Cláudia Rodrigues*
Faz duas semanas que uma mulher de 25 anos deixou o filho de 1 ano e 3 meses dormindo no carro num estacionamento enquanto assistia a um show. O bebê foi encontrado por um guarda e encaminhado a uma instituição; a mãe foi presa, na prisão sofreu violência e agora está numa UTI, em estado grave. A notícia é factual, aconteceu e pronto, as medidas tomadas pela Justiça não são passíveis de reflexão ou qualquer questionamento por parte da mídia. A moral católica do brasileiro médio permite um certo espanto, e diante do fato a atitude esperada e "bombada" pela mídia é a de repugnância, rejeição à mãe que abandona. Fica tudo resolvido, a criança afinal sem a única mãe que tinha e a mãe, severamente punida, talvez com a morte. Milhares de terapeutas ocupacionais, psicólogos, antropólogos e assistentes sociais são formados anualmente no Brasil e ficam desempregados, fazendo bico, atendendo às necessidades das classes média e alta ou enfiados em departamentos dando conta de burocracia. Enquanto a medicina preventiva avança em tecnologia, vitaminas e até cirurgias plásticas, a sociologia preventiva ou recuperadora sequer existe. Nas áreas humanas estamos defasados 100 anos; presídios e manicômios são os lugares em que trancamos pessoas desajustadas, sem qualquer chance de receberem cuidados adequados, como a mãe de 25 anos que cometeu a insanidade de deixar um bebê preso num carro. Ao banalizar a notícia triste, a mídia perde a chance de levantar questões para a sociedade discutir e abre ainda mais a chaga da violência e da marginalização, já que desperta maus sentimentos nas pessoas. Anestesiado, o telespectador, leitor, ouvinte é levado a crer que o bebê estará bem melhor longe da mãe, não percebe que ambos, bebê e mãe, mereceriam a chance de viver um período de reajuste terapêutico sob orientação de uma equipe multidisciplinar. A mídia, de maneira geral, age como um aparelho repressor de sentimentos inteligentes, investe em vaidade, chacota, violência, rejeição; ignora os limites humanos, desumaniza, nos torna reféns de um viver insustentável do ponto de vista social, que é moralista e doutrinário, como nossa Justiça.
*originalmente publicado em 7/11/2006 no Observatório da Imprensa
Faz duas semanas que uma mulher de 25 anos deixou o filho de 1 ano e 3 meses dormindo no carro num estacionamento enquanto assistia a um show. O bebê foi encontrado por um guarda e encaminhado a uma instituição; a mãe foi presa, na prisão sofreu violência e agora está numa UTI, em estado grave. A notícia é factual, aconteceu e pronto, as medidas tomadas pela Justiça não são passíveis de reflexão ou qualquer questionamento por parte da mídia. A moral católica do brasileiro médio permite um certo espanto, e diante do fato a atitude esperada e "bombada" pela mídia é a de repugnância, rejeição à mãe que abandona. Fica tudo resolvido, a criança afinal sem a única mãe que tinha e a mãe, severamente punida, talvez com a morte. Milhares de terapeutas ocupacionais, psicólogos, antropólogos e assistentes sociais são formados anualmente no Brasil e ficam desempregados, fazendo bico, atendendo às necessidades das classes média e alta ou enfiados em departamentos dando conta de burocracia. Enquanto a medicina preventiva avança em tecnologia, vitaminas e até cirurgias plásticas, a sociologia preventiva ou recuperadora sequer existe. Nas áreas humanas estamos defasados 100 anos; presídios e manicômios são os lugares em que trancamos pessoas desajustadas, sem qualquer chance de receberem cuidados adequados, como a mãe de 25 anos que cometeu a insanidade de deixar um bebê preso num carro. Ao banalizar a notícia triste, a mídia perde a chance de levantar questões para a sociedade discutir e abre ainda mais a chaga da violência e da marginalização, já que desperta maus sentimentos nas pessoas. Anestesiado, o telespectador, leitor, ouvinte é levado a crer que o bebê estará bem melhor longe da mãe, não percebe que ambos, bebê e mãe, mereceriam a chance de viver um período de reajuste terapêutico sob orientação de uma equipe multidisciplinar. A mídia, de maneira geral, age como um aparelho repressor de sentimentos inteligentes, investe em vaidade, chacota, violência, rejeição; ignora os limites humanos, desumaniza, nos torna reféns de um viver insustentável do ponto de vista social, que é moralista e doutrinário, como nossa Justiça.
*originalmente publicado em 7/11/2006 no Observatório da Imprensa
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