sábado, 8 de agosto de 2009

Competição entre mães e filhas

Para a filha de cinco anos tiramos o chapéu da vaidade; para a de 15, o da aventura. Para a filha adulta tiramos os chapéus da vida profissional, sexual e da maternidade. No final de tudo duas velhinhas, muito íntimas, saberão que da vida nada se leva e nada se perde quando o amor dita as regras. Por Cláudia Rodrigues 
 
 Com dois anos a princesinha já calça o sapato da mãe, mexe na caixa de bijuterias e sente-se super à vontade para exclamar a famosa frase que deixa as mamães babando de orgulho: “Tô igual à mamãe”! Mas conforme cresce, a garotinha começa a não se satisfazer com a imitação. Quer mais do que se identificar; deseja ser ela mesma, arranjar um espaço feminino próprio e não idêntico ao da mãe. Como não pode resolver totalmente as questões da sexualidade, porque ainda é criança, parte para a briga: em alguns casos de forma dissimulada, em outros mais explícita. Aparecem batons quebrados, crises de rebeldia para pentear o cabelo ou até uma repentina dor de barriga na hora de ver a mãe sair toda feliz com uma roupa nova. Se para os meninos idolatrar a mãe é algo natural, mesmo depois que passam a identificar-se com o pai; para as meninas não é bem assim. Ao mesmo tempo em que adoram suas mães e desejam ser como elas, lutam internamente contra isso; principalmente se a mãe não aceita a disputa por espaço como algo natural e entra no jogo da competição. É igualmente doloroso, talvez mais, quando a mãe nem se digna a competir e já entra vencendo, como se sua superioridade fosse algo inatacável. Nesse caso a mãe passa uma mensagem implícita: “desculpe, filha, não tenho culpa de ser melhor."

Normalmente as mães afirmam que não competem com suas filhas. Elas amam suas pequenas, desejam o melhor para as garotas e parece absurda a ideia de se engalfinharem numa disputa com suas filhinhas. Pode ser mesmo. As mães são adultas e não precisam competir, ainda mais com uma criança e principalmente se tratando de filhas. Acontece que as meninas precisam competir e sentirem-se vencedoras de alguma forma. Quando seus desejos e fantasias de competição são aceitos, elas sentem-se seguras o bastante de sua identidade e voltam a buscar parceria com a mãe. Mas esse é um tempo só delas, das pequenas. À mãe cabe receber a competição, o desejo e as fantasias da garota ao invés de impor sua vontade. Afinal, entre os quatro e os sete anos, as disputas entre mães e filhas ficam em torno de coisas banais para adultos, mas muito importantes para a criança; como escolha de roupas, penteados e sapatos.

  Roupas, um ícone de identidade para as pequenas
Nove entre dez mães de meninas já tiveram seus pegas com as filhas por causa de roupa. Quando são muito pequenas e teimam em sair vestidas para o verão a uma temperatura de 10ºC, não há mãe que resista a impor um limite. Mas é comum também que garotas de mais de cinco anos ainda não tenham autonomia para escolher o que querem vestir, mesmo levando em consideração a temperatura do ambiente. É que as mamães projetam o que gostariam de ver nas meninas e muitas vezes ultrapassam os umbrais do bom senso criticando as escolhas das pequenas. A razão é uma só: querem ver suas meninas bonitas. Acontece que nem sempre o que a mãe acha bonito parece belo o bastante para a garota, que ainda está formando conceitos como combina/não combina. Além de aprender a formar conceitos – cada vez mais livres-, faz parte do universo infantil de uma menina, a partir dos dois, três anos. encontrar uma identidade feminina própria; por isso é natural que questione, implique e teste a inteligência emocional da mãe. Ela quer ser feminina do jeito dela e não do jeito que a mãe imagina para ela. Depois de estabelecido um jogo acirrado de competição, é bem provável que a garota, sabendo da predileção da mãe por um determinado lindo vestidinho, por exemplo, busque não escolhê-lo. Aquele passa a ser o vestido que a mãe quer que ela coloque. “Algumas roupas que a minha mãe compra para mim eu adoro, mas ela fica brava por eu usar sempre as mesmas. É que tem outras que eu não gosto tanto, daí a gente briga”, conta Lorena Perini, de sete anos. Mas se algumas meninas lutam vorazmente pelo direito a um lugar singular e diferenciado da mãe, outras fazem justamente o contrário. Não conseguem teimar com sua mães, acatando docemente o que as genitoras aconselham. Essas filhas, boazinhas, normalmente idolatram a mãe e o único esforço que fazem é para alcançar uma identidade igual à da mãe. As mães de meninas assim, simplesmente não toleram a competição. Costumam ser sedutoras e já entram vencendo na relação, sem dar nenhuma chance para que a filha encontre a identidade infantil feminina que lhe cabe. Como nenhum ser humano é idêntico a outro, fica um buraco emocional na garota, como se ela não fosse dona de sua própria história, mas apenas uma cópia de alguém idealizado. Já desde pequena a garota pode apresentar sinais de insegurança e excessivo apego à mãe. A garota pode preferir usar uma roupa rosa, por exemplo, mas sabendo que a mãe prefere uma outra; acaba escolhendo aquela que agrada à mãe. “Eu brigo só um pouquinho com a minha mãe. É mais ela que escolhe as minhas roupas. Quando ela quer uma roupa e eu quero outra, ela faz o maior bico. Mas eu deixo ela pentear meu cabelo e escolher a minha roupa”, diz Rafaela Melim, de sete anos. Para Rita Melim, 37, mãe de Rafaela, a competição não é explícita. “Eu a incentivo arrumar-se, colocar um arquinho, mas ela não deixa eu pentear o cabelo. Se eu pentear com calma, de baixo para cima, com muita paciência, aí tudo bem, ela deixa”, revela Melim, que discorda da opinião da filha sobre a escolha de roupas. “Ela escolhe o que ela quer e não temos as mesmas preferências, somos diferentes, mas se ela me vê muito arrumada, se sente mais feia”, desabafa Rita. Para Lorena também é desconcertante ver a mãe muito bonita. “Minha mãe tem muitas roupas, mas o vestido preto, quando ela coloca aquele vestido preto, fica linda. Eu acho lindo o vestido preto da minha mãe”, diz, fechando os olhos e apertando as delicadas mãos entre os joelhos. A mãe de Lorena, Tatiana Bezerra, 34 anos, confirma a história do vestido. “Toda a vez que coloco um vestido preto, vira um problema; ela troca de roupa, chora, e acaba reclamando de uma fivela, de um sapato e no final é o pai que coloca um limite”. Tatiana acha que a filha não suporta se sentir mais feia do que ela. “Quando ela se sente mais bonita do que eu não tem problema com as roupas”, pontua Tatiana. Tatiana acertou na mosca. Para uma menina de cinco, seis, sete anos, sentir-se bonita é muito importante. Ela não vai encontrar sua identidade feminina na sexualidade. Não ainda. Também não pode sair sozinha dirigindo um carro, fazendo compras no supermercado, vivendo intensamente sua vida profissional, ainda que na escola libere seu futuro em direção ao trabalho. Igualmente não consegue ser um ás na cozinha e então, só resta mesmo um ponto: a vaidade. É essa pequena coroa de princesa linda, que a mãe precisa passar para a filha. Com a certeza de que é tão ou mais bela do que a mãe, a garota sente-se segura para trilhar um futuro promissor também na vida sexual, afetiva e profissional. A identidade feminina começa na vaidade, mas é claro, não termina por aí. Jane Pimenta, 37 anos, e a filha Thaís, de 7, parecem ter encontrado um bom tempero para a necessidade de competição da garota. “Eu escolho minha roupa e minha mãe já me vê pronta. Se ela pergunta por que eu coloquei aquela roupa eu explico e fica tudo bem”, conta Thaís. A mãe confirma: “A Thaís tem uma personalidade muito forte e decidida e eu gosto disso nela. Quando eu compro algum enfeite para mim e ela gosta, eu compro para ela também. Ela se sente sempre mais bonita do que eu, e é mesmo, com qualquer roupa”, dispara Jane, sorrindo satisfeita.
 Chamado de emergência para o pai salvar sua princesa
Toda a mãe quer o melhor para a filha. Por vaidade, falta de tempo e milhões de enganos, que ficaram perdidos na poeira do inconsciente, muitas vezes, uma mãe bem intencionada coloca os pés pelas mãos. Na hora de arrumar-se para uma festa, por exemplo, depara com sua adorável princesa dentro de um vestido velho e amarrotado, usando o mesmo laçarote que coloca todos os dias para ir à escola; depois de ter dispensado a opção que a mãe deixou em cima da cama, passadinho para a ocasião. É praticamente impossível não pensar sobre o que os outros vão pensar e a mãe, com a melhor das intenções, sentindo-se desafiada, é capaz de exclamar que a filha está horrível. Danos ao ego à parte, a solução é chamar o pai para salvar a princesa das garras da bruxa. Cabe a ele consolar a filha, dizer que ela fica bonita com qualquer roupa, mas que a ocasião pede um outro vestido. Com carinho ele pode escolher, em parceria com sua princesa, uma terceira opção. Mas se o pai entrar de sola, autoritário, obrigando a menina a colocar a roupa que a mãe escolheu, os danos à formação da identidade feminina serão ainda maiores. A mãe sairá como vencedora, com direito a coroa, príncipe e tudo, não havendo histórias de Cinderela ou Mulan que curem essa ferida narcísica.

6 comentários:

  1. Esse texto me ajudou muito, obrigada querida.

    ResponderExcluir
  2. Esse texto me ajudou muito, obrigada querida. [2]

    ResponderExcluir
  3. NOSSA...SENTI ISSO NA PELE...MINHA MÃE JÁ ENTROU NA MINHA VIDA DIZENDO:_ SINTO MUITO, VOCÊ PERDEU!
    E FAZ ISSO ATÉ HOJE.
    O PIOR É QUE ELA NÃO ADMITE ISSO.QUER ACREDITAR QUE NUNCA FEZ NADA DE ERRADO COMO MÃE E QUE EU SOU INJUSTA. ELA DIZ : _VEJA SEU IRMÃO, ELE NÃO TEM PROBLEMAS COMIGO!
    E VAI DIZER PARA ELA QUE É PORQUE ELE É HOMEM...
    TODOS IDOLATRAM MINHA MÃE...MENOS EU...
    BJS

    ResponderExcluir
  4. Um dia uma amiga e eu estávamos conversando/estudando sobre esse assunto, competição entre mães e filhas e a mãe dela chegou e entrou na roda.

    Aí minha amiga explicou que toda mãe compete de um jeito ou de outro em algum momento, em algum tema.

    A mãe dela ficou horrorizada e disse: Eu minha filha, eu competir com uma filha? Com minha única filha mulher? Eu competir com você D? Eu que na minha vida nunca precisei competir com ninguém, sempre entrei ganhando em tudo!

    Minha amiga e eu nos finamos de rir e voltamos a estudar o assunto.

    ResponderExcluir
  5. Esse artigo me ajudou muito. Estava me sentindo fracassada por não conseguir entrar em entendimento com a minha filha de 7 anos. Ela tem tentado controlar o que eu faço, o que eu visto... Ficou mais claro pra mim que isso é normal. Difícil é achar o meio termo para lidar com a situação...

    ResponderExcluir
  6. Bateu no meu plexo, Claudia! Obrigada por resgatar e compartilhar.

    ResponderExcluir