domingo, 4 de janeiro de 2015

Parto é luta pela sobrevivência



Cláudia Rodrigues

Uma garota de 7 anos salvou-se como única sobrevivente em um acidente de avião nesse ano. Salvou-se não porque foi a única sobrevivente, mas porque seguiu os ensinamentos do pai, o piloto do avião, sobre como deveria agir diante de um acidente: manter o fogo, caminhar, ir em busca de ajuda. http://extra.globo.com/noticias/mundo/garota-que-escapou-da-morte-em-acidente-de-aviao-usou-tecnicas-de-sobrevivencia-passadas-pelo-pai-14962078.html#ixzz3NrikiXgo

O que o parto tem a ver com isso?
Muito a ver e saber. A cesariana, evento social e cultural que nasceu para salvar vidas quando as mulheres não conseguem parir, os bebês não conseguem nascer ou a dupla não consegue se encaixar e encontrar a saída natural,  está virando lugar-comum  de fuga da luta pela sobrevivência. Com cautela e aos poucos o excesso de cesarianas vem sendo substituído por outro evento cultural, que leva o nome de humanizado e está cada vez mais perigosamente refinado.

No lugar da ameaça da dor insuportável, artifício usado pelos cesaristas para deixarem de acompanhar o trabalho e o desencadeamento do parto, surgem novas falas sobre prazer indolor do parto e já é comum, com nome de filme e tudo, a crença de que há um parto ideal e ele é orgásmico.


Não duvido que algumas mulheres tenham orgasmos no parto, mas vejo como falsa premissa a promessa de que devemos encarar o parto como um grande orgasmo sem dor, sem trabalho, sem concentração, sem entrega aos desígnios da natureza que exige bastante contato com o nosso eu biológico não refinado, mas capacitado de dentro para fora.

O parto pode ter doula e massagem, pode contar com refinamentos e infindáveis práticas de autoconhecimento e métodos profiláticos naturais para atenuar seus revezes como medo, tempo e dor, mas se não for encarado primariamente como um momento inafiançável, único e intransferível de dar conta da luta pela sobrevivência, pode se perder nos meandros de uma nova aculturação.

Novamente a esperança de sermos salvas pode transformar parto humanizado em cesariana. Outro dia comparei o parto com aprender a andar de bicicleta e agora volto ao tema e deixo a dica: parto é roots, é raiz do nosso ser, está impresso em nossos corpos nas camadas mais profundas. É correto afirmar que podemos lançar mão de modernidades em prol do parto a fim de alcançar o momento da expulsão, mas é conveniente compreender que os excessos culturais, todos eles, não importa de onde venham e o que propaguem, podem sim atrapalhar o contato da mulher com seu eu mais visceral, aquele que realmente dá à luz.

O parto, por mais companhia que possamos contar, por mais ajuda qualificada, por mais evidências que traga, é um lugar absolutamente solitário, é um verbo conjugado na primeira pessoa, ninguém pode parir por outra pessoa, não há esforço no mundo que possa fazer um mulher parir se ela não encarar sozinha a tarefa de salvar e salvar-se na luta pela sobrevivência. O que vier de adendo e suporte é ótimo, mas eventuais suportes não podem ser encarados jamais como solução.

Conselho e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, então aqui vai o meu: contrate a doula, a parteira, obstetra, tua equipe humanizada, escolha o local, que muito bem pode ser o SUS, a sua casa ou uma maternidade com bons índices de parto e a seguir esqueça tudo isso, se concentre, não projete soluções de fora para aquilo que só pertence a ti: colocar a criança para fora e pegar com tuas próprias mãos, antes que alguém o faça. Salve-se e salve, esse deve ser o lema de que quem deseja parir.

Um comentário: