quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Os cartões mais bizarros da década de 1970

Cláudia Rodrigues

Na década de 1970 era comum receber e enviar cartões de Natal para os amigos distantes e até mesmo para a cidade em que se vivia. Na minha casa recebíamos e enviávamos uma pilha gigantesca de cartões. Os N/C, nesta cidade, eram poucos, para outras cidades e estados ia a pilha maior e alguns, bem poucos, para fora do país.

Minha mãe ficava enlouquecida logo no início de dezembro com a tarefa. Juntava todos do ano anterior e começava a saga, com minha ajuda. Eu amava a tarefa. Ela ficava com a parte dos envelopes, Ilmo, Exmo, que eu nunca sabia fazer porque eram sempre muitos Ilmos e raros os Exmos e ela definitivamente não entendia o que era excelentíssimo para mim, os amigos mais próximos, lógico. Havia toda uma explicação para isso que eu me recusava a entender e obedecer, ficava mais complicado quando a pessoa era um padre, então eu ficava com o preenchimento interno, o que para mim era perfeito.

Pela pressa e senso prático, a mãe nunca chegava ler as barbaridades melodramáticas que eu escrevia, só me orientava que eu lesse as mensagens do ano anterior e não me prolongasse. Eu cumpria a missão de ler atentamente os cartões do ano anterior, mas me jogava no excesso absoluto de palavras, com o esmero possível a uma pessoa com 10 anos de idade.

Romântica, me deixava levar pelas gravuras de renas, papais noéis e lindas figuras nevadas e mandava ver nos textos espichados. Com letras apertadinhas, vazava minha alma infantil para fazer caber as palavras meladas, às vezes em rima, até o último pedacinho de papel. Isso piorava muito quando eu conhecia bem de perto os pobres destinatários e nutria por eles saudade e vontade de revê-los.

A mãe falava para eu não ser pessoal, só formal, então eu jogava uns termos que julgava formais, misturando-os aos meus sentimentos. Ficava algo mais ou menos assim: " Prezados amigos queridos que tanto amamos, nesse ano vindouro desejamos os melhores votos de prosperidade, que possamos nos encontrar, mas mesmo que não seja possível, que ainda assim o ano de vocês seja lindo, mas tomara que dê, assim será maravilhoso porque maravilhoso é melhor do que lindo e todos merecemos um ano maravilho. Viva, que seja um ano maravilhoso!"

A ida ao correio era outro passeio adorável. Havia uma cola que ficava dentro de um pote que precisava ser girado e quanto mais girado, mais cola. Era uma delícia ficar ali brincando na meleca enquanto minha mãe fritava na fila. Eu alcançava os cartões de 5 em 5, para acalmá-la, sempre torcendo para que a fila andasse bem devagar, assim eu desfrutava de mais tempo na melequeira e escolhia o ângulo mais bonito para os selos. Os selos de Natal eram sempre mais legais do que os selos das outras épocas do ano porque nunca eram fotos de homens com cara de importância, mas cenas natalinas bem pequetuchas.

A primeira fase da tarefa, por ser maior, me custava menos palavras a cada cartão, mas eu gostava mais e não entendia o ufa da minha mãe na segunda leva. Os novos cartões, aqueles que chegavam pela primeira vez já em cima do Natal e então precisavam ser retribuídos. Ela reclamava, "ah sempre tem que fazer isso, sempre tem os que ficam fora da lista, ah se eu pudesse adivinhar!"

E justamente eu amava infinitamente mais a segunda leva, sentia um prazer especial porque eram no máximo 10 cartões, então era a hora e a vez de soltar a franga natalina num palavrório que ao meu ver era ainda mais sofisticado e caprichado.

Sempre começavam com um "Agradecemos e retribuímos os votos de Feliz Natal e desejamos um Ano Novo repleto de..." E eu viajava total, a mãe me apressando, "anda logo guria, é só um cartão de Natal, ando logo que precisamos ir ao correio..."

Hoje acordei rindo ao lembrar disso e fiquei cá imaginando o que pensavam os adultos que liam aquelas coisas todas sem pé nem cabeça que eu escrevia.











Bem, ainda continuo achando que os anos maravilhosos são os de grandes encontros. A todos vocês, grandes encontros em 2015

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