domingo, 9 de agosto de 2009

Razões de aumento da licença maternidade não são explicadas

Por Cláudia Rodrigues em 30/10/2007 A mídia cobriu mal, muito mal, a Lei da senadora Patrícia Saboya (PDT-CE) que aumenta de 120 para 180 dias o período da licença maternidade. Como é típico no viés mercantil, os repórteres correram para os números, para as grandes empresas, as trabalhadoras da classe média, as funcionárias públicas. Meu Deus, que problemão para as empresas resolverem – este foi o tópico. E as pequenas empresas, oh céus, como uma trabalhadora de classe média vai fazer para dar seis meses de licença para sua empregada doméstica? Para aliviar a dor do mercado sendo vítima de uma bazuca empunhada por um bebê de seis meses, surge o antídoto: nenhuma empresa é obrigada a dar os seis meses de licença, o que nos leva a crer que vem enrolação por aí no sistema privado, guerra de foice entre as que têm filhos e as que não os têm. Ah, que bom, há barganhas a fazer. O principal não interessou, a mídia nem tocou no assunto; as necessidades fisiológicas, corticais e emocionais dos bebês. Nenhuma matéria, nenhuma alusão ao pouco significado desses dois meses a mais para amamentar e proporcionar ao bebê algo que ele precisaria por pelo menos um ano, e não apenas por seis meses: a mãe bem perto a maior parte do tempo. Invencionices industriais A licença maternidade foi ampliada porque era um absurdo o Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde recomendarem amamentação exclusiva no peito por seis meses enquanto a mulher brasileira deveria voltar no final do quarto mês do bebê para a labuta diária de oito horas, fora o tempo que leva para ir e vir de casa para o trabalho. Ok, temos agora seis meses para ficar com nossos bebês, dependendo da boa vontade dos empresários. É pouco, muito pouco, se levarmos em consideração a verdade única de que, ao término do prazo de seis meses para amamentação exclusiva, chega o momento em que o bebê deve ser apresentado a outros alimentos, além de continuar recebendo o leite materno. A entrada das frutas, legumes, cereais e proteínas deve ser feita devagar, a introdução de leite não humano só deveria ocorrer após os dois anos e sendo assim o bebê precisa continuar mamando, supostamente na mãe, fonte única de leite humano. Bebês não são robôs, a entrada de outros alimentos não começa com um cardápio completo; é lenta, pode ser complicada e a introdução precoce de leite não humano pode prejudicar o trato digestivo dos bebês e provocar patologias cada vez mais comuns nos consultórios pediátricos, como alergias a proteínas animais, por exemplo. E tome soy milk e todo tipo de invencionice industrial para ajeitar a falta de leite humano e convívio. Timidez e voracidade do mercado Do ponto de vista afetivo, é complicadíssima a separação precoce por longas horas diárias tanto para mães como para bebês, mas é óbvio que, sendo a mãe uma pessoa adulta, ela dá conta de se superar e voltar ao trabalho. Não é tão simples para o bebê. Aos seis meses, ele está aprendendo a separar a mãe da sua própria figura e é exatamente aos seis meses que ele vive a primeira crise de diferenciação – começa a entender que ele e a mãe são pessoas diferentes, pois até aí "julgava" que a mãe era ele e ele era a mãe. Margareth Mahler, em O Nascimento Psicológico do Bebê, explica bem essa fase e as subseqüentes. O vínculo entre mãe e bebê é estabelecido nos dois primeiros anos de vida e a amamentação é fundamental para que o bebê processe a separação lentamente, de acordo com seus limites corticais, que não são poucos. Distúrbios afetivos precoces são cada vez mais comuns. Crianças bipolares, deprimidas, estressadas, com dificuldades de concentração e de lidar com a frustração, hiperativas e dissociadas proliferam nas creches, escolinhas e consultórios. Os estudiosos de comportamento infantil afirmam que a construção bem feita do vínculo nos primeiros dois anos de vida pode ser um fator determinante para prevenir transtornos afetivos futuros. Nada disso apareceu na cobertura que a mídia fez do aumentinho da licença maternidade, não obrigatório, de 120 para 180 dias de licença maternidade. Andamos devagar, bem devagarinho, porque o interesse e o foco da notícia é meramente empresarial, mercantil, não humanista. Serve perfeitamente bem à sociedade blasé e especialmente às mulheres – as que podem, e deveriam, as mais "estudadas", refletir sobre os direitos dos bebês que colocam no mundo. Não o fazem porque são mães meramente culturais, mães danoninho, mais preocupadas em ter direito à cesariana eletiva, ao último leite recém-lançado pela Nestlé. Não devemos esperar – ainda que fosse ótimo – que empregadas domésticas levantem a bandeira da condição feminina de aleitar os filhos, mas é uma ilusão maior achar que as formadoras de opinião, as bem nascidas, bem abonadas, podem fazê-lo. A Lei é digna, mas chega atrasada e tímida enfrentando, de ladinho, a voracidade do mercado.

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