domingo, 9 de agosto de 2009

HIPERTENSÃO

Por Cláudia Rodrigues em 3/5/2005 Na terça-feira 26/4 uma informação divulgada pela assessoria de imprensa da Associação Brasileira de Cardiologia serviu para "lembrar" o dia nacional da hipertensão. Cruzes, bem que podia ser o dia nacional de comer sem sal, mas vá lá, foi o dia da doença mesmo. Não escaparam do alvo Jornal Nacional e Jornal da Cultura, o que é bastante incomum. A revelação que virou notícia entre gregos e troianos foi o fato de que 92% dos hipertensos brasileiros tratados com medicamentos específicos para reduzir a pressão arterial não apresentam melhoras. O JN representou o papel de sempre; porta-voz da instituição que divulgou a notícia e também, como de costume, deu ao fato "ares de serviço" ao telespectador. Não faltou o eterno emocionalismo, que desta vez pululou na tela numa espécie de "ai bota aqui o seu pezinho bem juntinho com o meu...". Era a comunhão entre patrão e empregado na "doença que não escolhe classe social". O sentimentalismo nauseabundo chegou a um limite extremo e, como foi bem no dia em que a Globo completava seus 40 anos de vida, com festança ao vivo e tudo, não foi difícil tomar a decisão de trocar, para sempre e felicidade geral das crianças, o JN pelo desenho animado. No Jornal da Cultura, meia hora depois, aparece o âncora fazendo a chamada para a matéria: "Remédios para hipertensão não funcionam". Opa, aí tem coisa, lá vem matéria de verdade via TV Cultura. Mas a matéria que apareceu dois blocos depois veio quase igual à do JN, exceto pela informação de que o número de hipertensos brasileiros é o mesmo da população da Argentina. O cardiologista entrevistado diz o mesmo que disse o entrevistado pelo JN: a hipertensão arterial não pode ser somente regulada por medicamentos, é imprescindível a mudança no estilo de vida, o que significa comer alimentos saudáveis, cortar os hipertensores e praticar exercícios moderados regularmente. Faltou ao repórter perguntar se realmente os remédios são necessários, já que não funcionam. Era tão óbvio fazer a bendita pergunta! Mas não foi feita, e o telespectador do JC, normalmente mais esperto, ficou com a cara de tolo dos sempre embananados telespectadores do JN. Sobrava aquela areia esquisita nos olhos e a pergunta entalada em algum lugar primitivo do cérebro: ué, se não funciona... para que tomar? Será que o medicamento tem alguma substância especial que, adicionada à comida sem sal, baixa a pressão? Foi o que ficou parecendo. Faltou perguntar: somente uma dieta e a prática de exercícios, sem remédios, funciona? Alguém tentou? Algum médico só indica dieta e exercícios? A pomadinha e a síndrome Informar sobre os efeitos colaterais dos remédios deveria ser básico e obrigatório em matérias que falam de medicamentos, e aí houve mais uma falha que combina superbem com o JN, mas definitivamente não é a cara do JC. Com um pouquinho só de curiosidade dava para perguntar: o corpo acostumado a remédio para baixar pressão não reage à retirada da medicação? A pressão não tenderia a subir em caso de suspensão do remédio? E a comida? Tem comida que baixa a pressão, regula a pressão? Tem pesquisa sobre isso? Os repórteres têm medo de fazer perguntas aos médicos por medo de errar? Será que, para não partirem do princípio humilde de que não sabem, mas podem intuir, encerram no princípio de que nada pensam, nada refletem e só lhes resta publicar as declarações? Mais uma vez o jornalismo se agacha diante do poder de uma associação médica, mais uma vez a notícia cala na boca do âncora. O triste foi que calou na boca de um âncora do Jornal da Cultura, o melhor jornal de notícias noturno que os brasileiros têm. Fica a esperança de que o JC ainda salve essa pauta, vá atrás de médicos autônomos que tentam livrar seus pacientes dos famosos efeitos colaterais de uma medicina altamente atrelada aos laboratórios e pouco comprometida com o resgate da saúde humana. Afinal, é cada vez mais comum o efeito-cascata que liga medicação a doença. O sujeito vai se tratar de um problema de hipófise com alta carga de radiação e, seis meses depois, desenvolve um câncer; trata de um problema de pele com uma pomadinha que parece inofensiva e desenvolve uma síndrome de Reye; a criança fica triste porque o cachorro morreu, a mãe se desespera, o pediatra receita antidepressivo e a criança muda de personalidade e passa a apresentar "disfunções eternas" devido à morte do cão da infância. Regra de três básica A mídia deveria se sentir obrigada a pesquisar e a questionar seriamente toda pauta de assessorias vinculadas à medicina e aos laboratórios. Mas o que chega das associações médicas e é dito pelos "doutores" é dado como absoluto e repassado – sem checagem, sem análise, sem contrapontos – diretamente aos leitores, ouvintes e telespectadores. Nada pode ser pior para o desenvolvimento intelectual coletivo da sociedade do que propaganda enganosa travestida de notícia. A televisão, pelo menos a pública, já poderia se arriscar a enfrentar o cartel de branco e fazer uma abordagem mais séria sobre saúde, menos vinculada ao modelo doentio que se intensificou com o surgimento dos convênios privados, seus excessos de exames e marketing forçado em cima dos últimos lançamentos, os remédios de moda. O movimento antimanicomial começou num enfrentamento assim, questionando os tratamentos até então inquestionáveis dados pelos psiquiatras aos doentes mentais. Hoje, vejam só, os psiquiatras até já estão mais equilibrados e humanos – e os loucos, menos dopados e mais saudáveis. De repente o JC, nossa última esperança em noticiário de TV, consegue abordar a relação atávica que a carência social tem com a medicina e seus milagres envernizados pelo que apelidaram de científico. Periga até virar notícia a descoberta de que saúde é uma regra de três básica e relativamente barata entre comida, educação e autonomia.

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