segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A arte de escolher o médico

Por Cláudia Rodrigues
Quando escolhemos um arquiteto para fazer o projeto de nossa casa, podemos nos basear em dicas de amigos, mas dificilmente vamos contratar alguém sem ver de perto sua obra, saber o estilo que segue. É claro que um arquiteto serve o cliente, atende aos desejos do cliente, mas inegavelmente ele tem pelo menos tendências. Se nosso ideal de casa é buscar a auto-sustentabilidade não vamos gostar do trabalho de um arquiteto high tech e nem ele conseguiria, por mais que se esforçasse, satisfazer nossos desejos.
Nunca ouvi falar de alguém que tenha escolhido um arquiteto ou engenheiro pela lista telefônica ou pela do CREA. A obra do sujeito e nossa simpatia por ela é quem nos leva a contratar o trabalho. Na primeira entrevista não temos vergonha de perguntar, questionar e opinar. O profissional está ali para nos informar dentro de sua linha, de seus limites e naturalmente que irá vetar absurdos que causem riscos à sustentação da casa, por exemplo. Durante a obra ele trocará ideias conosco e eventualmente algo do projeto até poderá ser modificado.
Obstetras e pediatras também têm linhas de trabalho e obras, mas pela longa história de uma medicina que acabou ficando sagrada, quase uma religião, não podemos ver a obra dos médicos, acreditamos piamente no que dizem, mesmo quando eles não dizem nada. Escolhemos um nome na lista do convênio ou na melhor das hipóteses por indicação de um amigo. Se o médico for educado e simpático basta para a maior parte das pessoas, que não faz a entrevista com o profissional e nem pede para ver a obra do médico, que é feita de índices, estimativas e histórias profissionais, eventualmente também pessoais.
Uma entrevista não é necessariamente uma inquisição, pode ser amigável, crescer aos poucos em perguntas simples. Se o casal está grávido e prefere parto normal não deve dizer isso claramente ao obstetra porque o profissional foi treinado para agradar o cliente, pode estar desesperado para agarrar um cliente; médico também é gente, gente que ganha dinheiro com nossos problemas de saúde. Direito do médico: angariar clientes, aumentar faturamento. Direito nosso: escolher em que profissional queremos investir. O casal deve dar linha ao médico, perguntar como trabalha, questionar sobre os riscos do parto normal e os riscos da cesariana, os benefícios de cada um, o acompanhamento durante o trabalho de parto, que tipo de intervenções ele considera necessária, qual foi o nascimento que mais o emocionou, qual o que mais o entristeceu. Enfim, deve o casal pesquisar a linha do profissional e assim como ouve um arquiteto atenta e criticamente, deve fazer com o médico. Ao longo dos nove meses pode-se fazer mais perguntas como índices de partos normais e de cesarianas, equipes nessa ou naquela maternidade e ir traçando o perfil do obstetra.
Sim, alguns médicos ofendem-se diante de um cliente questionador, fazem piadinhas, julgam que a saúde do cliente não pertence ao cliente, mas à medicina. Isso pode ser um indicador de que aquele profissional terá dificuldades em trocar idéias, além de uma tendência a impor os procedimentos sem explicá-los. Mesmo numa cirurgia de emergência é possível explicar ao cliente o que está acontecendo e isso importa bastante, faz grande diferença sentir o corpo pensando o corpo. Agora, escolher um profissional com ideologia oposta, sem sintonia, é um desgaste desnecessário, especialmente quando essa escolha envolve o nascimento de uma criança.
Vale o mesmo para o pediatra. Se a mãe sabe da importância do leite materno, já leu que o leite vem conforme a demanda, mas escolheu um pediatra que receita leite artificial com 15 dias de vida, pode-se dizer que foi uma má escolha da mãe. No mínimo ela não viu a obra, não perguntou o suficiente ou depositou-se excessivamente clamando pelo leite artificial por vincular todo e qualquer desconforto do recém-nascido à falta de leite. Uma pediatra paciente, que entende o problema de insegurança das mães de recém-nascidos, dificilmente vai receitar leite artificial; prefere encaminhar ao banco de leite ou ela mesma auxiliará na pega correta e no estímulo à autoestima materna. Já uma pediatra que não amamentou os próprios filhos, por exemplo, tenderá a repetir o padrão pessoal para as clientes. Ela não tem como ensinar aquilo que não viveu e não sabe. Há exceções, são raras, daí a importância de conhecer a obra do médico. Uma amiga que amamentou tendo sido atendida pela pediatra X não é referência suficiente. Algumas mulheres têm muita facilidade para amamentar, não precisam se relacionar com a pediatra sobre amamentação. O pediatra deve responder sobre medicamentos que usa e em que circunstâncias, que exames preventivos sugere, o que pensa sobre alimentação, o que indica, o que contra-indica, como vê o desenvolvimento da criança, se somente focado no peso ou no todo, enfim se é mais tecnicista ou mais humanista.
Há para todos os gostos, os humanistas são mais raros, eventualmente mais caros, demoram mais tempo ouvindo os clientes; não costumam se ofender com perguntas, pelo contrário, mostram brilho no olhar com questionamentos, indicam leituras, não temem a inteligência dos clientes e podem até mesmo desenvolver uma relação de amizade. E nesse caso cabe ao cliente jamais abusar dessa confiança com telefonemas abusivos e naturalmente pagar os serviços dignamente.
O nome de um bom médico não deve ser manchado mesmo quando ele erra. Médicos também erram, médicos crescem na relação com o cliente, modificam posturas ao longo de suas vidas e não devem ser depositários absolutos de nossas ideologias e muito menos de nossas neuroses. É preciso separar o joio do trigo porque o conhecimento técnico é deles, mas a informação e as opções são nossas e devemos bancá-las.

Um comentário:

  1. Cláudia, acho que a questão "médico" podemos tratar de maneira mais objetiva.
    Primeiro, procure indicação do médico antes de ir na primeira consulta. Hoje é fácil isso, pois a internet tem sempre boas informações. Mas, sou mais objetivo ainda, procure conhecer pacientes do médico. Procure saber o que estes pacientes pensam, desejam e querem.
    Se você tem um amigo ou amiga, uma tia, enfim alguém que pensa como você, que tem as mesmas espectativas que você com relação a saúde e medicina, pergunte para esta pessoa. Existe uma rede social natural, as pessoas que pensam de forma parecida, acabam se encontrando e trocando informações.
    Outra coisa muito importante. Não importa quem seja o médico, se você não gostar dele, não volte. VOCÊ NÃO TEM QUE DAR OPORTUNIDADE AO MÉDICO. Mais que isso, a afinidade em pensamentos, idéias, respeito, tem que existir.
    Isso, eu digo em relação a qualquer médico, prá você, seus filhos, amigos e etc.
    Na verdade, temos com os médicos uma relação de muita intimidade, então, precisamos nos sentir muito bem.

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