domingo, 9 de agosto de 2009

MÍDIA E FEMINISMO Tudo em nome do mercado

Por Cláudia Rodrigues em 17/4/2007
Como tudo, exatamente tudo, o feminismo serviu ao mercado e a mídia é o mercado da informação. Bebês são abandonados em lixões, em terrenos baldios, e agora a nova onda, que aperta e acelera: esquecidos em automóveis. A imprensa o que faz? Dá a notícia como a coisa mais natural do mundo, promove pesquisas para que os internautas opinem, julguem, clamem pelo amor de Deus, digam que é coisa do diabo. Nada de conhecimento e reflexão, nada de questionamentos e debates que levem os leitores a entender, de fato, o que está acontecendo. Quando resolve abordar um ladinho diferente, a imprensa cai nas entrevistas com religiosos e psicólogos de plantão, achando que assim aborda o minimamente humano. Mas não aborda, não sai das bordas. As mulheres ganharam pouco com o feminismo, não foi uma revolução justa para as mulheres; o saldo negativo como o de não acompanhar de perto o desenvolvimento dos filhos, especialmente os bebês, trouxe como direitos a garimpação de um rol de vaidades que inclui, inclusive, a colocação de silicone ou retirada de parte dos seios – dependendo da onda vigente do mercado médico de plásticas –, antes que tenham exercido a funçaõ fisiológica de amamentar. O feminismo trouxe jornada dupla, mulheres histéricas, estressadas e revoltadas com as coisas do lar, incluindo aí filhos, que contam com pouco espaço na vida de suas mães, hoje coisificados pela atribulação de seus genitores, por sua vez escravos do mercado.  
Confinadas à vida doméstica?

A mídia endeusa o papel de mãe, passa a mão na cabeça das mulheres, coloca a creche como o lugar ideal para depositarmos nossos bebês de quatro meses, ignora completamente o desenvolvimento psicológico, motor e cortical dos bebês. Tudo em nome do mercado, o mercado de fraldas, mamadeiras, leites, roupas, chupetas, adereços. Não tardará a invenção de um dispositivo de pulso para evitar o esquecimento de bebês em automóveis, desde que ninguém toque na ferida antropológica que tem tudo a ver com um novo paradigma econômico, ecológico, social e ambiental. O que o feminismo e a mídia juntos fizeram pela maternidade é coisa de cachorro louco. Passaram e passam por cima de algo que pode ser opcional: a maternidade. Dá para ser mulher sem ser mãe, mas não dá para terceirizar a maternidade e é isso, exatamente isso, o que está acontecendo: a terceirização da maternidade em tempo integral. Ah, mas o que estou dizendo? Então as mulheres que optam por ser mães não podem mais trabalhar, devem ficar confinadas à vida doméstica como no início do século passado?  
 
Óbvio que não, mas não devemos fechar os olhos para as aberrações que estão acontecendo, para essas mães culturais que a mídia ajuda a fabricar. Mulheres que nunca sonharam em criar e educar crianças, que não têm o menor interesse em conviver com crianças, tornam-se mães. Depois se desesperam, não sabem o que fazer com os bebês, não suportam conviver com crianças, fogem de casa como o diabo da cruz, acham um saco parir, amamentar, cozinhar, cuidar, ler histórias, trocar fraldas, acompanhar o crescimento, as fases, o desenvolvimento. Isso piora bastante quando se tem dinheiro para comprar a felicidade exposta nos shoppings, nos remédios de última geração, nos consultórios médicos, na troca de escolas. Criamos monstrengos sem limites, incapazes de lidar com frustrações, vítimas da falta de amor genuíno, drogados, destemperados e toda a sorte de sintomas que surgem em adolescentes mal-acompanhados por seus pais e mães desde que nasceram. Enquanto o feminismo fazia sua lição de casa incorporando ao mercado as tecelãs, as faveladas, a coisa andava em ritmo lento. Mas o abandono de crianças, vitimadas por incêndios e outras fatalidades em lares pobres, agora ganha proporções gigantescas por conta de um mercado cego para os valores humanos, as necessidades humanas, os direitos humanos. Caberia à mídia, em vez de passar a mão na cabeça das mães culturais e de promover a maternidade para toda e qualquer mulher, esclarecer as necessidades reais de um bebê, a situação real de uma gravidez, a importância da figura materna e da função materna em cada fase do desenvolvimento infantil. Muitas mulheres desistiriam de ter filhos se tomassem consciência da responsabilidade dessa função, que não deveria ser terceirizada do jeito que está sendo. Lugar de recém-nascido é no peito da mãe – e não é uma foto poética, às vezes até dói, exige disponibilidade física e emocional e até uma certa paixão pelo ato. Bebês de menos de um ano, quando depositados por doze horas em ambientes institucionais, por mais belos e caros que sejam, desenvolvem problemas semelhantes aos dos bebês que vivem em orfanatos.

Não se aplica a bebês o discurso da qualidade do tempo, que pode ser prescrito, não sem um esforço mínimo, em crianças maiores, que já suportam psicologicamente a separação da mãe como algo natural por serem capazes de compreender corticalmente o fato. Bebês vivem até os três meses uma relação absolutamente simbiótica com suas mães, despertam para a separação por volta dos seis meses, vivem uma crise de diferenciação por volta dos oito, passam por adaptações de subdiferenciação até os dois anos e somente a partir daí são capazes de entender de maneira saudável, do ponto de vista psíquico, um afastamento de dois dias, por exemplo. Isso não é brincadeira, creche não dá conta disso e não adianta areia colorida, professora boazinha, turmas pequenas. Para bebês de até dois anos, oito horas longe da mãe é um sacrifício para o qual seus corpos e córtex não estão preparados, embora eles sejam capazes de sobreviver a isso e até a violências maiores, como podemos atestar diariamente. Aos três anos, quando a criança entra no período de socialização, a mãe teria uma folga para voltar ao trabalho. Doze horas longe? Isso seria demais.

Para a mulher que busca fazer carreira com exigências máximas e ainda manter-se ocupada por longas horas em academias de ginástica, salões de beleza, jantares, vida social atribulada e congressos, definitivamente a maternidade não é aconselhável, a menos que disponha de três anos em marcha mais lenta, cinco anos em ritmo levemente mais acelerado, dez anos de corpo ligado na missão, 15 anos na checagem mínima, que inclui tempo para um cinema, um lanche, tempo para conversas e debates, esclarecimentos éticos... A maternidade é, para sempre, um valor agregado na vida da mulher que a mídia teima em seguir mitificando, fazendo de conta que não vê, resolvendo com entrevistas sobre remédios para hiperatividade, remédios para depressão infantil e juvenil; todo tipo de aberração que o feminismo ou o que o mercado do feminismo – a releitura superficial do feminismo – produziu.

2 comentários:

  1. MM, sempre a favor dos direitos e bem estar do bebe. Congrats, excelente texto.

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  2. oi, Cláudia,
    Descobri seu blog ontem, no blog da dra. Carla e estou lendo os posts aos poucos. Esse texto é maravilhoso, como vários outros aqui; como diz um amigo meu: de aplaudir de pé como na ópera :). Verdade seja dita que depois que terminei de ler me deu um pouco de medo de ser mãe, rs, mesmo tendo tudo a ver com o que penso.

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