sábado, 27 de julho de 2013

Emoções compram, sentimentos satisfazem

Cláudia Rodrigues



São muitos os objetos que o mercado produz para crianças. Nossa sociedade está farta deles e ao contrário do que se pensa, nem todos são benéficos. O famoso andador, que vingou durante anos, hoje, depois de muitos incidentes, dentinhos quebrados e até acidentes letais, está proibido na maior parte dos países. Há quem lamente, era tão lindo ver os bebês disparando pela lajota! Usado para acelerar o andar da criança, impediu o importante processo de engatinhamento de milhares de pessoas no mundo, mas só foi banido pelo argumento mais do que consistente dos danos físicos. Como é de costume, os danos psíquicos, até por serem tendências que não cabem em evidências, são considerados irrelevantes, psicologizações.
Tudo começa na barriga, as gestantes logo nos primeiros meses viram alvo do mercado de consumo. Muitas preocupam-se antes mesmo do bebê nascer em comprar mamadeiras, aquecedores de mamadeiras e chupetas, objetos que podem vir a ser usados, mas não são inofensivos, nem ideais. Ambos são de alguma forma prejudiciais e inferiores ao uso do seio para aleitamento e necessidade de sucção do bebê. Se há lógica em lançar mão de mamadeira ou chupeta em caso de problemas após o nascimento ou ao longo do processo de amamentação e necessidade de sugar do bebê- e pode haver- não há qualquer razão para que esses objetos sejam comprados com tamanha antecedência, já que podem ser encontrados a cada esquina, até em supermercados.
Demonizar o uso de objetos que facilitam a vida dos adultos no trato com bebês e crianças em geral é sempre um assunto delicado, mas fazer vista grossa para a reflexão e sair por aí comprando o último frenesi do momento é um tiro no escuro.

Pintou um objeto novo para bebês com seu marketing mais que perfeito, a maioria das pessoas com poder aquisitivo cai de boca sem pensar, crentes fiéis de que ter é poder, é melhor, é mais seguro, trará capacidades maiores e todos querem seus filhos maiores, melhores, mais bem-sucedidos lá na frente, para sempre.

Cercadinhos, berços belos e incômodos para a dupla mãe-bebê, cadeiras que pulam e balançam sozinhas, móbiles hiperativos, boias mega seguras, viseiras para impedir que o bebê leve água do chuveiro no rosto, redes para chupar alimentos sem engasgar, triciclos a motor, rodinhas de apoio para bicicletas de crianças de cinco anos, coleiras para que crianças de dois anos não fujam dos pais, todos esses objetos e muitos outros não são inocentes, não estão a serviço da criança, de seu desenvolvimento, mas do conforto dos pais. Problema algum pais buscarem um certo conforto e segurança para lidar com as demandas, que não são poucas, dos seus filhos, mas está havendo abuso e uso indiscriminado de objetos que podem retardar o desenvolvimento corporal e cognitivo das crianças, que de 0 a 6 anos necessitam exercitar seus corpos livremente pelo maior tempo possível e de interação com outros seres humanos, pelo maior tempo possível. Faz parte desse processo aprender a atender o “não” dos pais, segui-los em vez de ser apenas seguido por eles, desenvolver ritmo e concentração, aprender a lidar com a frustração e principalmente adequar o próprio corpo ao espaço em que está. É aí que entra o problema com as famosas boinhas. Não que elas não possam ser usadas de forma recreativa, mas nunca em um primeiro contato com a água profunda e nem o tempo inteiro. O bebê precisa saber o que é água, compreender com todo seu aparelho muscular e sensorial que esse espaço é diferente do ar, que seu corpo, nesse espaço, afunda. Naturalmente, com apoio da mão de um ser humano adulto, o bebê terá reflexos de espernear e facilmente aprenderá a nadar, boiar e mergulhar. Isso é tudo para a inteligência de seu corpo inteiro, se sentirá apto, capaz e de fato o será. Assim que mergulhar, sentirá que deve prender a respiração e se levar um tombo da onda, aprenderá a correr dela, sentindo-se safo. Mas segurança é tudo, então o primeiro contato com a água do mar ou da piscina, já vem com a “segurança” para a criança não descobrir que na água seu corpo submerge. Afinal, ela não pode se frustrar, não pode levar um susto e maravilhar-se com o poder de suas próprias pernas!

Rodinhas laterais de bicicletas servem para atenuar a difícil tarefa dos pais de suar a camisa, por outro lado retardarão ou acelerarão o processo único e intransferível de equilíbrio. Bicicletas de duas rodas para o início de aprendizado devem estar preferencialmente sem pedais; a necessidade de andar deve vir do esforço da criança e o equilíbrio vir antes disso. Basta pensar que ganho isso traz! Pouca gente quer saber, pouca gente quer pensar, mais fácil deixar o moleque lá na ilusão de que é o Batman da bike, até morrer de medo de tirar as rodinhas e sentir que é capaz, às vezes aos oito anos de idade, de equilibrar-se!

Coleiras com ursinhos, macaquinhos e até hambúrgueres, tão em moda em ambientes tensos como shoppings e aeroportos, trazem a vantagem de dar aos pais a segurança de que não perderão a criança, de que ela não escapará, não se perderá em meio a multidão. Nos bastidores dessa tranquilidade esconde-se um poder absurdo de controle corporal de crianças que já andam, em plena fase de descoberta de autonomia. Os usuários das coleiras defendem que a segurança está em primeiro lugar, que se for usada apenas em ambientes tensos, trará somente benefícios. A pergunta que fica é: como essa criança, após ser solta da coleira agirá? Afinal ela não estabeleceu qualquer contrato de comportamento com os pais, estava sendo guiada por eles, retida por eles. Estará mesmo mais segura do que aquela criança que desde tenra idade foi educada a compreender os diversos ambientes, seus riscos e perigos? A segurança afinal é para os pais ou para os filhos? Está a serviço da criança?

“Mas meu filho não fica parado, ele não me respeita, ele teima, ele dispara, por isso precisa da coleira!”, gritam as mães adeptas do objeto. Essas palavras não diferem em nada da fala daquelas que dizem “Meu filho não come nada, só gosta de porcarias!” Têm o mesmo significado de outra frase batida: “Minha filha não quer fazer nada, só assistir TV o dia inteiro!” E nada de diferente do famoso “Meu filho só quer saber de comprar!”

Psicólogos costumam falar da falta de limites, mas talvez seja excesso de objetos, de coisas, de amor vinculado a prazeres banais, de emoções, muitas emoções e da falta de entendimento do que difere emoções de sentimentos.

Emoções são superficiais, mesodérmicas, enchem nossos olhos de lágrimas, nos compadecem de tal forma que nos impedem de pensar e assim não atingem nossos sentimentos. Pensamentos e ações efetivas eclodem via sentimentos, não via emoções. Quando estamos trocando uma fralda, emocionadas com o choro da criança, ela chorará ainda mais, mas ao trocar a fralda conectadas com os sentimentos da criança e também com a necessidade daquilo que estamos fazendo naquele momento, com nosso sentimento de que estamos protegendo-a apesar do desconforto, a criança, mesmo em tenra idade, se acalmará. Principalmente em tenra idade, quando a criança está desenvolvendo seu "eu" maior em sentimentos. Se ficamos afoitos, a criança fica afoita, em vez de aprofundar-se, acalmar-se, se desesperará.

As emoções estão para a vontade, os sentimentos para os desejos. As emoções querem comprar, consumir, agradar. Os sentimentos bastam-se a si mesmos, o que vale é sentir prazer genuíno, interno. Sentimentos trazem reflexões, pensamentos, ações relevantes, eficazes, duradouras, tanto para o adulto quanto para a criança.

Infelizmente estamos nós mesmos, adultos, mergulhados em emoções, distrações mundanas e cada vez mais distanciados de nossos sentimentos e necessidades profundas, uma camadinha mais embaixo da pele e dos músculos, ali no lugar em que pulsam as vísceras, nosso sistema límbico, que por sua vez é o único elo com o tronco cerebral.

Quando dizemos um “não” mole, que não faz efeito na criança, estamos usando nosso eu emocional, mesodérmico. Podemos até gritar, a criança não ouvirá, não respeitará. Ela exige um “não” profundo, que fale com as profundezas de seu ser, de alma para alma, de sistema límbico para sistema límbico, um “não” ao mesmo tempo sentimental e racional.

Mas nem só de “nãos” se faz a educação, muitos “nãos” mesodérmicos fazem o tiro sair pela culatra. Educação é comunicação, relacionamento, por isso a educação autoritária, rígida, traz mais revolta ou ressentimento do que qualquer efeito construtor, inspirador, duradouro.

É preciso mais do que explicar para uma criança o que ela pode ou não pode fazer, é preciso mostrar, demonstrar, dar exemplo, não trair a criança, não trair aquilo que estamos sentindo e pensando. Como podemos querer que uma criança se mantenha calma em um ambiente tumultuado, que nos tumultua internamente, se não somos verdadeiros? Criança gosta e precisa de sentimentos verdadeiros, de sintonia. Se estamos tensos, podemos francamente dividir isso com a criança e ela ficará desde cedo apta, empática. Uma criança que foi desde cedo recebida como ser inteligente e pensante, será uma pessoa inteligente, pensante e empática e isso não tem nada a ver com milhares de objetos de “felicidade”. Distrações distraem, desconectam, atitudes verdadeiras constroem, edificam o desenvolvimento, fortalecem o “eu” da criança.


Lembro de uma vez em que ri muito da capacidade empática de minha filha mais velha. Ela estava então com 2, 4 anos, quando fomos pela primeira vez a um desses parques aquáticos gigantescos. No momento de passar por uma catraca, ela e eu fomos separadas do pai e do irmão. Ela perguntou por quê e eu respondi que ali era assim, que havia um vestiário para homens e outro para mulheres. Ela fez um chororô, queria ir com o pai, o pai havia prometido leva-la em um escorregador bem alto. Expliquei que isso iria ocorrer, que saindo do vestiário nos os encontraríamos e ficaríamos todos juntos novamente.
Demoramos mais do que eles e quando entramos no local das piscinas, não conseguimos visualiza-los de imediato, já estavam se divertindo em algum tobogã. Segurei-a pela mão e fui andando, procurando, achava que estava procurando firme, quando ela soltou a frase: “ Os homens sumiram, as moleres estão peldidas!”



Obviamente, depois de rir da frase, acalmei-a dizendo que estávamos perdidas deles e que poderíamos entrar em uma piscina, esperar que aparecessem ou procura-los. Ela optou pela procura e logo nos reencontramos os quatro. Crianças sentem o que sentimos, acessam nossos sentimentos e são capazes de ser grandes companheiras, parceiras de vida, de uma vida inteira. Vão mudando de fases, nos surpreendem a cada fase e nosso dever, por mais violência que haja no mundo, por maiores que sejam nossas inseguranças e medos, é acompanhar e respeitar suas necessidades. Isso impede que as consideremos chatas, inoportunas porque compreendidas e atendidas, elas também compreendem e atendem.

Se eu acho fácil estar com crianças de 2 anos em um aeroporto lotado? Não acho, é um desafio, exige muito acompanhamento visual, corporal, muscular e principalmente visceral, de compromisso emocional. Não é mesmo um momento relax, mas até que pode ser divertido. Até dois anos é basicamente colo, peito, pela mão, frutinha, distração, cantoria, conversinha, embalo para dormir, roupa virando pano de chão, troca básica no avião. A partir dos dois anos é combinado com foco: vai até aquele ponto e volta, vai até aquele ponto e espera, historinha, conversa, respeito ao espaço alheio, cansaço, frustração e ainda mais colo. A partir dos quatro, foco nas chatices, caretas, melecas. A moça que fala alto o número dos voos: “nossa, como ela grita, ouve, ela fala em inglês, essa língua que ela fala é francês? Por que o nome das línguas se chama língua? E se a gente não tivesse língua, iríamos conseguir falar? Não, a gente só iria dizer grrr, hummm, jrsrs. E como é mesmo que os surdos falam? Surdos têm língua? A gente ouve e por isso fala? Por que tem fila? Vamos dar conta de ficar na fila em vez de furar a fila como fazíamos quando vocês eram bebês? Ah vocês querem uma carteira de identidade? Podemos fazer uma para vocês!

Se eu achei fácil lidar com minha filha de quase 11 anos em aeroportos na semana passada? Nem de longe. Bem em cima de sua fase, ela negou-se a ir ao banheiro comigo no momento em que a convidei: “não obrigada, mãe, não estou com vontade agora.” Ficou com o pai e quando voltei, passaram-se alguns minutos e ela resolveu ir só ao banheiro, sozinha, é claro. Ela sabe guiar-se pelas placas. Ela foi, ficamos atentos, ela voltou sentindo-se ainda mais apta. Ela enfrentou a fila carregando seu bilhete, sua carteira de identidade, sabia os números dos voos, das poltronas, as várias conexões, está na 5ª série, tem o mapa do país decorado na cachola. Te mete! Teria sido mais cômodo para mim obriga-la a ir comigo ao banheiro, ameaçando-a de que se não fosse, só iria dentro do avião?
Talvez. Seria mais fácil para nós, adultos, levar a carteira de identidade dela, por medo que ela, por ser criança, a perdesse, assim como ticket de embarque? Provavelmente.

Mas para ela, para seu desenvolvimento, para sua segurança interna futura, certamente meu pulso firme de mãe só a deixaria mais insegura ali adiante. “Como é mesmo que minha mãe fazia?” Porque filhos vêm ao mundo por meio de nós, mas não nos pertencem e isso devemos exercitar com humildade, passando por todas as fases, acompanhando cada fase sem arrogância, com o velho e bom frio na barriga, respeitando as necessidades de apego e desapego.
Que é? Estavam pensando que ter filhos é brincar de Seu General onde está o meu papel?
Sai daí Seu Sargentão, tô querendo um amigão.

                        

Nenhum comentário:

Postar um comentário