quinta-feira, 8 de março de 2018

Meninas que correm de lobos

Cláudia Rodrigues, 8 de março de 2018

Chapeuzinho vermelho ainda era uma garotinha quando decidiu que estava pronta para ir à floresta. A mãe dela não era do tipo tão melecão; cuidava, dava comida, supervisionava com atenção, mas sem ficar grudada. Além disso não exigia o mais alto padrão de desempenho escolar que não fosse exatamente do tamanho que Chapeuzinho conseguisse por si mesma. A Sra Vermelho era amável e cuidadosa, mas bem livre ela mesma e ocupada de sua vida. Trabalhava, estudava, se divertia com amigos e amigas, assim que orientava e amava a menina, mas acima de tudo confiava na capacidade dela de ser boa o bastante a partir de suas próprias forças. Dona Vermelho brilhava os olhos ao ver sua menina lutando e se divertindo na justa medida que pudesse. E desde o primeiro olhar, ainda no colo, sempre acreditara no poder e na habilidade de Chapéu para dar conta de alguns problemas como frustrações, tristeza, raiva e outros sentimentos não tão bons, com economia de energia, sem muito drama, muita culpa ou muito medo.
Dona Vermelho, além de confiar, adorava a liberdade e compartilhava com a menina.
Assim, no dia em que Chapéu pediu para ir sozinha à casa da avó, a mãe sentou com ela para falar dos dois caminhos, o da floresta e o do bosque, recomendando o bosque, por ser mais aberto e com um banquinho branco e confortável para descansar no meio do caminho, debaixo de uma linda cerejeira.
A Floresta, explicou a mãe, é mais sombria, as árvores são mais altas, há grandes animais, mamíferos, carnívoros e a noite pode ser assustadora.
Chapéu decidiu já secretamente enquanto a mãe palestrava em wiskas sachê, que economizaria o tempo no banquinho branco do bosque e arriscaria a floresta e seus mistérios, assim daria tempo de chegar à casa da avó antes do anoitecer.
Dona vermelho preparou um lanche para Chapéu, enquanto a menina enchia a mochila de utilidades: lanterna, canivete, água, bloco e caneta, que era o equivalente da época aos celulares de hoje.
A avó não estava doente, que sandice! Vovó Vermelho estava muito bem, cuidando da horta, dos animais, lendo, cozinhando, estudando os astros, costurando e estava muito feliz que a neta iria dormir de sábado para domingo com ela.
Um pouco antes do final da tarde Vovó Vermelho saiu de casa com seu cajado duro, de pura embúia, para encontrar a neta. Ao lado dela estava o grande cão Babu, mamífero imenso, ao mesmo tempo doce e feroz. Adiante a porteira do Sr Vivaldino e a natureza imensa, o casal de Tahãs, as emas, as saracuras, os jacarés, javalis e logo adiante, chegando valente com sua mochila vermelha, vinha a pequena notável: Chapeuzinho Vermelho.
A avó sorriu e abraçou a menina. Nesse primeiro momento só falaram de alegrias e depois, sentadas à lareira comendo milho assado, falaram sobre os lobos.
São animais que se assustam com o brilho de uma lanterna, vovó! Joguei uma pedra em um, ele saiu ganindo, gabou-se a menina.
Hummm, murmurou a avó, não é bem assim, minha querida, ouça bem, os piores lobos são os com pele de cordeiro. Esses que saem ganindo são os mais violentos, mas também os menos inteligentes. São capazes de comer de barriga cheia até explodirem, não merecem nem pedra, nem lanterna, nosso dever é eliminá-los ao primeiro olhar. Com força, com poder, acesso blindado.
Os lobos em pele de cordeiro, ah minha neta, esses são mais difíceis de identificar. São mimosos, carinhosos, te conquistam para perto, te deixam segura que não vão te machucar, parecem mesmo te amar e de repente jogam longe a pele de cordeiro e te engolem inteira, com ideias com tudo.
A menina, de olhos imensos e arregalados, perguntou: Vovó,  existe algum lobo bonzinho?
Vovó Vermelho se aproximou do fogo devagar, soprou a brasa e as chamas brilharam incandescentes. Só então falou: Netinha, querida, infelizmente não, mas podem ser domesticados, embora sempre haverá risco de fúrias, é da natureza deles.
Hummm, vovó, mas ainda bem que temos o gato Chucrute, as cabras, macacos e outros bichos mais dóceis, não é mesmo?
Ah sim, minha netinha, existem os cavalos, os gansos, os patos, os elefantes, rinocerontes, porcos, urubus, todos mais inofensivos do que os lobos. E também existem os tigres, leões...
A menina interrompeu a avó: E os dragões, os dragões!
Os dragões não existem, minha netinha, eles são inventados, uma marqueteria. Não se sabe exatamente como podem ser tão imponentes e poderosos, ganhar de todos os outros animais se nem são o que são a não ser na imaginação. E depois ficaram as duas olhando o fogo e esperando a comida ficar pronta.
Chapéu dormiu feliz depois do jantar e na manhã seguinte tomou banho na cachoeira, almoçou com a avó e partiu de volta para casa.
No caminho sentia os lobos que não valem uma lanterna espreitando-a, mas eliminou-os do caminho como a avó havia ensinado.
Quando chegou em casa o pai estava esperando com uma surpresa: um cavalo!
Chapéu se aproximou do alazão, fez um carinho em sua cabeça, montou e saiu no trote, os cabelos voando, as pernas seguras no lombo do bicho, o ar soprando em seu rosto, as rédeas firmes nas mãos, os braços flutuando e os olhos lá longe na vastidão do horizonte.

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