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  4. É isso Gab, vamos conseguindo ver que no final perder um pouco de controle e deixar rolar lá entre as cris e seus avós é coisa deles. O mais legal é quando percebemos que nossos filhos conseguem admirar nos avós justamente aquilo que nós não curtimos como filhos. Acontece justamente porque são avó e não pais, as crianças podem achar graça dos avós apressados, sem atenção genuína até porque esse não é um buraco delas. Aconteceu aqui exatamente assim rsrs. Fico feliz por vocês todos e pela pequena poder desfrutar daquele quintal encantado com olhos de neta.

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  5. Dani, que figura sua mãe, eu faria um perfil dela, é meu sonho de consumo ser uma avó assim como ela.

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  6. Cláudia, desde ontem quando li seu texto estou pensando em escrever um sobre a minha mãe. Quando conseguir fazer isso, mesmo que demore, prometo vir te contar.

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  7. Obrigada pelo texto
    Embora eu discorde no inicio (acho que os berçários aumentaram porque as avos não podem/não querem mais cuidar dos netos), o resto eu adorei. Aqui, comigo, se passaram coisas muito parecidas.
    Eu me considero uma "mãe reparadora", não querendo repetir os erros que vi em minha mãe (embora isso não seja facil). Minha mãe porém, no fundo, no fundo, não se considera avó. As vezes, ela troca o nome do neto, pelo nome do filho, eu sempre procuro corrigir. E como psicologa, ela deve saber melhor que eu o isso significa....

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  8. É verdade Ana Isabel, sobre a multiplicação de berçários os fatores apontados por você são muito fortes, concordo, me escapou!
    É difícil para as avós de hoje muitas coisas, uma delas é essa de envelhecer, já que somos todas treinadas para ficar sempre parecendo que temos 30 anos. Muitas vezes as pessoas acabam se sentindo com 30 anos. Coisas dos novos tempos.

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  9. Claudia,

    Como vi a relação que passei a ter com a minha mãe após o nascimento da minha filha. Tive que lutar mais contra a minha mãe do que com as dificuldades que tive para amamentar. Um dia ela simplesmente falou "desiste, dá mamadeira e pronto". Falei que não e continuei, firme e forte. Com o início da alimentação complementar foi outra briga, pois imagine eu, completamente louca, amamentei exclusivo até os 6 meses!!! Um completo absurdo, já que eu tenho condições de dar comida para minha filha, não sou uma pobre que não tem dinheiro e precisa amamentar... oh god! Depois o ruim era dar manga, abacate, pois só podia maçã e banana. Açúcar não quero oferecer, e lá foi ela dar merengue (aos 7 meses!). Cheguei a conversar com ela sobre isso, que ela discorda de tudo e não respeita minhas decisões, e ela desconversou e disse que não era bem assim... Ainda bem que moramos bem longe e as interferências são barradas pela distância física. Acabo sendo mais tolerante quando ela está presente, mas se estivéssemos mais perto seria uma pelia braba...

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