sexta-feira, 21 de março de 2014

Ciclistas são vítimas, mesmo quando estão errados








Cláudia Rodrigues

A última quinta-feira, 20 de março de 2014, marcou de maneira trágica a cidade de Porto Alegre: duas mortes de ciclistas, duas jovens de 19 e 21 anos morreram atropeladas por ônibus, uma delas na faixa de segurança.
Acirraram-se as discussões nas redes virtuais. A sociedade não quer lidar com os problemas, as pessoas querem eleger culpados, querem generalizar culpados, apelam para a difamação dos ciclistas em generalizações absurdas. "São irresponsáveis, andam pelas calçadas, não respeitam sinais, não merecem ciclovias, o trânsito já está um caos!"


Reagem os ciclistas, hoje às 18:30h vai haver protestos pelas mortes em um dos locais em que uma das jovens foi atropelada.
Todo movimento fechado em si mesmo é ignorante, toda causa fechada em si só tende a ver um lado da questão, mas aqui vale mais uma vez uma ponderação sobre as fragilidades e os frágeis devem ser defendidos. Nesse caso os frágeis são os ciclistas, mais frágeis do que eles são os pedestres. Isso não deve se perder de vista na hora em que começam a emergir as cobranças pelos ciclistas afobados, mal informados, maus condutores de suas magrelas no trânsito.

Curiosamente, e foi por isso que decidi escrever esse texto, na noite anterior aos atropelamentos eu estava dirigindo um automóvel, dando uma carona para meu filho, que é ciclista e naquela noite em decorrência da chuva aceitou a carona. De repente surge um garoto de uns 13 anos na frente do nosso carro, veio rapidamente pela direita, precisei ser rápida para frear, felizmente estava conduzindo em baixa velocidade, mas assim que ele passou pela frente do meu carro, fez um S sobre o da frente e o posterior, passou para a calçada e lá na frente nós ainda o vimos entrando no corredor de ônibus.

Meu filho comentou que o garoto era um mau ciclista, que estava se arriscando muito sem ao menos ter alguma estratégia de defesa. Não sentimos raiva, percebemos que era um garoto, lamentamos a falta de informação, a responsabilidade dos pais em largar um menino assim tão jovem sem a orientação necessária, sem acompanhamento e ainda rimos disso, poderia ser que ele tivesse a orientação e estivesse apenas teimando, auto-desafiando-se, o que é comum nessa fase. Lembramos que ele mesmo, aos 13 anos, havia se metido numa encrenca.

Quando esse mesmo filho estava com exatos 13 anos, chocou-se contra um carro conduzido por uma senhora, uma professora de uma escola estadual, na cidade de Osório, em 2005.
Resultado do acidente: um capô danificado, um guidão torto, uma roda da bicicleta torta, uma dona furiosa, um garoto apavorado. Um PM acudiu e junto com a mulher resolveram que o garoto levaria a senhora até a casa dos pais para que eles pagassem o prejuízo do capô, já que estava decidido que o garoto estava errado.

Ok, com muito esforço para segurar o guidão torto, fazendo muita força, o menino foi engolindo o choro até em casa, com a dona emparelhada atrás dele de carro, coladinha. Chegando em casa encontraram o pai, eu não estava. Adona explicou que o menino havia entrado na contramão, ela estava na esquina saindo e os dois se chocaram. O pai desculpou-se, explicou que havíamos mudado para a cidade fazia duas semanas e aquela era uma das primeiras vezes que ele havia saído de bicicleta, ainda não conhecia as ruas. Não havia na Rua Getúlio Vargas com a Machado de Assis uma placa proibindo a entrada à direita, não sei se já existe, mas é comum que nas cidades do interior as placas atendam apenas os moradores antigos.

O conserto do carro foi pago imediatamente na oficina escolhida pela mulher, sim, a dona fez questão de que o reparo material fosse imediato, o conserto da costela quebrada dele nós que pagamos, o conserto da identidade dele como ciclista demorou alguns anos para ser feito. Mesmo após a bicicleta ter ficado boa, ele não voltou a manejá-la. Somente em Porto Alegre, aos 20 anos, ele voltou a pedalar. Ele estava errado e ainda assim foi vítima. Não foi encaminhando para o hospital, o PM não ajudou nisso, a dona, uma professora, não se dignou a colocar a bicicleta em seu carro, levar o menino para o hospital ou para casa, primeiro atender o menor, a pessoa fragilizada e depois seus interesses materiais. É assim que nossa sociedade funciona, esse é um exemplo vivo. Primeiro os maiores, os que podem mais, os que têm mais, depois os médios, depois os menores, os mais frágeis.


Ok, vamos dizer que há muitos ciclistas despreparados voando as tranças por aí, que há muitos pedestres atravessando fora da faixa, que se não bastasse isso, há muitas pessoas no trânsito esquecendo a importância dos ouvidos na direção, no guidão, dirigindo e pedalando com os ouvidos ocupados nos fones, mas ainda assim devemos apurar nosso olhar e nos educar para os que estão mais frágeis e não começar uma campanha de ódio aos ciclistas, ódio às ciclovias para sermos como motoristas de carro tão livres como antigamente, a toda velocidade, sempre apressados, trancando cruzamentos e pior do que trancar cruzamentos, algo que me acontece diariamente, receber buzina do automóvel atrás do meu porque estou impedindo que se avance no cruzamento com sinal verde por obviamente não ter espaço para mais carros do outro lado do sinal. O raciocínio do condutor médio é: se o sinal está verde, avance, trancar cruzamento é consequência!


Diante dessas evidências gritantes de comportamento social, mesmo sabendo que sim há erros dos ciclistas, sim há ciclistas despreparados para as leis do trânsito, que se arriscam de maneira perigosa, insisto que primeiro devemos mudar nossa mentalidade no trânsito como motoristas, devemos diminuir a velocidade dos automóveis, civilizar os motoristas de ônibus, os das lotações, os taxistas, os automóveis particulares, os motociclistas, todos esses devem cuidar dos ciclistas, que devem cuidar dos pedestres, que por sua vez devem cuidar das suas crianças e dos seus animais de estimação.

E obviamente precisamos melhorar as informações e a formação de ciclistas, mas se eles estão chegando, aumentando, se multiplicando, em formação ainda, o dever dos motociclistas e motoristas é recebê-los com cuidado, tentar incorporá-los e não começar a campanha de ódio aos ciclistas. Simplesmente porque os bastidores dessa perseguição aos ciclistas e às ciclovias não é meramente uma reivindicação de mais educação dos ciclistas no trânsito, algo necessário de fato, altamente defensável, mas uma visão conservadora, uma espécie de egoísmo coletivo, atrás disso está um "não queremos agregar" e isso é perigoso, é quase uma licença para matar.

2 comentários:

  1. Só um comentário: toda bicicleta deveria ter buzina ou campainha. É um veículo silencioso e quando não é visto tem que ser escutado. O ciclista deve avisar de alguma maneira quando está ultrapassando outro ,mesmo nas ciclovias, ou quando um pedestre atravessa em sua frente. Com erteza muitos acidentes seriam evitados.

    ResponderExcluir