quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Pirações das primeiras comidinhas

Cláudia Rodrigues

Há muitos motivos para a existência dos transtornos alimentares nos bebês. Sem essa de que tudo é culpa da mãe, mas nossos hábitos urbanos, manias, excessos, esquemas, podem ser estressantes para o bebê e suas primeiras vezes. As mães que juram que o filho já nasceu com um problema de alimentação não vão concordar, mas a tensão para a primeira vez e a armação do circo que se faz em torno disso pode ser assustadora para alguns bebês.
Acontece do bebê nunca ter sentado em um cadeirão e diante do primeiro prato de qualquer coisa cair de boca, mas não é assim para a maioria. O mais comum é que o bebê estranhe aquilo que nunca viu, nunca fez e vá se adaptando lentamente. Se a mãe estiver em conflito sobre o peito, em pirações de desmame, ajuda para atrapalhar um monte. Algumas mulheres amam amamentar e sentem a introdução do alimento como um roubo, uma impureza. Comeu vem o presente diferente na evacuação. E aí? Como lidou? A mãe, não o bebê! Ah, difícil de darem-se conta do que ocorreu, mais comum que se coloquem na defesa e na defesa não há solução.
Há as desesperadas, que ficam ansiosas para o dia da primeira papinha, já tem data no calendário, aos seis meses pontualmente, no dia do aniversário de seis meses. As repetidoras de mamães são capazes de começar com um prato de arroz e feijão. Pode dar certo, sempre pode dar certo, mas é recomendável que não se comece por algo tão pesado. Existem as sem noção absoluta de introdução gradual e no primeiro dia dos tais meses ideais, entram com almoço e jantar. Os bebês são seres muito adaptáveis, pode dar certo.
Mas quando não dá? O que houve? Porque muitos bebês vão tomando pavor de comer, um dos prazeres que ocorre naturalmente por uma maturidade do desenvolvimento deles? Ora, esse preparo se dá mais ou menos por volta de seis meses, tem a ver com a capacidade do bebê de saber sentar e sua curiosidade singular sobre a comida em geral, que ele já percebe como atividade dos adultos e de outras crianças.

Se o bebê tem seis meses e está molinho, desinteressado de comer, nem aí quando vê alguém mordendo uma maçã, o ideal seria esperar ele se interessar. Mas e se o bebê tem cinco meses e 25 dias e agarra feliz a maçã da mão do irmão? Ora, deixa ele grudar e esqueça o calendário!
A introdução dos alimentos poderia ser uma coisa mais leve na vida dos bebês. A questão da colher e da quantidade, por exemplo, costuma virar uma alucinação para muitas mães, mas o bebê não precisa experimentar pela primeira vez um alimento via colher, nem precisa de prato e cadeirão.
A expectativa criada, às vezes durante meses, acaba virando uma frustração depois de tanto investimento nos esquemas, nas coisas entre a mãe e a criança. Sobra bebê descontente para um lado e mãe para o outro com a papinha inteira a ser jogada no lixo. Se ao menos existisse um gato na casa!
Quando as mães me perguntam o que dar, como dar, que horário introduzir, se devem seguir a linha das frutas, uma a uma, para evitar alergias ou a da batata doce como primeiro alimento ideal, sempre pergunto: O que ele gosta de ver você e sua família a comer? Você odeia batata doce? É um alimento que faz sua família rir?
Para que tipo de alimento ele mostra interesse, que seja saudável o bastante? E que horas isso costuma ocorrer?
Não sabem responder, muitas mulheres não sabem se aquele bebê está pronto, se tem desejo, curiosidade. Na nossa vida cultural tão rica de teorias, partimos do princípio de que existe um jeito certo, uma hora a ser seguida, um mês exato, uma progressão absoluta. Tem prato de bebê que mantém comida quente, colher de material X ou Y, cadeira anatômica funcional com mil poderes. E no meio disso tudo tem o desejo: do bebê. E as fantasias e expectativas: da mãe, da avó, do pai, do tio, da babá. Coitado do bebê, ele só queria dar uma amassada de gengiva na banana.
A primeira experiência de amasso em algo que não seja um mordedor ou o controle remoto da televisão, algo que tem sabor, o bebê não esquece. Se o impulso vem dele, do desejo dele de experimentar, que seja devagar pelo que apetece e numa quantidade pequena, para que ele tenha tempo de digerir e querer mais no dia seguinte ou dois dias depois.

E o peito? E o leite? Ele vai desmamar? Devo dar a primeira papinha antes da mamada para ele ter fome? Ohg céus, ohg não, não na primeira vez, nas primeiras vezes. O peito não tem nada a ver com a comida. Deixe o bebê continuar mamando em paz, mas se uma hora depois de mamar alguém passar com uma pêra na boca e o bebê avançar, deixa o carinha experimentar. Ele tem olhos, boca, mãos e braços.
Ok que seja orgânico, melhor que seja orgânico, mas também não é preciso pirar na batatinha de que as frutas são potencialmente alergênicas. Convém usar de bom senso e não dar abacaxi ou laranja, mas pirar na “raça” da banana já é neurose demais. Tirar semente de banana para evitar dor de barriga? Já ouvi isso!
Existem listas imensas de coisas que não se deve dar ao bebê no primeiro ano de vida. Essas listas têm fundamento, é bom dar uma lida e respeitar, evitar alimentos ácidos, leites artificiais, comidas industrializadas em geral por motivos mais do que óbvios.
Meu bebê odiou cenoura! E agora!? Agora não dê, seu bebê tem paladar e o paladar dele nesse momento rejeita a cenoura. Esqueça por um tempo, mais tarde dê com outra consistência, muitas vezes o bebê não gosta da consistência do cozido. Em outras era apenas questão de momento, o dia estava nublado, papai saiu com uma cara estranha, aquele não era o dia da cenoura. Também não vá ficar dando comida que ele não gosta só parar rir da cara de nojo do coitado.
Se a mãe se reconhece como pessoa obcecada por limpeza...Ah está aí uma coisa difícil de administrar porque comer para um bebê tem a ver com o prazer da lambuzação, pesquisa, laboratório de corpo sem repressão. Não, não adianta fingir que tudo bem, se a mãe fica nervosa gemendo uis internos porque a roupa vai manchar e a meleca vai grudar no carpete. O bebê vai sentir e vai reagir. Ou não, mas é uma tendência que tenho visto. Obsessão, comida e fezes, um trio parada dura!
Entrada no universo da alimentação natural, sem expectativas, espontaneamente, seguindo o bebê, o mini-cidadão que demonstra de muitas formas não verbais o que quer comer, como quer e que horas quer, eis o segredo.
Projeção e ansiedade, a gente vê por aí, nos bastidores dos bebês “maus” de garfo.
Mães desencanadas e espontâneas para dar de comer, a gente vê por aí nos bebês bons de garfo.
Ficou vermelha de raiva do texto? Pode ser só defesa de palavras que serviram como chapéu!
Gostou, apreciou? Ok,estamos aí para trocar mais palavras que também sempre podem servir como luvas.
Não fedeu nem cheirou? Não vivemos na mesma sintonia. Adieu.

11 comentários:

  1. Cláudia, a introdução de alimentos com minha filha mais velha foi exatamente isso que você descreveu. Ansiedade, muita ansiedade: eu ia voltar a trabalhar, ela tinha de comer, eu amava o aleitamento exclusivo, eu morria de preguiça de fazer comida separada pra ela, eu sentia que ela não estava pronta, o pediatra disse que ela não estava ganhando peso adequadamente e que tinha de comer. Foi péssimo. Ela foi começar a comer, aos poucos, só após os 7 meses. E eu ordenhava e mandava leite pra creche, qual era o problema? Pra quê o estresse? Depois li "Mi niño no me come", do Dr. Gonzalez, e esse livro salvou minha vida. Hoje, aos dois anos, Emília come super bem, come sozinha desde um ano de idade, aprecia tofu, aveia, cogumelos, pede canela na banana. Agora estou com uma gorduchinha de 4 meses e 8kg e espero uma introdução de alimentos MUITO mais tranquila. E viva a experiência.

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    1. Que lindo seu percurso cuca aberta. O primeiro é o primeiro, mesmo quando lemos tem algo difícil que é identificar os sentimentos, os conflitos e superar porque fingir não adianta. De qualquer maneira sempre temos que ficar atentos, os bebês realmente têm gostos, às vezes encanam com alguma coisa, precisamos do máximo de sensibilidade. Na terceira filha eu passei por uma coisa de dar uma resistida porque ela não suportava mamão. Achava muito hilário e inacreditável ela não gostar de mamão rsrs. Ela se arrepiava só de ver alguém comendo. Aí um dia, aos 4 anos, chegou da brinquedoteca e disse: adoro mamão! A família inteira olhou para ela com cara de não creio! Valeu Lia, luvas entre nós!

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  2. Cláudia, adorei! Tenho dois meninos muito bons de garfo! Daquele tipo que berra se você se distrai e a colherada demora um pouco mais para chegar à boca. De certa forma, acho que me enquadro no tipo "mãe desencanada": os dois comem até feijada de boteco e pastel de feira. E adoram! É claro que no dia a dia em casa procuramos manter uma alimentação bem saudável, com muitas frutas e legumes, que eles também curtem bastante. Por outro lado, sou xiita radical com algumas coisas: os dois nunca provaram refrigerante, Mc Donald's, balas, chicletes, nem comida que vem com brinquedinho de brinde. E o mais velho já está com quatro anos! Tem dado certo. Obrigada por nos presentear com um texto tão saboroso. Parabéns pelo seu trabalho no Portal Sul 21, que tenho acompanhado com muito interesse. Beijo

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  3. Salve Luciana, que legal te ver por aqui. Fiz parecido com você e obviamente meus filhos jovens hoje (19 e 21 anos) já foram a um Macdonalds, já mascaram chicletes e tomaram refrigerantes, eu mesma fiz vista grossa quando isso significou algo a ver com "sou mais velho e pertenço ao grupo". O melhor é que ao preservar as crianças dessas coisas na infância, além do apetite se desenvolver de boa, hoje eles não preferem Mcs, balas etc, têm eles mesmos visão crítica e apreciam a boa mesa. Um dos problemas da liberação às drogas alimentares na infância é que chegam a idade adulta viciados, muitas vezes com problemas de obesidade e aí fica difícil tratar e eliminar a comida que faz mal, já que ela foi associada aos prazeres dos primeiros anos de vida.

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  4. Claudia, querida. Eu pirei muito com a introdução de alimentos. As duas primeiras semanas foram tensas. De adaptação. Depois fui deixando a coisa fluir e rolar naturalmente. E desde então tem sido uma delícia.

    Aposto que com meu segundo filho a coisa será muito mais serena... rs!

    Vivendo e aprendendo.

    E você toda, toda que vai ser madrinha, hein? Que delícia. Parabéns. Já disse e repito, você merece.

    Beijos!

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  5. Cheguei aqui através do blog da Lia e adorei seu texto e acho que as coisas acontecem mesmo bem do jeito que você disse.
    Aqui em casa tudo aconteceu muito naturalmente, com 5 meses e pouco Rodrigo se atirava na nossa comida, começamos a deixá-lo colocar na boca as futas que estávamos comendo e ele muitas vezes estranhou, mas nunca perdeu o interesse e com o passar do tempo grudava e chupava todo feliz!
    Quando chegou a hora da primeira papinha ele já tinha uma certa intimidade com a idéia de comer, fiz a papinha, servi uma colherada em um potinho e fui ver como seria, com expectativa zero, sabendo que ele podia amar ou odiar, e ele amou, e já de cara comeu uma quantidade super boa.
    Aqui em casa a alimentação é assim, intuitiva, sentindo os desejos do pequeno, e está sendo um sucesso!
    Sem estresse, sem pressão, e com muito peito entre uma comidinha e outra, na hora que ele quer, quis peito ao meio dia, vai comer papinha às 13h, terminou de comer a papinha e quer peito, ok também!
    Estou muito feliz de estar criando um bom de garfo, com muita variedade e tudo muito saudável, respeitando acima de tudo o tempo do meu filho.
    Beijos

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  6. Ei Cláudia! encontrei esse seu texto sobre introdução de alimentos através do site da Lia (amo e acompanho os textos do blog dela sempre!) e quero dizer que foi muito bom para mim ler o que você escreveu! Estou com meu bebezinho Samuel prestes a completar 6 meses e já algum tempo manifesta interesse por comida. Eu acho que é interesse pq ele sempre encara muito o que a gente está comendo e quer pegar, enfim... sem neura nenhuma já dei para ele experimentar das frutas que ele nos vê comendo e estou achando um barato ser uma mãe sensível para o tempo e para o paladar do meu neneim! Seu texto reafirmou essa verdade dentro de mim! Obrigada! Bjs!

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  7. Muita massa o seu texto. Meu filhote está com quase cinco meses e tenho lido bastante sobre começar a comer. O que você escreveu era tudo o que eu precisava ler. =)

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  8. Gracias que gostaram, não nasci sabendo, fui sacando durante a criação dos 3 filhos, trocas e observações com amigas na mesma fase. Muito legal poder trocar. Antes da internet e depois da década de 1960 andamos muito isoladas umas das outras e emburrecemos um bocado no quesito maternar, mas agora estamos retomando com a força toda, podemos muito mais, até praticar a não-maternidade consciente. \o/

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  9. Muito grata pelo texto! Serviu como uma luva sim! Minha filha acaba de completar 6 meses, segundo a pediatra ela deve mamar apenas 3x por dia, durante a madrugada nem pensar no mamá, disse ela que minha filha deveria ter parado de mamar na madrugada quando tinha 3 meses?! Mas eu sinto que é fome, ela não faz meu peito de chupeta não, pelo contrário, suga, mas suga com tanta vontade que eu costumo dizer que ela engorda é de madrugada, logo depois que mama empurra o peito e volta a dormir. A pediatra pediu pra eu oferecer somente frutas por 2 semanas, até tentei por 3 dias, ela fazia besourinho (bruuuuuu) na colher, cuspia tudo fora, aí fiz uma sopinha e ofereci o caldo a reação foi tão diferente que agora estou começando a oferecer tubérculos e ela aceita muito bem! O esquema é esse mesmo, daqui um tempo volto com as frutas... Agora deixo ela só de fraldas, sentada no cadeirão com a comida na frente e ela faz o que quer, come, joga fora, come mais, se lambuza e adora! Fico ao lado com a colher e auxílio ela a comer. Foi maravilhoso ler este texto! Definitivamente só nós sabemos o que acontece na nossa casa, qual a relação que temos com o nosso bebê. Cada bebê é diferente, todos nós somos, não existe um padrão, existe a recomendação, mas o que vale mesmo é o instinto da mãe, basta resgatá-lo, está em nós!

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