sábado, 27 de outubro de 2012

ENTREVISTA - CELSO VASCONCELOS



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*É possível sair do marasmo

Por Luiza Oliva
 
Celso Vasconcellos conhece como poucos a realidade do professor brasileiro. Diretor do Libertad - Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria Pedagógica, doutor em Didática pela USP, mestre em História e Filosofia da Educação pela PUC/SP, pedagogo e filósofo, Celso se dedica a encontros de formação de professores, coordenadores e diretores. Em suas andanças por escolas e eventos de educação pelo Brasil, ele tem percebido um cenário de marasmo entre os educadores, além de uma certa resistência dos professores pelo trabalho com projetos e temas geradores, em lugar das tradicionais aulas expositivas. “O professor que dá uma aula expositiva tem a sensação de que ensinou, e o aluno que ouve tem a sensação que aprendeu. Aparentemente é um sucesso. Só que, passados 15 dias, o aluno esqueceu o conteúdo. O que ele mostra numa prova não é o saber dele, mas o que ele tinha memorizado para a prova. Passou a prova, esqueceu. Portanto, não houve aprendizagem”, verifica Celso.

Mudar é difícil, mas não impossível, diz o educador, que acredita numa escola humana, menos mecânica. Ele tem certeza dessa possibilidade quando vê escolas com projetos bem-sucedidos, como a Escola da Ponte, de Portugal. “Fiquei profundamente tocado quando vi um vídeo da Escola da Ponte, onde crianças de 7, 8 anos participavam e coordenavam uma assembléia. Isso mostra que é possível transformar uma escola que estava destruída, abandonada”, aponta. Para Celso, a falta de vínculo entre professor e aluno gera problemas na aprendizagem e até mesmo casos de indisciplina. 

A precária formação dos professores e a falta de um projeto político-pedagógico para a escola são outros grandes problemas que ele aponta como críticos em nossa educação. “Não podemos fazer educação na base do senso comum, da repetição, da imitação. Temos que ter um projeto, uma concepção, e é difícil entender como uma escola funciona sem um projeto”, sentencia. Celso Vasconcellos é autor dos livros Planejamento: Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico; Construção do Conhecimento em Sala de Aula; Avaliação: Concepção Dialética-Libertadora do Processo de Avaliação Escolar; Disciplina: Construção da Disciplina Consciente e Interativa em Sala de Aula e na Escola; Para Onde Vai o Professor - resgate do professor como sujeito de transformação; Avaliação: Superação da Lógica Classificatória e Excludente; Avaliação da Aprendizagem: Práticas de Mudança - por uma práxis transformadora, todos editados pelo Libertad. Confira a seguir a entrevista que o educador concedeu a Direcional Escolas.

DIRECIONAL ESCOLAS - O senhor fala em quebrar o marasmo na educação. Por que vemos algumas escolas, inclusive públicas, que se destacam, produzindo educação de qualidade mesmo em meio a adversidades?

CELSO VASCONCELLOS - Depende muito de uma liderança, da escola ter alguém que resolva arregaçar as mangas. A própria Escola da Ponte, que é uma referência, começou com o sonho do José Pacheco. Ele pegou uma escola toda destruída e não entrou no esquema, começou de uma certa indignação e o projeto já tem 30 anos. Esse é um ponto a que Paulo Freire se referia muito: não se conformar. Por outro lado, é muito forte na educação a postura do “é assim mesmo, sempre foi assim, você é jovem ainda, eu também pensava como você, você vai ver que não funciona”. Falo brincando em um de meus livros do “Professor Caveirinha”, o professor que morreu mas não sabe que já morreu. Hoje há categorias pedagógicas, sociológicas, aplicadas a esse desmonte do professor: o mal-estar docente, do qual fala o educador espanhol José Esteve, e o burn-out, apagar a chama, que é a síndrome de desistência. Quando aparece alguém que se recusa a ficar nesse mesmo discurso, essa liderança vai aglutinando pessoas. Muita gente também está cansada de se queixar, de reclamar. Daí surgem experiências bem-sucedidas, mas não é fácil. A onda contrária é muito forte.

Esse marasmo a que o senhor se refere é exclusividade da escola pública?

De forma alguma. Às vezes na particular é até pior: esse marasmo é dissimulado, existe um certo cinismo. De modo geral, nas regiões sul e sudeste, em que as escolas particulares pagam um pouco melhor que as públicas, por medo de perder o emprego o professor acaba não falando. Na pública pelo menos ele diz o que pensa. Na particular, aparentemente as coisas vão bem, mas há um ceticismo, a pessoa já não acredita mais na educação, não acredita na sociedade. Esse é um ponto no qual eu tenho insistido: fala-se na escola pública como se ela fosse o grande problema e a escola particular como se fosse a grande salvação. Sabemos que não é assim. Existem escolas particulares excelentes assim como há escolas públicas. Mas elas são ilhas de excelência. Veja o resultado do ENEM nacional: em primeiro lugar ficou uma escola particular do Rio e em segundo lugar uma escola pública do Rio por uma diferença muito pequena. De um modo geral, a situação é bastante delicada. Temos que considerar que a escola particular não trabalha com todo mundo. Primeiro, há um vestibular econômico para entrar, é preciso pagar a mensalidade. Depois vem o vestibulinho, a ajuda dos pais, viagens, revistas, toda essa cultura que a criança tem em casa e que não é mérito da escola. Além disso, tem o professor particular, hoje há até empresas de aulas de reforço, o aluno é acompanhado o ano todo. Na verdade, a escola particular trabalha com um segmento só e a pública com todo mundo. No SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) a escola particular está melhor que a pública, mas muito pouco. No Pisa (N.R.: programa internacional de avaliação comparada), com jovens de 15 anos, ficamos em último ou penúltimo lugares no ranking geral, no ranking da escola pública e no ranking da escola particular. Esse é um dado muito importante. Se a escola particular brasileira fosse de primeiro mundo como se fala, estaríamos entre os 10 primeiros. Quando eu digo isso, não é para criticar a escola particular. A escola particular tem um papel muito importante. A educação não pode ficar só na mão do Estado. Mas me preocupa porque parece que o problema é só da escola pública, parece que só lá tem problema. E não é verdade. Seria bom se assim fosse. Há desorientação, falta de perspectiva de vida, falta de sentido de vida em geral, e não só entre os alunos da periferia.

Os pais também se sentem desorientados em relação à escola, sobre qual é a boa escola e a pressionam por resultados? 

Tenho visto até algumas escolas particulares que tinham avançado mas que, com a crise econômica e o receio de perder alunos, começam a abrir mão da proposta. Escolas que já faziam uma avaliação processual voltam a adotar a semana de provas. Muda a direção, a coordenação, e há a pressão dos pais, que acham que escola boa é a que dá prova todo dia. Temos assim um processo de mediocrização, a escola acaba sendo nivelada por baixo.

O que é a escola boa?

É aquela que forma realmente o ser humano, que ajuda o ser humano a se constituir, a desabrochar em todas as dimensões. Se pensarmos nas dimensões básicas – aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais – a escola boa é a que dá conta disso, que não trabalha só com os aspectos cognitivos, mas com a questão do saber fazer e do saber ser (aqui eu incluo o saber conviver dos pilares da educação da Unesco). A escola boa é a que propicia esse desenvolvimento humano, essa abertura para o mundo e, num certo sentido, que qualifica essa abertura para o mundo. Porque a criança tem essa abertura para o mundo, tem o desejo de conhecer, uma curiosidade, uma vivacidade. A rigor nós temos essa disposição. Paulo Freire falava da vocação ontológica de ser mais. Resta à escola saber trabalhar com isso, o que nem sempre ocorre. Temos visto em encontros de formação relatos de vida de professores que têm situações extremamente negativas na experiência escolar. A escola boa teria como base esse desejo de ser mais do sujeito e qualificaria isso através do acesso à cultura, à grande tradição, à possibilidade da convivência. As pesquisas mostram que os alunos gostam da escola e até gostam do professor, o que eles não gostam é da aula. Também não é culpa do professor. Ele sofre uma pressão muito violenta, sem ter uma formação adequada. Esse ponto tem me angustiado demais. Vemos engenheiros sendo formados em cinco anos, médicos com seis anos de formação, mais dois de residência, enquanto que os cursos de pedagogia com duração de cinco anos são raríssimos. Há inclusive cursos de três anos à noite. É claro que não se pode olhar só o aspecto quantitativo. Mas, com certeza, quantidade e qualidade são atributos do real. Um curso de três anos pode ser muito bom mas ficaria muito melhor se fosse em cinco ou seis anos. A educação é muito complexa. Freud falava que educar é uma das coisas impossíveis, ao lado de psicanalisar e de governar. Na educação, ou chegamos muito cedo, e a criança não está pronta ainda, ou chegamos muito tarde e ela já fez o percurso. Quando Vygotsky fala da Zona de Desenvolvimento Proximal ele supera essa dicotomia, afirmando que há o momento adequado. De qualquer forma, não veja uma formação do professor para essa tarefa tão complexa. Coloca-se um sujeito cheio de boas intenções, o professor, numa situação que envolve a desorientação dos pais, que é um reflexo da desorientação da sociedade. Ou seja, quando precisaríamos de um professor ainda mais qualificado, temos um professor com uma formação aligeirada. Daí entendemos o uso autoritário da avaliação e esse jogo de empurra e de acusações entre a escola e os pais, cada um tentando se livrar um pouco da sua culpa. Vejo um problema estrutural, já que em qualquer profissão um ponto básico é a formação. Mas, quero deixar claro que só a quantidade não basta. Vemos pessoas com alta titulação, mestres e doutores, que são extremamente resistentes e que, ao invés de usarem a autoridade do argumento, usam o argumento da autoridade. “Você sabe com quem está falando? Sou doutor!”, dizem.

Além da carência de formação, o senhor acredita também que falta no professor uma noção de cultura geral? 

É claro. Estou há 31 anos no magistério e ainda me pego estudando coisas que não havia percebido. Outro dia estava lendo “De pueris”, “Dos meninos”, de Erasmo de Roterdam, um texto de 1530 onde ele diz: “Muitas vezes as crianças não conseguem perceber a importância daquilo que estão aprendendo”, o que chamaríamos hoje de objeto do conhecimento, “por isso é importante o afeto, o amor que ela tem pelo professor”. Eu achava que eu, quando fazia afirmação semelhante, estava sendo contemporâneo. Um clássico da educação já dizia isso em 1530! A nossa formação é muito falha.

E quando o professor procura suprir essa falha, ele não se perde, procurando aleatoriamente cursos, palestras, livros, sem uma direção adequada? 

Costumo dizer que há duas posturas mais comuns. Essa a que você se refere ainda é mais positiva. Se o sujeito não tem formação, sabe que não tem e está disposto a aprender, ótimo. Mas há o professor que não tem formação, tem a semiformação. Ele acha que sabe porque viu superficialmente certos conceitos. Infelizmente, vemos professores que têm essa formação aligeirada e não têm o menor senso crítico, a menor autocrítica. Esses são os piores casos. E costuma acontecer com os professores do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio, que se acham especialistas. Nas capacitações, vejo muitas professoras só com magistério que se mostram mais abertas, mais dispostas a aprender. 

Há ainda um outro aspecto nessa formação por ensaio e erro: a questão dos modismos educacionais. Um dia nós fomos tradicionais, outro dia fomos modernos, outro dia tecnicistas, outro histórico-críticos, outro libertadores, depois construtivistas, sociointeracionistas, co-construtivistas, pós-construtivistas, paradigma da complexidade, professor reflexivo, interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, múltiplas inteligências, inteligência emocional, pedagogia de projetos. De repente, são ondas e cada onda que chega parece que é a salvadora e esquecemos de todo o resto. Se o professor tivesse uma formação sólida isso não aconteceria. Vejamos a questão das múltiplas inteligências. Devemos nos perguntar como ela pode favorecer o nosso projeto pedagógico, a nossa concepção de educação. Como o professor não tem essa concepção, parece que cada teoria que chega será a salvadora.

Outro aspecto muito sério é a falta do espaço de trabalho coletivo constante na escola. Há muitos nomes para esse espaço: reuniões pedagógicas semanais, hora-atividade, horário de trabalho pedagógico, horário de trabalho pedagógico coletivo. Em muitas escolas, sobretudo as particulares, não há esse espaço porque ele tem um custo. E, quando há, esse espaço não é bem utilizado. Ele funciona para dar o balancete da festa junina, ler decretos e portarias, dar chamadas no professor, conferir entrega de material do MEC. Eu acredito profundamente nesse espaço. Por exemplo, o professor que vai para um seminário, um congresso, que lê um livro, tem nesse espaço a oportunidade de socializar com os colegas, de discutir e retomar esses conteúdos. Ele faz um congresso com 30 ou 40 horas de formação, palestras, conferências, debates e não tem 30 minutos na escola para partilhar isso com os colegas. Então, há o problema da formação inicial, que eu já apontava, e também o da formação continuada. E, para mim, o principal espaço da formação continuada é a reunião pedagógica semanal. Toda semana, durante duas horas, com a participação da direção, da coordenação pedagógica, da orientação e dos professores por níveis. Esse é um elemento fundamental para alterarmos a qualidade da escola.

A falta desse espaço se dá por falta de tempo ou simplesmente porque não há essa cultura na escola? 

A escola nunca teve esse espaço. A escola que a burguesia ofereceu para o povo a partir do século XVIII nunca cuidou da formação do professor. Ela até cuidou do salário e do status do professor. Houve uma época no magistério paulista em que os jovens ficavam em dúvida entre a magistratura e o magistério, porque um professor ganhava tanto quanto um juiz, isso há 40 anos. Esse é um elemento político. A pergunta que se faz é a seguinte: a quem interessa uma educação de qualidade? Quando vemos uma sociedade baseada nos aspectos mais superficiais, na onda do consumismo, do imediatismo, na manipulação em todos os níveis, percebemos que um sujeito humano que pensa, que reflete, que tem mais autonomia, que tem valores mais profundos, começa a incomodar e não interessa para o sistema. Esse parece um discurso jurássico, mas a meu ver isso nunca foi tão presente. Vemos as pessoas num processo de mecanização, com uma vida extremamente estúpida, manipulada, jovens sem perspectiva, que não conseguem emprego ou com salários achatados. Há uma dispersão e uma falta de sentido para o jovem. E este seria o grande papel da escola e do professor, o professor como produtor de sentido. Muitas vezes, nem os pais estão interessados numa educação de qualidade. Ele quer que alguém tome conta do filho. Numa greve de professores, a maior queixa dos pais é não ter com quem deixar os filhos. Os pais ainda não perceberam a importância de uma educação de qualidade.

Como o senhor vê a valorização da gestão da escola nos últimos tempos?

Essa valorização me preocupa. Eu fui diretor de escola, coordenador pedagógico e sei perfeitamente o papel da gestão. Mas acho que essa ênfase tão grande que se dá ao gestor é em função do esvaziamento da potência do professor. Se o professor fosse mais forte, mais competente, o gestor não teria esse papel tão grande como tem hoje. A gestão é autoritária porque o professor é infantil ou o professor é infantil porque a gestão é autoritária? Temos percebido situações gritantes de infantilização do magistério. Professores se comportando muitas vezes igual a aluno. Temos problemas de indisciplina de professores em reuniões pedagógicas. Numa reunião, de 15 professores dois resolvem ficar “tricotando” o tempo todo. E quando o coordenador questiona, está sendo autoritário. O infante é aquele que não responde pelos seus atos, que não tem o princípio da realidade. É preciso escolher: ou a diversão ou a formação. Se o professor opta pela diversão não pode então receber uma certificação. É preciso assumir isso. Já vi professores em congressos que vão para o shopping e quando voltam querem assinar a lista de presença. É importante que o professor saia dessa situação de infantilização. Esse seria o papel do gestor. Porém, muitos gestores acabam tendo uma postura autoritária, alimentando a heteronomia ao invés de promover a autonomia.

Qual o melhor caminho para o professor atingir o aluno, buscar que ele se interesse pelas aulas? 

A questão da afetividade é o primeiro elemento para a aprendizagem. O ponto de partida do processo de conhecimento é a mobilização. O conhecimento novo se dá a partir do conhecimento prévio que não está sempre disponível. Para ser disponibilizado ele pede uma carga afetiva. A questão do interesse não é um detalhe, é fundamental. Se o aluno não tem motivação, não libera seu conhecimento prévio portanto não há matéria-prima para construir o novo conhecimento. O aluno apenas memoriza, devolve na prova e uma semana depois já esqueceu tudo, porque na verdade ele não aprendeu. O vínculo é fundamental do ponto de vista da aprendizagem. Voltamos a Erasmo de Roterdam. A criança não estava interessada na Revolução Francesa ou na oração subordinada substantiva mas ela criou um vínculo com o professor. E quando o professor fala da oração subordinada substantiva ela acaba se ligando nesse objeto, primeiro por essa aproximação com o professor. Ela cria um vínculo com o próprio objeto de conhecimento. Mesmo situações de indisciplina e de violência em sala de aula estão ligadas ao rompimento desse vínculo com o professor. Resgatando esse vínculo podemos conseguir muito. A afetividade perpasse todo o período escolar, e ela deve ser uma afetividade qualificada. A professora Heloísa Dantas, da USP, alerta que afetividade não é ficar lambendo o aluno. Às vezes, vemos essa pseudoafetividade. A afetividade, no sentido radical, é se deixar afetar pela necessidade do outro. O professor deve se perguntar: quais são as necessidades desses alunos? Qual o universo deles? E, a partir daí, organizar sua intervenção, sua aproximação. A grosso modo, a escola tradicional, instrucionista, valorizou muito a cognição. Uma certa vertente da escola nova valorizou muito as relações, o afeto e abriu mão do saber. O que queremos é trazer os elementos da tradição, da cultura, da norma, mas sabendo que é preciso haver uma liga que se dá pelo afeto.

A preocupação com o conteúdo não pode prevalecer?

Não. Mas também a escola não se justificaria só pelo afetivo. Há o conhecimento, a descoberta do mundo. Entramos aí em outra questão delicada que é o vestibular. A escola se preocupa com o conteúdo para preparar o aluno para a série seguinte e, no limite, para o vestibular. Muitas vezes a escola começa a imbecilizar lá na Educação Infantil, com as melhores intenções, em nome de preparar para o vestibular, e deforma a criança. Defendo que se forme bem o aluno desde cedo e, se necessário, imbecilizar nas séries finais. Imbecilizar é se preocupar só com o conteúdo formal, colocar uma avaliação classificatória, não poder dar atenção para o aluno ou tratar um tema emergente senão você atrasa o programa, ou seja, o conteúdo acaba sendo um fim ao invés de ser um meio. Num curso sobre construção do conhecimento uma professora de crianças de 3, 4 anos me disse que percebeu que o aluno não estava entendendo mas que ela não podia parar para atendê-lo. Ela me disse que não poderia parar porque iria atrasar a apostila. Isso, para mim, é imbecilizar: com a preocupação de cumprir a apostila ela não poderia parar para atender uma criança. Por que não trabalhar com projetos, com temas geradores, com pesquisa, com problematização, com instrumentalização, com estudos do meio? Quando chegar lá na reta final, no 3º ano do Ensino Médio, aí é hora de dar os macetes, as musiquinhas, as bobagens da vida. No último capítulo do meu livro “Coordenação do trabalho pedagógico”, que se chama “O vestibular e os cavaleiros do apocalipse pedagógico”, aponto o conteúdo pré-estabelecido sem sentido, esse conteúdo que tem que ser dado, a metodologia passiva e a avaliação classificatória como os cavaleiros do apocalipse da educação. Se você quer acabar com o processo pedagógico, é só colocar esses três cavaleiros em ação. O pior dos três ainda é a avaliação classificatória, porque em nome dela o professor fica preocupado em cumprir o programa e, para cumpri-lo, ele cai na metodologia passiva. Como o aluno vai se interessar com um conteúdo que não faz sentido, com uma metodologia que não é participativa, e ainda cobrando nota? Isso é condicionamento. Costumo provocar os professores: se você promete um pontinho para a criança na 1ª série do Ensino Fundamental você vai prometer o que na 1ª série do Ensino Médio?

O senhor percebe a falta de um projeto político pedagógico nas escolas?

Sim, e ela é reflexo desse desmonte da educação. A Lei de Diretrizes e Bases de 1996 exige que as escolas tenham um projeto. Ela reforça legalmente uma coisa que é profundamente necessária. Se estamos organizando uma atividade humana temos que ter um projeto. Quanto mais uma atividade tão complexa e importante como a educação escolar. Seria natural ter um projeto, só que isso não corresponde à realidade. Temos agora as escolas fazendo o projeto formalmente. Questões como o sentido da vida, o papel do professor, o currículo, a avaliação, a relação professor-aluno a rigor são temas fundamentais do projeto. O projeto vem me dizer por que eu existo enquanto escola. É possível entender que o pai leve o filho para a escola sem saber por que, e que a criança esteja numa sala de aula sem saber para que. Mas, quando a própria escola não sabe para que existe é muito grave. A escola é uma instituição e deve ter um objetivo. Entendo o projeto como um instrumento de luta, um elemento fundamental da escola. Proponho a metodologia do planejamento participativo, que ele seja construído coletivamente. Muitas escolas colocam um grupo para montar o projeto, geralmente as melhores cabeças da escola, ou encomendam para uma consultoria. Depois, o colocam na mão dos professores para dizer se eles têm alguma sugestão. O caminho não é esse. Acredito que o projeto deva ser construído a partir da contribuição de cada um. Escolhemos algumas dimensões: sociedade, pessoa humana, educação, currículo, participação da comunidade, avaliação, disciplina, dimensões fundamentais que organizam a escola. Cada uma dessas dimensões se transforma numa pergunta: que sociedade desejamos construir, que pessoa humana queremos formar, como desejamos a educação em nossa escola, como desejamos a participação dos pais em nossa escola... Cada pessoa, individualmente, responde essas questões. Gero um texto com todas as respostas, e nenhuma idéia pode desaparecer. Esse texto vai para uma assembléia, onde é discutido até chegar ao texto possível e desejado pelo grupo. Não é um texto que veio de um grupo de iluminados, veio do próprio grupo. Num percurso como esse não há como o professor dizer que não conhece o projeto. Ele participou ativamente da construção. É interessante porque os professores reconhecem seus tijolinhos na construção do texto. Há um ganho enorme quando o próprio sujeito participa da construção da teoria.
 
* Entrevista publicada na Revista Direcional Escolas Edição 17 - junho/2006  

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