Depois de 20 anos casada e migrando de uma metrópole para outra, marido e eu entramos na rede dos que buscam a qualidade de vida no interior. Escolhemos um lugarejo magnífico, Osório, cercado de lagoas, localizado ao pé de um lindo morro, o da Borússia. Pertinho da cidade, de 40 mil habitantes, há cachoeiras, cascatas e trilhas na mata. Fica a não mais do que 15 minutos do litoral. Tá, é o litoral do RS, mas esse dado pesou na escolha, adoramos um banho de mar fácil durante a temporada de verão.
Sim, tem ar puro, sim tem silêncio para escrever, o vizinho é boa gente, dá bom dia, até o cachorro do vizinho dá bom dia, acorda-se com passarinhos, é quase como viver no mato, mas como há filhos no meio, há escolas e com escolas vem a necessidade de conviver em sociedade. De maneira geral assim no meio da rua, para serviços, tudo anda bem. Com bom humor, alegria e alguma tolerância tudo flui, mas como nada é perfeito, tenho tido problemas para me fazer entender sobre o papel de um Conselho de Pais na escola. Ele existe, mas funciona como um órgão-braço da diretoria e quando se reúne com os pais não é para saber a opinião dos pais e muito menos abrir debates, mas para fazer comunicados. Fico irritada e sou considerada louca de pedra. Ali entende-se que quem gosta do estilo fica na escola, quem não gosta deve sair e procurar sua turma. Não há outra escola privada na cidade e cada vez que questiono a arbitrariedade das decisões do Conselho de Pais sem escutar os pais, sem votação, cria-se uma situação constrangedora. É como se eu estivesse falando um absurdo ou trazendo algo muito novo e não o gritante e óbvio papel de um Conselho de Pais.
Na última reunião a falta de entendimento chegou a um limite máximo, quando a representante do Conselho de Pais anunciou que haveria um Chá de Patronesses na escola. Não é obrigatório, participa quem quer e se auto-exclui quem bem entender. O objetivo é aproximar as mães umas das outras, é um evento social, sem fins lucrativos e presume-se que não haverá sobras de verba.
Muito comum no interior do Rio Grande do Sul, esse evento, Chá de Patronesses era originalmente organizado por clubes, escolas, igrejas e instituições como Rotary e Lions para arrecadar fundos sociais. Hoje popularizou-se tanto que é feito apenas para o desfrute das sibaritas patronesses; as verbas arrecadadas servem para melhorar o layout da festa. Acompanha o evento um desfile de modas apresentando as lojas de roupas das melhores casas do ramo na cidade. Entendam, é uma festa do interior, mas não aquela cantada pela Gal nos anos 1980, nada a ver com aquela fogueira que ardia a vida inteira.
Aqui é incendiada a vaidade das crianças que desfilam e das mães que se candidatam a ser patronesses. A patronesse deve comprar uma mesa para 10 lugares, vender os ingressos e oferecer um chá com iguarias apetitosas numa mesa bem posta.
Durante o evento falam-se amenidades, nada que levante alguma discussão mais picante. Patronesses e convidadas destestam debates quentes, recusam-se a saber o que quer dizer o termo "thinking outside the box". As crianças e adolescentes desfilam encantando as mães nessa ode ao comércio local e fica tudo por isso mesmo, sem maldade, sem segundas intenções, sem conluios, é apenas um hábito local que se repete de geração para geração desde priscas Eras e já sem a significação que havia no passado.
Sociedade de consumo X violência não são temas que se possa linkar. Se alguma alma depenada tiver a má idéia de colocar um assunto desses numa das mesas de alguma patronesse vai causar desconforto ainda maior do que reivindicar que o Conselho de Pais seja um órgão representativo dos pais junto à diretoria pedagógica.
Mas o céu é azul, a chuva não é ácida, a mata continua fechada, quase virgem, pouco visitada pelos nativos da cidade. A cena de um grupo de pais e professores socializando com as crianças em caminhadas, piqueniques, atividades que sejam ao mesmo tempo lúdicas, culturais e pedagógicas é uma cena imaginária, bastante improvável. Mas que coisa de bicho-grilo sem noção heim!?
Imaginem só que loucura caminhar montanha acima para chegar a uma cachoeira e entender noções de física admirando a queda d´água!
Imaginem que cena sem graça juntar um monte de crianças para observar o trabalho de um formigueiro!
E um pai biólogo no meio falando sobre comportamento de animais, que coisa nada a ver com socialização ideal, só porque promove raciocínio, desenvolvimento cognitivo, emocional e motor, tudo junto!
Mas que imaginação fértil, que trabalheira fazer piqueniques, caminhadas e observar o efeito da natureza na criançada.
Isso tudo é demais, bom mesmo é fartar-se no chá de patronesses, ficar gritando para as crianças não correrem após o desfile acalmando-as com estímulos orais a perder de vista: "vem, senta aqui menino, come um bolo e vê se te acalma e silencia um pouco!"
PARABÉNS PELO LIVRO (DELÍCIA DE LER) E PELO FILME!
ResponderExcluirMinha nossa...que texto!
ResponderExcluirPrecisamos divulgar seu blog para o mundo inteiro!
Amei e nao muito longe de ti em Capão da canoa tive este mesmo tipo de mesmo tipo de conversa com uma educadora eu falando sobre minhas experiencias com escola waldorf em Itacare ela com Montessoriana ..mais uma amiga de Maquine que me conta que la as porfessorals elvam as crianças e piquiniques morro acima, fazem mutirão pra limpar a a encosta do rio ... falam de trabalhar juntos pela comunidade ...e claro tambem sobre a novela da globo e roupas de marca .... mas eu como sou so uma viajante fiquei feliz em saber que nao estou sozinha e sempre se encontra pessoas "diferentes" como um grupo que se reune a cada 15 dias pra ler e comungar experiencias ... beijo e parabens
ResponderExcluirdesde Outubro até agora as coisas mudaram?
ResponderExcluirtambém vivemos na cidade (Lisboa) e também queremos mudar para um local mais calmo mas como a nossa origem é no campo temos bem presentes as dificuldades que vamos ter em termos de "choque de mentalidades".
vai dando notícias sobre este assunto.
tudo de bom