quarta-feira, 28 de março de 2018

Curtições do ninho vazio

Cláudia Rodrigues


Quando filhas e filhos começam a precisar menos dos pais, quando acaba a fase de banhar, acompanhar, providenciar companhia constante via escola ou no tempo deles em casa enquanto se trabalha, além de também estar com as crianças e fazer coisas com elas o tempo quase todo que sobra : -- levar a praças, parques, cinema, banhar, fazer dormir, acordar de madrugada para acudi-las, providenciar comida, material de arte, jogar memória, stop, imagem & ação, desenhar, pintar, cortar unhas, ajudar a vestir e desvestir, acompanhar suas dores de desenvolvimento, febres, vômitos, frustrações, tristezas e alegrias do desenvolvimento -- enfim estamos um pouco mais sós. A dois ou no silêncio da casa, chegamos nós à fase em que os filhos começam a precisar menos e inclusive apreciar nossa ausência em suas vidas.

Se convidamos ou nos oferecemos para ir em suas casas, eles são gentis e amorosos, mas está óbvio que somos apenas seus pais, o local de onde vieram, a base, os ensinamentos, valores que passamos. Eles estão recheados disso internamente e também externamente, se parecem em algumas coisas conosco, alguns trejeitos, enfim, semelhanças genéticas e de comportamento. Não precisam mais tanto disso, qualquer excesso pode fazer mais mal do que bem. E claro, querem se diferenciar, não para nos combater ou criticar, mas para ampliarem seus horizontes com outras influências.

Suas estratégias de sobrevivência e escolhas são próprias e muitas vezes não representam exatamente o que ensinamos ou o que vivemos. Isso está bem, o direito de acertar e errar também já não é da nossa conta. Adolescentes e adultos saudáveis adoram ficar com outras pessoas que não nós, seus pais e mães. Foram muitos anos de aprendizado e oportunidades, podem apreciar estar conosco e escolher alguma porcentagem do seu tempo para isso, mas é natural que ampliem suas conexões de contato com o mundo, via estudo, trabalho, círculos sociais, afetivos e da sexualidade. Hora de se abrirem para o mundo e nossa hora de sair das fraldas do relacionamento infantil com elas e eles.

Uau, isso pode ser muito legal, uma síndrome que dá baratos e amplia nossos direitos também! Não somente porque sobra tempo para fazer o que nos der na telha ou fazer nada, mas porque começa a surgir uma sensação de dever cumprido. É quase como vida de solteira de novo, já que no dia-a-dia não é preciso feijão com arroz diariamente e se pode ir e vir sem ter que avisar ou providenciar alguém para ficar com les petits.

Lamentadores de fases denominaram-na de síndrome do ninho vazio, mas há quem sinta prazer em ver os filhos pela vida, se divertindo, aproveitando, traçando planos e se virando sem nos perguntar o que achamos de cada passo que dão.
Lamentadores de fase podem se fixar no número cronológico da idade e no gasto de olhos, ouvidos, pernas e braços durante os anos anteriores, só para não terem que lidar com o lado ótimo de também ser mais livre. Com a lata que se tem, é claro, com o que sobrou, de preferência sem sugar o sangue das meninas e meninos.
Lamentadores de fase podem iniciar o terrível jogo da comparação para tentar deter por meio da culpa e da chantagem emocional, o desenvolvimento das filhas e filhos adultos, exigindo presença e um certo pagamento por serviços prestados. É uma pena porque amor é coisa que só vale de graça. Uma gota de amor é mais poderosa do que um balde culpa.




Buenas, é hora de viver o presente e aí muitas pessoas se dão conta que podem ter escolhido estar em uma casa muito grande, com muitos quartos, muita mobília e talvez isso precise ser revisto, enxugado, se não estiver mais trazendo satisfações. Podem, é claro, optar por dar continuidade, por conta dos netos que deverão vir ou estão chegando. Podem escolher mudar para um lugar melhor menor, piorzinho e fácil, tanto faz, o importante é focar no presente, afinal, o passado já foi e o futuro é logo ali, mas muito incerto. Tudo bem também com quem continua, aos 50 anos, fazendo grandes planos para os 70, 80 e adiando um pouco mais o foda-se. Cada um que sabe de si e tanto faz se o foco de prazer é cozinhar e cuidar de plantas, arrumar armários, viajar, ler, ir ao cinema, assim de luneta sem ter que providenciar quem fique com as cris; o que importa é focar no próprio prazer.

Se sobrar muito tempo, não há porque ter aflição, filhas e filhos sempre demandam algo e aí, tcharam, não é hora de jogar na cara delas e deles que você esteve só e triste. Foi opcional e jogar a toalha da parentalidade na tentativa de inverter os papéis, é sacanagem. Primeiro porque não é justo que filhas e filhos cuidem de nós porque nós cuidamos deles, o nome disso é cobrança. Segundo porque é um baita recibo de incompetência enquanto ainda não estamos realmente precisando.

Com sorte morreremos sem que eles cuidem de nós, mas pode acontecer de precisarem tomar conta e providências, caso nossa vida espiche para além de nossas capacidades de mobilidade e acuidade mental.

No mais, curtir uma fossa de saudade nunca matou ninguém. É um bom momento para revitalizar o coração de um jeito mais evoluído. Nos primeiros amores, a separação doía tanto que se desejava o sumiço para sempre daqueles que nos partiram o coração. Nessa nova empreita, o amor é tão grande que não cabe em si mesmo. Ao mesmo tempo em que se deseja muito ver a pessoa de perto, estar com ela, comer com ela, vê-la entrando pela porta, saindo toda cheirosa e linda, o coração dá saltos de alegria ao ver a foto desse amor com outros afetos escolhidos por ela.
Tal da fossa bem boa é ficar longos minutos olhando cada detalhe, os cabelos ao vento, o olhar penetrante, aquela boquinha docemente irônica e imaginar que está ganhando mundo com as próprias pernas.

Ah que delícia, você ali com uma taça de vinho na boca para ajudar os olhos a pupilar os melhores desejos cantando baixinho: I Can´t take my eyes of you.


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