Cláudia Rodrigues
Quase sempre que alguém resolve promover uma das minhas oficinas, surge a dúvida sobre o perfil das participantes e uma das frases que mais ouço é: "tem essa pessoa ou esse grupo, mas elas são mãezinhas", esse último um termo designado entre as ativistas do parto e do nascimento humanizado para estereotipar mulheres que ainda não têm informações sobre os valores qualitativos e quantitativos de um parto natural, da amamentação ou da criação amorosa e respeitosa com as crianças a partir de estudos que contrariam as práticas conservadoras, adquiridas de geração para geração por meio oral e não pela leitura e interpretação reflexiva de várias linhas de pesquisa e conhecimento.
A recomendação que faço é sempre de abertura, qualquer mulher interessada no tema é bem-vinda. Não devemos nutrir preconceitos ou alimentar medos de ouvir e argumentar com as mulheres que não estão dentro dos saberes básicos sobre a humanização do parto e do nascimento. Todas as teorias e práticas de educação têm algo de bom e servem de maneira diferenciada e diversificada para melhorar o atendimento às crianças. Todas as formas de nascimento têm seu valor, é preciso ouvir e compreender aquele milionésimo de diferença que separa uma pessoa de outra, mesmo quando o milionésimo nos ilude como sendo anos luz. Quanto mais distantes nos achamos do nosso interlocutor, mais próximos estamos dele e não o contrário.
Quando fechamos a porta para quem pensa diferente, não só deixamos de multiplicar informações, como deixamos de aprender com quem sabe outras coisas que não sabemos. É muita onipotência pensar que uma "maezinha" não tem nada a acrescentar e só fará as ativistas perderem tempo e paciência, quando poderiam estar crescendo juntas. Ledo engano, panela nunca foi solução e nem multiplicadora de conhecimentos, panelas promovem sub-panelas e hipocrisias, estabelecem relações verticais, mitos e babação de ovo. No final das contas não há como oxigenar as relações, cheias de nós e cada vez com menores possibilidades para práticas horizontais de relacionamentos.
Em 2011, em uma oficina em Belo Horizonte, apareceu uma moça completamente por fora do que era humanização, ela ganhou um bolsa de uma ong e foi lá conferir o que era aquilo. Foi uma das melhores oficinas justamente pelas perguntas que ela fazia, pelas contestações. Houve um momento em que o grupo chegou a ficar "revoltado", como se ela estivesse me agredindo, mas estava ali uma pessoa deliciosa que questionava ao seu modo, com o que trazia e de maneira brilhante traduzia o pensar do status quo. O que ela exigiu de mim? Que eu desse uma aula mais profunda e foi o que ocorreu. As informações que dei a ela acabaram nutrindo as ativistas, que costumam concordar com o que eu falo, com o que eu mostro. Discordar nunca é um problema quando escolhemos troca de informações e questões, complexidades em vez de neutralizar ou desqualificar aquele que discorda de nós. Assim que para multiplicar e abrir conhecimentos que temos, precisamos sempre estudar mais, ler mais, ler o outro, trazer mais o outro para dentro de nós em vez de apenas penetrar o outro com o que temos para dar. Dar é sempre mais fácil do que receber, dar é bom para o ego, alimenta o nosso narcisismo, receber exige humildade, descer do pedestal, partir do princípio de que podemos ser sempre menores do que nos auto-julgamos.
O que é mais fácil e mais lucrativo em panelas é a agregação de semelhantes, de iguais, mas assim os pensamentos e ações congelam-se em padrões repetidos de comportamento. Se uma mulher teve uma cesariana que considera desnecessária e está fechada, enclausurada numa panela de ativistas, o que ela terá de conexão em identificação com suas semelhantes será ok, mas poderá faltar ainda a conexão com uma igual em sentimentos, em internalizações que as levaram a esse auto-engano. Assim é com a amamentação, aprendemos tanto com quem se identifica com nosso problema, como com quem se desindentifica. É um erro pensar que só crescemos entre iguais. Os iguais, os semelhantes, fortalecem nossos egos, mas são os diferentes que nos fazem ir além.
Assim é com leituras. É maravilhoso ler um autor com quem concordamos muito, dá vontade de saltar e beijar seu rosto, conversar sobre o tema, descobrir semelhanças de nossas leituras e sempre haverá semelhanças, sincronicidade, isso é sem dúvida excelente, um prazer, mas um desafio não é. Ficamos mais longe da problematização e nos escapam eventuais buracos e complexidades. O desafio é lermos também gente que pensa diferente, pesquisar outros princípios, ver sentidos em outros paradigmas, mesmo que o outro paradigma seja o de massa, aquele que lutamos para oxigenar. Não ficamos maiores em nossos saberes ao conhecer quem difere de nós, não crescemos em expansão, mas ficamos mais nítidos, mais vivos, mais conscientes de nossas inconsciências. Se o outro nos provoca, que interessante perceber isso em nós, que desafio entender o ponto de vista do outro, suas estratégias de sobrevivência, sua busca pelo prazer. Somente com diferentes, entre diferentes, podemos exercitar nossa capacidade crítica junto aos semelhantes e ela é fundamental para não nos encerrar em relações hipócritas e aparentemente confortáveis, costumeiramente lucrativas por meio de exercícios mentais leves e psiquicamente indolores.
Multiplicar conhecimento sobre temas que estudamos não pode se encerrar em fazer a cabeça das pessoas, do tipo quem tem cabeça feita entra para a panela e cumpre as regras da panela, quem pensa um quê de diferente sai da panela, fecha a panela, aumenta a pressão. Multiplicar conhecimento é abrir mão do ego em prol de um melhor afinamento empático, não pode ser um combate e muito menos doutrinas excludentes.
Em relacionamentos horizontais não partimos da premissa que sabemos mais, mas que podemos saber mais e entender melhor a partir do outro. Em relacionamentos verticais excluímos quem pensa diferente, quem sente diferente e damos por completo e pleno o conhecimento, que é sempre mutável, está sempre em movimento.
Em relacionamentos horizontais de propagação e troca de conhecimentos e informações, crescemos juntos em movimentos constantes, a bola não para. Em relacionamentos verticais seguramos o conhecimento e as informações entre nossos pares, não há crescimento real para todos, a bola fica parada, há um ponto final no conhecimento que passa a ser inquestionável. A arrogância toma conta dos comportamentos, perde-se a ética, inicia-se a demonização de atitudes, pessoas e objetos a partir de verdades-únicas não só fora da panela, mas especialmente dentro dela.
Quase sempre que alguém resolve promover uma das minhas oficinas, surge a dúvida sobre o perfil das participantes e uma das frases que mais ouço é: "tem essa pessoa ou esse grupo, mas elas são mãezinhas", esse último um termo designado entre as ativistas do parto e do nascimento humanizado para estereotipar mulheres que ainda não têm informações sobre os valores qualitativos e quantitativos de um parto natural, da amamentação ou da criação amorosa e respeitosa com as crianças a partir de estudos que contrariam as práticas conservadoras, adquiridas de geração para geração por meio oral e não pela leitura e interpretação reflexiva de várias linhas de pesquisa e conhecimento.
A recomendação que faço é sempre de abertura, qualquer mulher interessada no tema é bem-vinda. Não devemos nutrir preconceitos ou alimentar medos de ouvir e argumentar com as mulheres que não estão dentro dos saberes básicos sobre a humanização do parto e do nascimento. Todas as teorias e práticas de educação têm algo de bom e servem de maneira diferenciada e diversificada para melhorar o atendimento às crianças. Todas as formas de nascimento têm seu valor, é preciso ouvir e compreender aquele milionésimo de diferença que separa uma pessoa de outra, mesmo quando o milionésimo nos ilude como sendo anos luz. Quanto mais distantes nos achamos do nosso interlocutor, mais próximos estamos dele e não o contrário.
Quando fechamos a porta para quem pensa diferente, não só deixamos de multiplicar informações, como deixamos de aprender com quem sabe outras coisas que não sabemos. É muita onipotência pensar que uma "maezinha" não tem nada a acrescentar e só fará as ativistas perderem tempo e paciência, quando poderiam estar crescendo juntas. Ledo engano, panela nunca foi solução e nem multiplicadora de conhecimentos, panelas promovem sub-panelas e hipocrisias, estabelecem relações verticais, mitos e babação de ovo. No final das contas não há como oxigenar as relações, cheias de nós e cada vez com menores possibilidades para práticas horizontais de relacionamentos.
Em 2011, em uma oficina em Belo Horizonte, apareceu uma moça completamente por fora do que era humanização, ela ganhou um bolsa de uma ong e foi lá conferir o que era aquilo. Foi uma das melhores oficinas justamente pelas perguntas que ela fazia, pelas contestações. Houve um momento em que o grupo chegou a ficar "revoltado", como se ela estivesse me agredindo, mas estava ali uma pessoa deliciosa que questionava ao seu modo, com o que trazia e de maneira brilhante traduzia o pensar do status quo. O que ela exigiu de mim? Que eu desse uma aula mais profunda e foi o que ocorreu. As informações que dei a ela acabaram nutrindo as ativistas, que costumam concordar com o que eu falo, com o que eu mostro. Discordar nunca é um problema quando escolhemos troca de informações e questões, complexidades em vez de neutralizar ou desqualificar aquele que discorda de nós. Assim que para multiplicar e abrir conhecimentos que temos, precisamos sempre estudar mais, ler mais, ler o outro, trazer mais o outro para dentro de nós em vez de apenas penetrar o outro com o que temos para dar. Dar é sempre mais fácil do que receber, dar é bom para o ego, alimenta o nosso narcisismo, receber exige humildade, descer do pedestal, partir do princípio de que podemos ser sempre menores do que nos auto-julgamos.
O que é mais fácil e mais lucrativo em panelas é a agregação de semelhantes, de iguais, mas assim os pensamentos e ações congelam-se em padrões repetidos de comportamento. Se uma mulher teve uma cesariana que considera desnecessária e está fechada, enclausurada numa panela de ativistas, o que ela terá de conexão em identificação com suas semelhantes será ok, mas poderá faltar ainda a conexão com uma igual em sentimentos, em internalizações que as levaram a esse auto-engano. Assim é com a amamentação, aprendemos tanto com quem se identifica com nosso problema, como com quem se desindentifica. É um erro pensar que só crescemos entre iguais. Os iguais, os semelhantes, fortalecem nossos egos, mas são os diferentes que nos fazem ir além.
Assim é com leituras. É maravilhoso ler um autor com quem concordamos muito, dá vontade de saltar e beijar seu rosto, conversar sobre o tema, descobrir semelhanças de nossas leituras e sempre haverá semelhanças, sincronicidade, isso é sem dúvida excelente, um prazer, mas um desafio não é. Ficamos mais longe da problematização e nos escapam eventuais buracos e complexidades. O desafio é lermos também gente que pensa diferente, pesquisar outros princípios, ver sentidos em outros paradigmas, mesmo que o outro paradigma seja o de massa, aquele que lutamos para oxigenar. Não ficamos maiores em nossos saberes ao conhecer quem difere de nós, não crescemos em expansão, mas ficamos mais nítidos, mais vivos, mais conscientes de nossas inconsciências. Se o outro nos provoca, que interessante perceber isso em nós, que desafio entender o ponto de vista do outro, suas estratégias de sobrevivência, sua busca pelo prazer. Somente com diferentes, entre diferentes, podemos exercitar nossa capacidade crítica junto aos semelhantes e ela é fundamental para não nos encerrar em relações hipócritas e aparentemente confortáveis, costumeiramente lucrativas por meio de exercícios mentais leves e psiquicamente indolores.
Multiplicar conhecimento sobre temas que estudamos não pode se encerrar em fazer a cabeça das pessoas, do tipo quem tem cabeça feita entra para a panela e cumpre as regras da panela, quem pensa um quê de diferente sai da panela, fecha a panela, aumenta a pressão. Multiplicar conhecimento é abrir mão do ego em prol de um melhor afinamento empático, não pode ser um combate e muito menos doutrinas excludentes.
Em relacionamentos horizontais não partimos da premissa que sabemos mais, mas que podemos saber mais e entender melhor a partir do outro. Em relacionamentos verticais excluímos quem pensa diferente, quem sente diferente e damos por completo e pleno o conhecimento, que é sempre mutável, está sempre em movimento.
Em relacionamentos horizontais de propagação e troca de conhecimentos e informações, crescemos juntos em movimentos constantes, a bola não para. Em relacionamentos verticais seguramos o conhecimento e as informações entre nossos pares, não há crescimento real para todos, a bola fica parada, há um ponto final no conhecimento que passa a ser inquestionável. A arrogância toma conta dos comportamentos, perde-se a ética, inicia-se a demonização de atitudes, pessoas e objetos a partir de verdades-únicas não só fora da panela, mas especialmente dentro dela.
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