quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Carta aberta aos presidenciáveis

Por Cláudia Rodrigues
Saúde e educação são temas pertinentes e sempre presentes nos debates, mas quem entende um pouquinho só desses assuntos percebe que os candidatos não estão bem informados. Marina, a candidata do viés mais ecológico, não trouxe nenhuma vez a importância de uma educação para a ecologia do parto na saúde da mulher, do bebê e do planeta. No novo paradigma de Marina o parto é um detalhe a ser estudado depois das eleições. O candidato José Serra está sempre embrulhado na ideologia do remédio. Verdade que é do remédio mais barato, Serra é o rei do genérico. A Saúde para Serra é fazer melhorias no sistema de saúde no Brasil, um sistema com abusos do privado sobre o público. A maior parte da população conta com um péssimo sistema público, com honrosas exceções, que não são copiadas ou multiplicadas, pelo contrário, são engolidas pelas necessidades maiores da nossa atualidade: o consumismo, a obsolescência planejada, o superfaturamento. Não sei como Serra poderia se sair bem dessas “necessidades do sistema de saúde”, aliás nem ele, nem Dilma e nem mesmo Marina ou Plínio. Eles sabem muito pouco sobre as reais razões que levam o Brasil a ser o segundo país onde mais se fazem cirurgias cesarianas desnecessárias, por exemplo. Sabem pouco e pouco podem fazer para mudar esse quadro porque por incrível que pareça a própria sociedade médica brasileira, especialmente a parte da política médica da sociedade brasileira, faz menos e bem pior do que seria esperado que fizesse.
Obstetras de Norte a Sul literalmente faturam os nascimentos abusando do poder de saber mais com mentiras deslavadas sobre gravidez, parto e puerpério. Por comodismo em alguns casos, ignorância em outros e intenções pessoais como fazer o mínimo num tempo menor. A mesma sociedade médica que caçou as parteiras na década de 1940, hoje não tem paciência para acompanhar trabalhos de parto e esperar a chegada natural do bebê. Se não tivesse preço para a saúde das mulheres e dos recém-nascidos, ainda poderia se relevar esses gastos desnecessários, mas o que temos é um alto índice de bebês prematuros, com problemas cardiorrespiratórios devido ao abuso de cesarianas eletivas indicadas sem necessidade pelos próprios médicos. A Universidade Federal de Pelotas, com apoio da OMS, realizou em 2009 uma pesquisa que trouxe resultados lastimáveis unindo o abuso de cesarianas desnecessárias ao aumento de problemas de saúde materno- fetal.http://revistas.unipar.br/saude/article/viewFile/1002/865 De maneira geral os grandes nomes da obstetrícia brasileira, os que respondem pelas políticas de comportamento nacional na obstetrícia, a despeito de todas as pesquisas dos últimos anos na área, continuam defendendo a cesariana como uma forma “mais segura” e menos dolorosa de nascer. Isso vem ocorrendo no Brasil desde a década de 1960, atingiu mulheres de todas as camadas sociais e formou no imaginário feminino das brasileiras uma idéia de que parir é experiência menor, de baixo status. De qualquer maneira parir no Brasil é difícil e costuma ser doloroso, já que os métodos utilizados tanto no sistema público quanto no privado são arcaicos: amarram-se pés e mãos da gestante que é colocada em decúbito dorsal e depois corta-se o períneo para “facilitar” a passagem do bebê. Isso é praxe, e 9 entre 10 obstetras brasileiros defendem essas práticas como sendo de preservação para a integridade da mulher. Não são. Comprovadamente não o são. Difícil imaginar se Dilma, Marina ou as diletas esposas dos outros candidatos pariram ou sofreram cirurgias, mas sou capaz de apostar que todas elas levaram uma epsiotomia desnecessária ou foram vítimas de uma cirurgia desnecessária apenas porque são brasileiras e seus bebês nasceram aqui. Elas provavelmente nem sabem que tiveram um mau atendimento porque numa sociedade judaico-cristã unir o nascimento de um filho ao sofrimento materno é uma verdade única. Temos um mau atendimento às mulheres e aos recém-nascidos e gastamos muito mais do que é necessário simplesmente porque o paradigma que seguimos na saúde é o do tecnicismo: mais gastos, mais exames, mais invasões, mais investimentos, maior tempo de internação, mais remédios, mais condutas em linhas de montagem, mais equipamentos, maior quantidade de gente lidando com burocracias, menor quantidade de gente lidando com as pessoas e as necessidades das pessoas. No paradigma humanista é diferente e temos como exemplo, para encurtar essa carta, o trabalho da Professora Dra Melania Amorim, da Universidade Federal de Campina Grande- Paraíba, que durante dois anos desenvolveu com alunos e voluntários o atendimento ao parto de maneira humanizada seguindo as recomendações da OMS. Os números foram excelentes, para aplaudir de pé, mas o que pegou mesmo foi a satisfação, veja vídeo: http://www.youtube.com/watch?v=T_c9FwVlVw4 http://www.youtube.com/watch?v=AVPLkiemt1c&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=iX3OKeJSFzY&feature=related http://www.youtube.com/watch?v=wK9iKYckmCA&feature=related Um trabalho com mulheres do SUS sendo tratadas como nenhuma celebridade consegue ser, apesar dos luxos e mimos, na mais cara das maternidades brasileiras: com respeito ao protagonismo na hora do parto, sendo a parturiente o centro das atenções, estando a equipe a serviço da mulher e a eventual – e nesses casos sempre rara – necessidade de uso de equipamentos também para servir à gestante e não para submetê-la. O trabalho da Dra Melania Amorim não serviu de exemplo para o SUS multiplicar, mas ela foi sozinha à luta, nos pediu um filme, esse singelo filme executado por apenas três pessoas com a colaboração de mais meia-dúzia de simpatizantes; para apresentar num congresso mundial de obstetrícia na África em 2009. A saúde no Brasil não se encerra no parto, a necessidade de um olhar mais humanista, de uma economia solidária atuante no sistema de saúde, não se encerra no parto, mas bem que poderia começar por aí porque nossos números nessa área são vergonhosos e nossos obstetras precisam estudar mais, muito mais sobre seres humanos e suas necessidades fisiológicas. Humanizar a economia até pode ser uma utopia, mas humanizar a educação e a saúde deveria ser condição sine qua non para se chegar a uma sociedade realmente mais feliz e sustentável, como prometem todos os presidenciáveis.

4 comentários:

  1. Brilhante perspectiva de um problema que raramente e colocado em pauta com tanta precisao.
    Essa carta e uma ferramenta de muito valor.
    Os presidenciaveis precisam saber que ja nao e mais tempo de continuar subestimando a inteligencia dos eleitores, que ja nao e mais tempo de aproximacoes superficiais a problemas tao graves. Existe uma diferenca entre o agora e o antes..a informacao. Ela esta disponivel, e vamos usa-la, para educar, para alarmar, para conscientizar. Tenho testemunhado no Nordeste brasileiro o desdem com a saude da mulher, a inexistencia de pre-natal,o desrespeito com a mae e sua crianca ja antes do nascimento, a esterelizacao gratuita oferecida por politicos em salas de casas particulares sem o minimo de procedimento hospitalar...
    O trabalho de dra. Melania Amorim mais do que aplausos merece o nosso engajamento,divulgacao, perpetuacao...
    Obrigado pela substancia desse texto.

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  2. oi CLAUDIA, to bem dentro disso td q vc fala aqui ,minha netinha ta pra nascer e eu to dividida entre querer ou nao q eles façam o parto humanizado ,vai nascer depois do dia 10 de setembro e será em casa ,com uma médica presente ,vamo ve ,se deus quiser vai dar td certo, mas to aflita pk acostumamos tanto com rem´dios q estamos escravizados em pensar de outro modo ,bjus amei o texto com tds as informaçoes bjus
    maria de fatima

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  3. Infelizmente a cesárea já é uma cultura imposta e aceita pelos brasileiros, será muito difícil inverter o quadro.

    *Entre o sonho e a realidade eu prefiro a realidade que me permita sonhar. http://jefhcardoso.blogspot.com

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  4. Muito bom dona Cláudia, manda ver!
    Beijos grandes,
    Lau

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