No meio do desencanto e da desesperança que me causa o ufanismo bélico dos últimos dias no Brasil, de repente me vejo envolvida pela pequena Feira do Livro de Osório, a cidade em que vivo. O grupo da Vivi, nosso teatro local, numa adaptação de Fabiana Linhares, conta em esquetes com balé, tecido e música ao vivo uma linda história de Rubem Alves: A menina e o pássaro encantado.
E ali está ele, aos 77 anos, muitos livros depois, em carne e osso, dizendo que não sabe a idade em que está porque 77 anos já se foram e ele não tem a menor idéia de quantos faltam, mas sabe que não faltam muitos.
A menina e o pássaro encantado ele inventou para consolar a filha Raquel quando ela estava com 4 anos e não se conformava que o pai iria viajar de avião para longe. Raquel estava muito assustada com um acidente, cismou que o avião poderia cair e o pai nunca mais voltar. Ele então, baseado em seu próprio desejo de voar, criou a história da menina que queria trancar o pássaro e mais tarde, no ocaso da vida do pássaro, ela surgiria com asas para liberdade e aí o pássaro é que não poderia mais voar.
Contou que essa história foi amante de seus amigos adultos alguns anos depois porque também serve para elaborar as piores fantasias de castração de liberdade entre cônjuges. Um dia ele recebeu sobre a mesma fábula uma estranha interpretação, de que o pássaro seria Deus, o eterno presidiário das religiões. Arrasou.
Falou ainda de educação e sobre esse tema remeteu-me às lembranças do saudoso professor José Ângelo Gaiarsa, que se foi no mês passado. Grande surpresa porque nos textos sobre educação Rubem Alves é firme, mas muito doce e ali ao vivo ele botou para quebrar, como eu só havia assistido Gaiarsa fazer. Pulava de alegria internamente porque penso exatamente como ele, que a morte da literatura está nos excessos de teoria sobre a literatura e a língua portuguesa. Os professores que não entenderam o que ele quis dizer, não estão preparados para o tipo de relacionamento humanista que ele propõe; muito menos conseguem alongar o pensamento sobre o que Rubem Alves enxerga como literatura, que é a arte de colocar o nosso eu para fora, sem amarras, sem repressão, sem moldes.
Exemplificou muito bem citando Murilo Mendes e a antropofagia fantasiosa do escritor, que afirmava ser possível comer os autores por meio da leitura. Foi mais longe, nos falou da antropofagia real dos Ianomâmis e da lógica sensível dela. Mas entender o que quer dizer, por melhor que se explique e se demonstre com exemplos porquê e como os sentimentos são mais inteligentes do que os pensamentos, é difícil para nossa sociedade ocidental, cartesiana e que só vê eficiência no enquadramento e na repressão.
Falou ainda de educação e sobre esse tema remeteu-me às lembranças do saudoso professor José Ângelo Gaiarsa, que se foi no mês passado. Grande surpresa porque nos textos sobre educação Rubem Alves é firme, mas muito doce e ali ao vivo ele botou para quebrar, como eu só havia assistido Gaiarsa fazer. Pulava de alegria internamente porque penso exatamente como ele, que a morte da literatura está nos excessos de teoria sobre a literatura e a língua portuguesa. Os professores que não entenderam o que ele quis dizer, não estão preparados para o tipo de relacionamento humanista que ele propõe; muito menos conseguem alongar o pensamento sobre o que Rubem Alves enxerga como literatura, que é a arte de colocar o nosso eu para fora, sem amarras, sem repressão, sem moldes.
Exemplificou muito bem citando Murilo Mendes e a antropofagia fantasiosa do escritor, que afirmava ser possível comer os autores por meio da leitura. Foi mais longe, nos falou da antropofagia real dos Ianomâmis e da lógica sensível dela. Mas entender o que quer dizer, por melhor que se explique e se demonstre com exemplos porquê e como os sentimentos são mais inteligentes do que os pensamentos, é difícil para nossa sociedade ocidental, cartesiana e que só vê eficiência no enquadramento e na repressão.
Pois é, ele falou de um livro chinfrim que leu e tirou grande proveito(por causa dos sentimentos), Xogum –também li quando morava em Tóquio— e isso me levou à associação de corpo e mente para os orientais, visto de maneira tão diversa do que percebemos aqui no Ocidente. Para os orientais a inteligência está na barriga, nasce no sistema límbico, não na cabeça. Enfim, se dependesse dos meus 46 anos já comidos pelo tempo passaria a noite falando com ele sobre os textos que nascem da barriga e como podemos evitar traumas de “ruim de português” implantados em crianças e levados para uma vida inteira, como um carimbo, apenas facilitando a livre expressão dos sentimentos e pensamentos pela escrita nos primeiros anos de cátedra escolar.
O cinema imita a vida, mas livro cinema não imita. Penso que filmes precisavam sempre ganhar outros nomes, nunca os nomes dos livros, tamanha a decepção que sentimos ao não vermos as nossas cenas escolhidas na tela. Mas ver aquele que lemos e apreciamos ao vivo, falando, trazendo sua alma até nós, ainda que não tenha a profundidade das palavras bem costuradas como ficam quando bordadas, cravadas no texto, é uma experiência anímica sem comparação com qualquer um entre seus melhores textos.
E foi assim, por esse belo encontro, que minha alma ficou leve e já penso que o narcotráfico, o narcofutebol e a narcomídia podem ter solução. De repente tenho esperanças e estou cheia de amor para dar. Bem, agora, depois de uma semana de pesadelos e insônia com as crianças do Rio que ficaram sem o sustento vindo de seus pais, vou renovada e de alma leve para perto do meu escritor particular; sábio, calmo e profundo, que jamais se abala em ciúmes dos homens normais, mas exibe um sorriso de canto de boca, para lá de maroto, quase uma confissão de ciúme, diante dos seus semelhantes.
Momento cara-de-pau: dei um “Bebês de mamães mais que perfeitas” autografado com letras trêmulas para Rubem Alves. Foi no impulso, mas convenhamos, teria sido pior se eu tentasse vender para ele, né?
Momento cara-rachada: ele disse que vai ler com muito carinho e aí morri de vergonha, porque só então me dei conta do abuso de alugar os olhos do homem com histórias para gestantes.
Mais uma vez comida e degustada com muito prazer... Obrigada por devolver um pouco de esperança na humanidade!!! Beijos!
ResponderExcluirvou comprar aquele livro da historia do passarinho!
ResponderExcluirbjs
Rs... Cláudia, você sempre me põe pra pensar e no fim me faz rir.
ResponderExcluirQuem dera um dia, você venha para BH nos agraciar com sua inteligência?
Eu também te devoraria, não como Caetano a Leonardo de Caprio, mas como só uma mulher sabe devorar outra... visceralmente. Mas na verdade eu já te devorei e se Rubem Alves for mesmo tão sensível e forte vai se encantar e vai te comer também. Lembras dos livros comestíveis da Emília na Reforma da Natureza? Por mais que queiram censurar Lobato, já havia ali uma metáfora perfeita. #eucomeriaaclaudiarodrigues #comilanças
ResponderExcluirClaudia, eu já li o seu livro e tenho certeza de que foi um belíssimo presente para o Rubem Alves.
ResponderExcluirObrigada pelo elogio ao meu texto sobre a Conferência lá na lista Parto Nosso. Eu só acesso no modo resumo e não consigo responder no mesmo tópico, mas quero deixar registrado que um elogio vindo de vc me alegra muito.
Beijos
Vocês são muito gentis, gracias mujeres, mas iriam rir baldes de ver a minha cara na situação. Vocês sabem, como disse Caetano, "de perto ninguém é normal". Ainda hoje lembrei várias palavras dele e encontrei um poema de Cecília Meireles que ele declamou de dois jeitos: sem sentir e sentindo. Foi incrível a diferença.
ResponderExcluirNossa, e-m-o-c-i-o-n-a-n-t-e.
ResponderExcluirSou fã demais, teria me derretido ali também, grudado na cadeira escutando e não sei exatamente se conseguiria uma voz firme para falar tudo o que certamente gostaria.
Que privilégio, amiga!
Beijos,
Dany
Adorei o texto!! Ruben Alves foi a primeira conferência que eu assisti, há uns 12 anos atrás, qd fazia Magistério. Eu gostei tanto, me derreti por ele e pelas analogias entre comida gostosa e aula boa.
ResponderExcluirSempre o li nessas andanças pela Educação, tenho um carinho enorme pelo "galo que cantava para o sol nascer" e por outros textos que são carinho em forma de palavras.
Bjos e obrigada por compartilhar.
Adoro essas tuas palavras libertadoras. Fiquei com vontade de ler Rubem Alves, vou comprar o livro do pássaro.
ResponderExcluirSentir mais que pensar é o aprendizado maior pra vida toda, como é bom estar nessa estrada!
obrigada
beijos
estimulado pelo magrão, vim, vi e me perco de amores pelo blog e por esta tua cronicartigodepoimentopoesia, brilhante como sempre, sensível, terna, rica. virei outras vezes, aprender e degustar mais. beijos a essa simpática e bela família, do ruy
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