quinta-feira, 21 de outubro de 2010
Carta a meu pai
Por Cláudia Rodrigues
Sempre fico aqui falando com mamãe e apenas cito sua presença na minha vida. Falha minha pai, é porque sou bebê ainda e bebês são muito apegados com suas mães nos primeiros meses de vida. Logo depois que nasci fiquei em estado de semi-simbiose com ela e agora, aos nove meses, ainda sou todo derretido por aquela cheirosa.
Mas cá para nós dois, é bem verdade que já somos amigos e não posso negar que quando mamãe fica estressadinha, tudo que quero é você, seu colo forte e protetor por natureza que dispensa os excessos de cuidados que as mamães tanto prezam. Afinal, já sou um bebezão!
Gosto dessa sua simplicidade de homem, dessa coisa de não complicar com roupas, babadores, presilhas, enfeites. Também não ligo muito para esses detalhes, não prefiro, não mesmo!
Dia desses mamãe deixou tudo arrumadinho para você me dar um banho, mas na hora de pegar todas as coisas, comigo no colo, acabou esquecendo a toalha de nenê de ursinho dobrada em cima da cama. Daí, com medo que eu passasse frio, me enrolou na sua gigantesca toalha que estava no banheiro. Adorei, me senti até importante, mas acontece que mamãe nos pegou no flagra bem no meio do corredor. Ela deu a maior bronca em você e ficou um tempão falando. Fiquei solidário, só lambendo a água que escorria das minhas bochechas e não dei um pio. Sou seu amigo nessas horas difíceis também, pois sei bem como é complicado entender as mulheres, estou sacando a luta. Elas são umas gracinhas, cheirosas, lisinhas, têm intuição, mas observam tudo nos mínimos detalhes, até uma diferença de toalha! Às vezes observam tanto que se estressam, falam várias vezes a mesma frase, franzem as sobrancelhas, é incrível como conseguem passar de fadas a bruxas em um minuto. Na semana passada, depois de muita conversa, ela com cara de maluca, vocês decidiram que eu já estava levado demais para ficar com a vovó enquanto vocês trabalham e então resolveram me colocar na escolinha por meio período. Mamãe me levou todos os dias e todos os dias abri o maior berreiro na porta da escola. Não é ruim lá, diga-se de passagem, é bem legal e passa rápido porque eu só fico na parte da manhã. Tem uns bebês até menorzinhos, que nem sabem engatinhar. Eu já sei engatinhar e faço mil gracinhas para as professoras. Elas vivem me chamando de lindo, mas eu dou o maior trabalho para elas. Sempre tem uma correndo atrás de mim.
Firmeza mesmo eu senti hoje de manhã, primeiro dia em que não chorei para ficar na escola. Mamãe se enrolou com o secador de cabelos, o cabelo ficou virado de lado e ela tinha uma reunião importante com um chefe novo, um tal de Espanhol. Para tranquilizá-la você disse que me levaria à escola. Pôxa, pai, valeu! Foi mesmo muito diferente dos outros dias. Você foi conversando comigo, com sua voz calma e grave. Eu ia olhando seus braços peludos dirigindo e ouvindo você contar sobre as escolas de antigamente, como você brincava com seus colegas, que um dia eu iria até jogar futebol, que encontrasse uma bola de pano para ir treinando. Quando chegamos lá você achou tudo bonito e até deu um passeio comigo pelo quintal para conhecer a escola que mamãe havia escolhido, depois achou uma bola de pano e deu para eu segurar falando que aquela era a tal bola que havia falado no carro. Nos distraimos e você percebeu que precisava ir embora e então falou assim, curto e reto: “Filhão, segura a bola, agora vou trabalhar e depois a vovó vem buscar você”. Sabe pai, eu senti uma segurança dentro de mim, uma coisa que só pai pode dar pra gente. E assim, como se fosse a coisa mais fácil e natural do mundo, você me entregou para a professora e se foi. Eu também achei tudo muito natural e ainda dei tchauzinho arrancando um último sorriso seu.
Pois é, paizão, têm coisas que nós dois juntos damos conta como ninguém. Esse negócio de separação, de eu ser eu e você ser você, já nasceu resolvido para nós dois. Ai, ai, ainda bem que pais existem. Um mundo só de mães seria um vexame de explosões amorosas.
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