quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Maluquices sobre o buraco por onde passam os bebês

Por Cláudia Rodrigues

A maternidade é feita de buracos existenciais e fisiológicos. O primeiro grande buraco existencial é deixar de ser filha e passar a ser mãe. Ué, mas deixamos de ser filhas porque nos tornamos mães? Sim se não queremos repetir nossas mães e não se mesmo querendo ser uma mãe diferente e reparadora a que tivemos, continuamos presas às genitoras, ainda que criticamente. As mulheres mais críticas às mães, salvo raras exceções, são as que no fundo mais as repetem. Obviamente as extremamente identificadas nem percebem a cola, são as repetidoras, fazem tudo sem sentir, como as suas queridas mamães idealizadas. A maturidade feminina ocorre na plenitude do orgasmo, quando ele vem fácil, sem sofrimento, sem muito esforço. Com mãe no meio fica difícil ser em contato com o masculino dentro de nós, mas independentemente do tamanho de nossa pulsão para permitir que um homem nos fecunde; a maturidade materna está no foco voltado para os filhos, não para a mãe, a dupla parental. Mas como dar conta dos nossos próprios ressentimentos em relação ao que deixamos de receber quando nos percebemos no lugar de doadoras? Não é regra de três, é equação bem mais complexa. Na fileira das queixas vem a da falta de energia para dar conta de cuidar. Quando a avó é utilizada como mãe-estepe a coisa se complica ainda mais, afinal o medo de ser mãe virou ação: serei filha eterna da minha mãe. Mãe, o que eu faço? Mãe, você não fez certo comigo! Mãe, eu te critico, faça certo agora com minha filha. Mãe, eu te disse, sou melhor do que você mesmo te repetindo. Mãe, eu sou muito diferente de você! Mãe, eu desisto, faça certo do seu jeito, não dou conta mesmo. São infinitos os caminhos para não deixar que a Mãe nasça; a finalidade inconsciente é eternizar a filha dentro de nós. A saída é só ser, a saída passa pelos buracos. E os buracos existenciais têm uma relação com o sagrado buraco do parto. O buraco fisiológico maior, o de parir, nos descola do feto e dá no mínimo uma forcinha para nos descolarmos do grude com nossas mães. Ao parir a mulher dispensa ajuda externa, é algo entre ela e o filhote, os outros são espectadores do gran finale. Ela não fica dodói, ela tem a força, ela é a madre da situação, não é pequena, mesmo quando faz um fiasco, não há mãe que a proteja, a mãe nada pode fazer por ela para que ela torne-se mãe. É um ato simbólico, um ritual de separação entre mãe e filho e entre filha e mãe; para algumas mulheres a vida adulta só começa no parto. Ao parir temos poder sobre nossos corpos, voltamos a ternura e a gratidão para o bebê que nos ajudou. Nossas mães, maridos e médicos ficam dispensados de cuidar de nossas xoxotinhas. Assim como somos ensinadas a ver peitinhos singelos, somos adestradas a cuidar do nosso buraquinho desde cedo. Fecha as pernas menina! Olha, estão vendo suas calcinhas! E o que tem dentro das calcinhas? Ora, o buraquinho do xixi. E por onde saem os bebês, mamãe? Ah filha, dói tanto, nem queira saber, mamãe vai te ajudar, para isso tem o doutor, mamãe vai falar com o doutor, você será poupada de toda a dor. O tamanho de um pênis é menor do que o tamanho de um bebê, certo? Ai que medo. Aí começam as fantasias de dilaceração sobre o pequeno buraco incapaz, que é da mamãe, do marido e depois do médico. Ai, tem tanto dono para esse buraco! Não seria correto dizer, porque não é mesmo um fato, que uma mulher que não sente orgasmos não é capaz de parir. Como também não se pode afirmar que uma mulher que não foi capaz de parir não será capaz de deixar de ser filha para tornar-se mãe. Por outro lado se sabe que sexualidade, parto e maternidade são, digamos assim, um trio para lá de circular, um desemboca no outro. Ai que complicado. É ou não é? É e não é. Depende do caso e em matéria de comportamento humano só podemos falar de tendências. Então podemos dizer que o prazer de parir tem uma relação direta com a intimidade com o sagrado buraco. Se o buraco é um mistério, um lugar que nunca foi tocado, explorado e vivido com intenso prazer; pode-se afirmar que na hora em que se exigirá dele uma maturidade e uma intimidade maior, o parto, o maior evento fisiológico do corpo feminino, ele pode estar despreparado. Ou não. Dependerá bastante das fantasias, do universo psíquico e da elaboração via corpo. Se achamos que o bebê dentro de nós vai nos ferir, tudo faremos para que ele de fato nos machuque. Nós vamos adiar sua saída, nós vamos travar, retesar e prender o feto dentro de nós e num impulso desesperado do corpo expulsaremos o feto com agressividade demasiada. Se fantasiamos que o bebê dentro de nós é frágil, que não é capaz de nascer por suas próprias forças, talvez busquemos ajuda externa, encomendado um nascimento via cirurgia. Agora, uma coisa é certa e se pode afirmar, a mulher que encomenda uma cirurgia não quer entrar em contato como seu medo de parir. Sim, porque dizer que tem medo não é entrar em contato com esse medo, assim como afirmar que quer parir não é garantia de sucesso no parto. Todas nós com filho na barriga temos medo da hora do parto. É um medo atávico, sempre existiu, sempre existirá, é um medo a ser enfrentado. Ou negado, renegado, talvez eternamente ruminado junto a nossas queridas mamães.

4 comentários:

  1. Admirável profundidade, guria!
    I love you de montão.
    Geraldão

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  2. "...para algumas mulheres a vida adulta só começa no parto."

    É como se eu viesse despertando, ao poucos, de um sono de toda a vida e vislumbrasse a saída(buraco)da caverna, onde se faz a luz. Acho que preciso parir.

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