MÍDIA & MULHER
Por Cláudia Rodrigues em 5/4/2005
Mães, essas afortunadas
Se o jornal O Estado de S. Paulo, em 26 de março, deu espaço ao artigo do jurista Miguel Reale, que cultivou em espichadas palavras a saudade dos tempos em que o papel mais importante da mulher era o de mãe, a Folha de S. Paulo no mesmo dia publicava matéria sob o título "O último alemão", tratando aí justamente de um movimento subcontrário. A Alemanha está com a taxa de natalidade baixíssima devido à resistência das mulheres em colocar crianças no mundo em um Estado em que a pressão social sobre a maternidade é tão grande que mulheres são chamadas de "mães-corvo" quando deixam os filhos pequenos o dia inteiro numa creche. O modelo ideal para conciliar filhos e vida profissional viria então de um extremo oposto: dos Estados Unidos, onde amamentar em público já é um ato que causa repugnância e o parto natural é considerado pré-histórico, tamanha a independência, dos filhos-bebês, alcançada pelas mulheres. É bom lembrar que nós, brasileiras pobres, ricas ou remediadas, sofremos uma influência muito mais forte do modelo norte-americano do que do europeu. E isso é transparente nas revistas "especializadas", de mamãe-bebês. Sim, é preciso repensar o momento com muito cuidado para não cairmos no discurso feminista da década de 80, que trouxe tanto aprendizado para homens e mulheres quanto sofrimento e desamparo para as crianças. De resultado estamos recebendo uma escola, pública ou privada, sobrecarregada por certos papéis que ninguém mais sabe de quem são; hospitais e clínicas pediátricas estão abarrotados de sintomas emocionais mascarados por somatizações que não respondem a medicamentos para acalmar ou acelerar as crianças. Nunca se utilizou tanto remédio psiquiátrico em criança quanto hoje, nunca tanto dinheiro forneceu tanta comida de má qualidade como a que consomem nossas crianças hoje, pobres, ricas ou de classe média. Tudo isso muito mal coberto pela mídia, ou quem sabe poderíamos denominar como "acobertado".
Culpa atenuada
E se as madames não cuidam dos filhos em nome do salão e da vaidade, as faveladas vivem entre a cruz e a espada subindo e descendo morros, se virando em vinte para arranjar uma papa com um pouco mais de substância; as mães de classe média andam anestesiadas por esses tempos duros em que os filhos são como troféus culturais. São também elas, as de classe média, que abastecem matérias da chamada mídia feminina, reforçadora do papel da supermulher da década de 80, agora em versão "nem eu nem ele, já basta a louça; as crianças que se virem". Nenhuma criatura humana precisa, necessariamente, formar família para se realizar, talvez não deva, não tenha que, e esta sim é uma questão que precisa ser discutida por nossa mídia, que insiste no modelo absurdo de que tudo é possível ao mesmo tempo e com toda a intensidade. É óbvio que homens e mulheres se sentem realizados por trabalhar, o trabalho é como um vício em nossa vida adulta; quando trabalhamos no que gostamos perdemos a noção do tempo e somos capazes, por estarmos longe, de esquecer que em casa há um ser humano em fase de simbiose e diferenciação, processo que exige presença materna em quantidade. Aí entraria a questão do quanto trabalhar, do quanto ganhar, do fazer carreira ou levar mais devagar por algum tempo. E esse trabalho as revistas e suplementos femininos não fazem direito, atenuando muito bem a culpa das mães culturais, que são seres cada vez menos conscientes e menos politizados diante de uma maternidade mercantilizada pelos meios de comunicação em nítido conchavo com um Estado que também ignora as necessidades e os problemas infantis iminentes.
Tarefa urgente
Mas tem algo emergente e injusto que pode ser resolvido em casa, está bem longe dos discursos feministas antiquados e afeta o desenvolvimento das crianças muito pequenas como um todo: ter pai e mãe, desde poucos meses de vida, ausentes 12 horas por dia. Essa informação, sempre no pano de fundo das queixas feministas, incomoda principalmente à classe média, a mais afastada dos filhos: e toma-lhe a criança para a creche doze horas, dá-lhe babá, coisas, comidas e penduricalhos. É uma ilusão achar que a realidade de uma criança rica criada assim é melhor do a de uma pobre. Os sintomas da carência são os mesmos, apenas a aparência difere num primeiro momento. As revistas e suplementos femininos não encaram esse dolorido problema infantil porque é incômodo ao Estado, às empresas e a uma sociedade que quer abraçar o sol sem se queimar. A falta de convívio entre pais e filhos não causa só obesidade, tema em moda na mídia, mas depressão e certas anomalias menores, como chegar aos 12 anos sem saber como se troca uma lâmpada ou se prepara um arroz. O convívio com os filhos é que precisa ser resgatado e é vergonhoso para nós, mulheres e homens, ficarmos insistindo nessa tecla dos direitos iguais aos dos homens, na eterna e ríspida divisão idêntica de tarefas, enquanto as crianças pairam largadas. Algum dos genitores precisa dar atenção diária aos filhos em qualidade e quantidade. Qualquer um deles! Nos primeiros meses o que tem peitos para aleitar seria recomendável. Não há o que discutir, não há o que resolver em termos feministas nesse lado do globo; as crianças precisam de adultos formadores de caráter, que transmitam noções éticas, dêem exemplos, façam atividades juntos, seja a comida ou a troca de pneu, o plantio da muda ou os primeiros passos no computador. Não importa se são criadas por um homem e uma mulher, dois homens ou duas mulheres; precisamos crescer longe da competição e da comparação para orientar as crianças.
Cobrar do Estado é coisa que não se faz, mas deveria ser feita pelos cidadãos que são pais e pela mídia que acoberta um sistema familiar moderno que já nasceu falido. Tirando o período de amamentação, que nos seres humanos se prolonga por até cerca de dois anos, tanto faz se vai ser pai ou mãe quem vai estar mais presente, se em um ano as crianças vão contar com maior apoio de um do que de outro, ocasionalmente mais absorvido pela vida de adulto profissional. O que não dá é para continuar na competição, o que passa a ser intolerável é continuar ouvindo que mulher na cozinha é mulher no lugar errado. Já formamos uma geração de incompetentes que acha que leite nasce em caixa e inteligência é qualquer coisa que varia entre terninho, silicone e óculos de aro grosso. Precisamos com urgência humanizar as matérias, os textos e as críticas.
Se o jornal O Estado de S. Paulo, em 26 de março, deu espaço ao artigo do jurista Miguel Reale, que cultivou em espichadas palavras a saudade dos tempos em que o papel mais importante da mulher era o de mãe, a Folha de S. Paulo no mesmo dia publicava matéria sob o título "O último alemão", tratando aí justamente de um movimento subcontrário. A Alemanha está com a taxa de natalidade baixíssima devido à resistência das mulheres em colocar crianças no mundo em um Estado em que a pressão social sobre a maternidade é tão grande que mulheres são chamadas de "mães-corvo" quando deixam os filhos pequenos o dia inteiro numa creche. O modelo ideal para conciliar filhos e vida profissional viria então de um extremo oposto: dos Estados Unidos, onde amamentar em público já é um ato que causa repugnância e o parto natural é considerado pré-histórico, tamanha a independência, dos filhos-bebês, alcançada pelas mulheres. É bom lembrar que nós, brasileiras pobres, ricas ou remediadas, sofremos uma influência muito mais forte do modelo norte-americano do que do europeu. E isso é transparente nas revistas "especializadas", de mamãe-bebês. Sim, é preciso repensar o momento com muito cuidado para não cairmos no discurso feminista da década de 80, que trouxe tanto aprendizado para homens e mulheres quanto sofrimento e desamparo para as crianças. De resultado estamos recebendo uma escola, pública ou privada, sobrecarregada por certos papéis que ninguém mais sabe de quem são; hospitais e clínicas pediátricas estão abarrotados de sintomas emocionais mascarados por somatizações que não respondem a medicamentos para acalmar ou acelerar as crianças. Nunca se utilizou tanto remédio psiquiátrico em criança quanto hoje, nunca tanto dinheiro forneceu tanta comida de má qualidade como a que consomem nossas crianças hoje, pobres, ricas ou de classe média. Tudo isso muito mal coberto pela mídia, ou quem sabe poderíamos denominar como "acobertado".
Culpa atenuada
E se as madames não cuidam dos filhos em nome do salão e da vaidade, as faveladas vivem entre a cruz e a espada subindo e descendo morros, se virando em vinte para arranjar uma papa com um pouco mais de substância; as mães de classe média andam anestesiadas por esses tempos duros em que os filhos são como troféus culturais. São também elas, as de classe média, que abastecem matérias da chamada mídia feminina, reforçadora do papel da supermulher da década de 80, agora em versão "nem eu nem ele, já basta a louça; as crianças que se virem". Nenhuma criatura humana precisa, necessariamente, formar família para se realizar, talvez não deva, não tenha que, e esta sim é uma questão que precisa ser discutida por nossa mídia, que insiste no modelo absurdo de que tudo é possível ao mesmo tempo e com toda a intensidade. É óbvio que homens e mulheres se sentem realizados por trabalhar, o trabalho é como um vício em nossa vida adulta; quando trabalhamos no que gostamos perdemos a noção do tempo e somos capazes, por estarmos longe, de esquecer que em casa há um ser humano em fase de simbiose e diferenciação, processo que exige presença materna em quantidade. Aí entraria a questão do quanto trabalhar, do quanto ganhar, do fazer carreira ou levar mais devagar por algum tempo. E esse trabalho as revistas e suplementos femininos não fazem direito, atenuando muito bem a culpa das mães culturais, que são seres cada vez menos conscientes e menos politizados diante de uma maternidade mercantilizada pelos meios de comunicação em nítido conchavo com um Estado que também ignora as necessidades e os problemas infantis iminentes.
Tarefa urgente
Mas tem algo emergente e injusto que pode ser resolvido em casa, está bem longe dos discursos feministas antiquados e afeta o desenvolvimento das crianças muito pequenas como um todo: ter pai e mãe, desde poucos meses de vida, ausentes 12 horas por dia. Essa informação, sempre no pano de fundo das queixas feministas, incomoda principalmente à classe média, a mais afastada dos filhos: e toma-lhe a criança para a creche doze horas, dá-lhe babá, coisas, comidas e penduricalhos. É uma ilusão achar que a realidade de uma criança rica criada assim é melhor do a de uma pobre. Os sintomas da carência são os mesmos, apenas a aparência difere num primeiro momento. As revistas e suplementos femininos não encaram esse dolorido problema infantil porque é incômodo ao Estado, às empresas e a uma sociedade que quer abraçar o sol sem se queimar. A falta de convívio entre pais e filhos não causa só obesidade, tema em moda na mídia, mas depressão e certas anomalias menores, como chegar aos 12 anos sem saber como se troca uma lâmpada ou se prepara um arroz. O convívio com os filhos é que precisa ser resgatado e é vergonhoso para nós, mulheres e homens, ficarmos insistindo nessa tecla dos direitos iguais aos dos homens, na eterna e ríspida divisão idêntica de tarefas, enquanto as crianças pairam largadas. Algum dos genitores precisa dar atenção diária aos filhos em qualidade e quantidade. Qualquer um deles! Nos primeiros meses o que tem peitos para aleitar seria recomendável. Não há o que discutir, não há o que resolver em termos feministas nesse lado do globo; as crianças precisam de adultos formadores de caráter, que transmitam noções éticas, dêem exemplos, façam atividades juntos, seja a comida ou a troca de pneu, o plantio da muda ou os primeiros passos no computador. Não importa se são criadas por um homem e uma mulher, dois homens ou duas mulheres; precisamos crescer longe da competição e da comparação para orientar as crianças.
Cobrar do Estado é coisa que não se faz, mas deveria ser feita pelos cidadãos que são pais e pela mídia que acoberta um sistema familiar moderno que já nasceu falido. Tirando o período de amamentação, que nos seres humanos se prolonga por até cerca de dois anos, tanto faz se vai ser pai ou mãe quem vai estar mais presente, se em um ano as crianças vão contar com maior apoio de um do que de outro, ocasionalmente mais absorvido pela vida de adulto profissional. O que não dá é para continuar na competição, o que passa a ser intolerável é continuar ouvindo que mulher na cozinha é mulher no lugar errado. Já formamos uma geração de incompetentes que acha que leite nasce em caixa e inteligência é qualquer coisa que varia entre terninho, silicone e óculos de aro grosso. Precisamos com urgência humanizar as matérias, os textos e as críticas.
suspiros...
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