quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O dia em que duas índias nuas viraram lésbicas

Cláudia Rodrigues






Ideia alugada é o nome que se dá a algum conceito que as pessoas acham bacana, moderno, bonito e saem pregando sem qualquer coerência real, sem entendimento de fato. Muito comum no mundo virtual, é a famosa e antiga distância entre a teoria e a prática, entre a notícia, o conhecimento sobre um assunto e a consciência ativa sobre ele.
Na ponta da faca um vegetariano, pessoa preocupada em não consumir carne e que vive pregando o vegetarianismo como fonte de alimentação mais adequada, mais equilibrada e mais saudável, não poderia beber coca-cola. Errado. Coca-cola não é um produto animal. Nem miojo, assim que vegetarianos atuais, ultramodernos, muitas vezes comem muito mal e acabam tendo uma alimentação deficiente. Não pela falta de carne, mas pelo excesso de porcarias, não necessariamente vegetais.

Ideia de aluguel é assim, longe da raiz. O vegetarianismo foi originalmente o meio de alimentação natural dos seres humanos por medo dos predadores, não por piedade. Uma vez dominados os animais passamos a comê-los e entre novas doenças e capacidades adquiridas, nos adaptamos. Pitágoras, que viveu no auge da carne, foi um vegetariano convicto, defendia a ideia da pureza via alimentação, comer o semelhante seria uma forma de canibalismo, mas antes dele os hindus já recomendavam a dieta vegetariana, que traria mais paz e equilíbrio aos nossos sentimentos hostis. A dieta vegetariana em sua origem oriental e ocidental baseava-se em uma preocupação com a saúde e bem-estar de todos os animais, inclusive dos humanos.

Crenças, purismos e agressividades à parte, os vegetarianos atuais, que se entopem de açúcar e sal estão longe de compreender e praticar uma dieta saudável quando consomem tantas porcarias da indústria de alimentos. Gordura vegetal hidrogenada não mata animais, mas consome a vida dos humanos. Comer quilos de vegetais pulverizados com agrotóxicos é no final das contas como comer um boi por ano. O que fazer com todos os bois, vacas, porcos e galinhas do planeta é uma questão a ser pensada. Simplesmente se todos os humanos da Terra resolverem parar de comer animais certamente não haverá solo para cultivar qualquer planta. Nos sobrará como alimento terra pisoteada e muita bosta.  
O exemplo acima não é uma crítica à dieta vegetariana, pela qual tenho grande apreço. Usei apenas para levantar esse questionamento sobre as margens dos processos ou os processos nas margens, a falta de entendimento minimamente profundo que nosso viver acelerado vem causando. Cada bandeira levantada traz no seu mastro uma centena de questões e isso sim se poderia chamar de diversidade. Diversidade de problemas, diversidade de estudos necessários para problemas acumulados não resolvidos, mal resolvidos e mais todos os que continuamos a fabricar ininterruptamente.
Na educação, entre brigas dos pelas palmadas e dos contra as palmadas, sobram contradições, de novo por falta de entendimento e compreensão da diversidade de problemas antigos e novos que acumulamos a respeito das crianças inseridas em nossas vidas de adultos. Os a favor das palmadas entendem que a criança precisa de limites, sossegar, aprender a se frustrar, a lidar com perdas e com nãos, a respeitar os mais velhos. Ignorando a capacidade de relacionamento com as crianças, não enxergam outras maneiras de educar, orientar sem usar a força, sem apelar para a violência. São os conservadores sem dúvida, os repetidores, acham que não se deve mexer no que seus pais e avós fizeram.
Do outro lado revoltam-se violentamente contra os primeiros, os que são contra as palmadas, caindo enlouquecidamente em atender todas as vontades das crianças, não sendo raro que atitudes amolecidas causem efeito contrário: crianças mimadas, violentas, minadas de ódio por não terem na voz dos pais, um porto seguro de condução para seguir com tranquilidade. Já tem adulto com medo de criança, correndo para o quarto se esconder diante de um ataque de birra. Gente adulta que não consegue dizer não sem culpa, gente que vê na palavra não uma castração estapafúrdia causadora de trauma. Repressão do adulto causa culpa no oprimido, o adulto culpado por antecipação acarreta um sobrepeso de responsabilidade nas coitadas das crianças. O que será que tem no meio disso?

Falta estudar mais sobre educação, sobre processos infantis, sobre fases de desenvolvimento, sobre como um adulto pode e deve ser tão inteligente quanto uma criança a ponto de em vez de competir com ela, saber orientá-la, acompanha-la em suas conquistas, mostrar o que sim e o que não, nem sempre explicando razões ou explicando razões de acordo com a idade, o que exige entendimento das capacidades gerais das crianças em cada fase, algo universal que independe da cultura, mas tem sido mal manejado por nossa cultura exigente, egocêntrica e competitiva. Adultos que se deixam manipular por crianças em nome da não violência tendem a cair em um espectro sombrio da educação. Tão ou mais sombrio do que aqueles que batem; no melhor estilo outro lado da moeda.
E de repente tudo fica muito cansativo e chega a turma do deixa disso, do cada um com seu cada um e aí mesmo que a coisa fica estagnada de vez. Lá vão todos malhar os músculos, agitarem-se na fazeção. Bem que poderia chegar a moda da malhação de cérebro, incansáveis cérebros em debate- não em briga- para aprofundar conhecimentos em vez de buscar receitas prontas via dicotomias e pesquisites. Aliás, a moda da pesquisa para defender ideias antagônicas só incita a guerrilha entre posições opostas tirando o foco do bem comum, daquilo que poderia se tornar maior e mais pleno, mais genuinamente prazeroso, criativo e singular.
Assim está o Brasil a favor e contra os médicos cubanos. Os do contra confundem as bolas todas da vez em um discurso cansativo e ignorante. Ontem mesmo li um comentário de uma médica contra a vinda dos cubanos, ela estava preocupada com a falta de treinamento desses médicos para doenças tropicais. Estudou tudo, só faltaram noções básicas de geografia! Os a favor mitificam os médicos que se propuseram a entrar nessa aventura emergencial de política pública de saúde no Brasil, como se fossem os cubanos reis dos índices de saúde pública em Cuba e sozinhos pudessem aqui virar transportadores esotéricos das conquistas de um país que apostou em saúde e educação historicamente em um processo que entre algumas perdas e alguns danos, foi de consciência coletiva. Aqui vai ser outra coisa, não tem como transferir uma história inteira de um país para outro. Aqui é algo que ninguém tem como saber no que vai dar, mas tudo indica que um pouco vai melhorar porque pior do que está não há de ficar. Afinal faltam médico brasileiros para essas vagas. Sim, porque há perdas de direitos trabalhistas no país, isso é sério, isso precisa ser tratado e visto não como perda de privilégios, mas óbvio que a coisa toda é muito mais complexa e emergencial. Se formos comparar as perdas trabalhistas de todas as profissões, lá  viriam muitos outros mastros de bandeiras repletos de razões e as da medicina nem seriam prioridade.

Deixo aqui um dialogo que ocorreu numa turma de quinto ano do ensino fundamental, um exemplo de como estamos mundialmente no quinto ano ainda, sem compreender o que são os conceitos, de onde nascem, como se constroem e se deformam diante da velocidade das informações, essa pá de cal sobre o conhecimento.

A menina desenhou em uma tarefa da escola os índios antes da chegada dos homens brancos.
Ela pintou mulheres e homens nus e duas índias apareciam de frente uma para outra, bem próximas.
Um colega olhou bem e exclamou: “nossa, mas tu desenhou duas lésbicas, quero só ver o que a professora vai dizer”!
A menina retrucou: “olha, são duas índias conversando, nem sei se são lésbicas ou não, mas isso seria preconceito, mesmo que naquela época já existissem lésbicas!"

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