Cláudia Rodrigues
Faz tempo que o “inconsciente coletivo”, regado a leituras e
saladinhas prontas pela mídia começou a tomar posse da ideia de que não se deve
forçar os bebezinhos a sentarem-se no penico, nem puni-los, apressar, obrigar
ou doutrinar a fazeção do cocô.
Bacana demais não fazer o desfralde precoce, não treinar as
criancinhas, como já não se faz nem com macacos em circo, mas ir levando,
observando e apenas manter uma postura de ajudante de acordo com as
necessidades da criança. Contracultura serve para isso, não? Para corrigir o
que estava excessivo.
Simples? Não, a contracultura tem uns dentões gigantes e
erra na mordida sempre ou quase sempre na sua angústia de acertar. Simplificar
a relação com o cocô das crianças foi virando uma coisa adocicada demais para o
sabor M de ser de qualquer M. As fezes, corretamente compreendidas pelos
estudiosos do comportamento humano como parte integrante do bebê, podem virar
objetos de barganha com a mãe e mais do que isso objetos que podem causar medo aos
bebês, afinal é parte deles saindo, é assim que eles inicialmente compreendem o
processo e podem viajar na maionese.
Até aí tudo bem, concordamos. Agora por que o cocô do bebê
precisa virar um sujeito lindo e cheiroso para quem ele dá tchau e para quem a
mãe faz festinha?
Quem inventou isso certamente estava tratando uma criança X
com um problema Y em relação ao cocô, provavelmente uma criança que prendia o
cocô. Esse jogo pedagógico não tem sentido algum para uma criança que está
descobrindo a relação com sua M numa boa. E pelamordavaquinhamimosa, a maioria
das crianças, se deixada em paz para curtir a própria cagada vai compreender
que aquilo sai, que aquilo não serve para comer, que aquilo fede e que a melhor
ideia é jogar fora, com força e com coragem, determinação e sem maiores
valorizações. Já é um luxo ter uma descarga mágica que manda o cocô para um
lugar que a humanidade só agora está a compreender: rios de onde retiramos água
para beber. De fato nossa relação com nossa M é de uma ignorância profunda.
As fezes têm relação direta com o dinheiro, todos sabemos, é
de rir que a sociedade atual, que antes valorizava a limpeza e o trato para
reprimir e esconder a M; agora valoriza-a como sujeito para quem se deve desde
pequeno dar tchau e tratar com louvores.
Do apego anterior, que segurava e doutrinava, obrigava a
fazer escondido em local determinado, vinculava com sujeiras e facilitava com
leitura e distrações oculares; agora temos festerês. Não falta muito para
inventarem um enfeite de plástico para se cravar no cocô do bebê. Qualquer dia
os álbuns de fotografias vão surgir com lugar para foto: meu primeiro cocô
consciente!
De uma relação de apego escondido, com requintes de
perversão que colocava a M , o sexo e o prazer como coisas sujas que deveriam
ser escondidas, evoluímos para uma relação de apego valorizado e como se gosta
de proferir nos tempos modernos, usando uma palavra moderna: trabalhado.
Agora temos o cocô trabalhado! Antes mesmo de observar como
aquela criança lida com o seu cocô, como ela decide sua relação de apego e
desapego, as mamães mais que perfeitas piram em como deve ser trabalhada a
relação da criança com sua própria M.
Que pena ter que desvalorizar, mas um cocô é apenas um cocô.
Faz parte da natureza humana primária lidar com isso, sempre lidamos. Mal na
sociedade judaico-cristã e mal agora na contracultura e na hipervalorização de
algo que cedo, por volta dos dois anos de idade para a maioria das crianças, é
feito com simplicidade se as mães ou pessoas que cuidam dos bebês apenas os
deixarem em paz para decidir o que devem fazer com aquilo que sim pertence a
eles e que sim eles devem dar cabo da situação.
Vejamos na prática pessoal dessa que vos fala: tive três
filhos que lidaram livremente com seus cocôs. Um deles ao observar o cão
fazendo cocô no pátio e o que o pai fazia com as fezes do cão, resolveu imitar.
O garoto fazia suas necessidades no mesmo local do cão, no pátio, depois
buscava a pazinha para enterrá-lo. Ficava se achando muito esperto e era mesmo.
Talvez fosse engraçado aos olhos dos adultos, mas foi assim até que ele decidiu
imitar os pais e passar ao vaso sanitário. E aí obviamente se achou ainda mais
e maior, mais dono da sua própria M. O outro bebê escolheu o ralo do banheiro e
depois passou a entender para que servia o vaso. Rumou feliz, orgulhando-se do
feito. O terceiro bebê recusou-se a outro local desde cedo e apontou o vaso
como preferência, não aceitou redutor infantil, pondo-se chorar quando
instalamos o objeto especial para crianças, mas como sentia medo de cair,
exigiu um adulto por perto para fazer suas necessidades, até o dia em que bateu
a porta na cara da mãe e encerrou-se sozinho, orgulhando-se inclusive de dar a
descarga.
Pronto e fim, cocô é assim, algo que sai dos bebês, que em algum momento do desenvolvimento torna-se atitude voluntária, coincide com o tempo em que as crianças sobem e descem escadas sem apoio, coincide com o tempo em que se orgulham de suas cagadas e tornam-se mais autônomas. Uma pena que as mamães e cuidadoras de escolinhas estejam sempre de olho, não para observar e atender o que vem de demanda, de acordo com a loucura e viagem única de cada filhote humano, mas para controlar de um jeito bonitinho de maneira a caber no formato adulto de ser.
Temos a ideia de que a criança, qualquer criança, todas as crianças, vão desenvolver problemas com o cocô, é uma desconfiança da inteligência infantil. A criança não é um animal que não observa outros animais, outros humanos de sua família. Ela é a priori capaz de lidar com a própria M, porque todos somos, sempre fomos, apesar de tantos olhares e práticas enxeridas dos adultos nas nossas intimidades.
Pronto e fim, cocô é assim, algo que sai dos bebês, que em algum momento do desenvolvimento torna-se atitude voluntária, coincide com o tempo em que as crianças sobem e descem escadas sem apoio, coincide com o tempo em que se orgulham de suas cagadas e tornam-se mais autônomas. Uma pena que as mamães e cuidadoras de escolinhas estejam sempre de olho, não para observar e atender o que vem de demanda, de acordo com a loucura e viagem única de cada filhote humano, mas para controlar de um jeito bonitinho de maneira a caber no formato adulto de ser.
Temos a ideia de que a criança, qualquer criança, todas as crianças, vão desenvolver problemas com o cocô, é uma desconfiança da inteligência infantil. A criança não é um animal que não observa outros animais, outros humanos de sua família. Ela é a priori capaz de lidar com a própria M, porque todos somos, sempre fomos, apesar de tantos olhares e práticas enxeridas dos adultos nas nossas intimidades.
Não treinar, não fazer, não interferir, apenas observar,
cuidar e amar da fecundação à maioridade é o que funciona melhor.
Ei Claudia! Que legal mais essa paulada no senso comum, até quando é o comum do contra! Gosto demais das suas chacoalhadas!
ResponderExcluirCoincidência ou não, acabo de compartilhar aqui uma parte da nossa experiência de desfralde, ou, mais que desfralde, melhor dizer do auto-controle da urina e fezes (processo já concluído), e estou escrevendo ainda sobre o desmame (processo não concluído):
http://familianesguinha.blogspot.com.br/2012/08/processos-naturais-podem-ter-uma.html
Meu objetivo foi compartilhar um pouco a ideia de que alguma ajudinha nossa, adultos cuidadores, é bem-vinda, mesmo nos processos ditos "naturais". Por aqui, isso foi verdadeiro no caso desse desfralde, mas sobretudo estou vendo que vou precisar dar uma ajudinha no processo do desmame lento e gradual, mesmo admitindo que ele ainda vai demorar um bom tempo pra se concluir, mas precisa ir reduzindo pra que a gente possa seguir em frente numa boa. Mas a gente segue sintonizada nessas "conversas" virtuais!
Beijos de mar, sol e chuva!
Genial! tenho tido altas reflexões sobre os níveis de interferências das coisas. Meu filho fez muito cocô no chão, de pé. Era um momento que ainda que eu tentasse lidar com a maior naturalidade possível - me causava algum stress. Eu não sabia direito se só deixar era o melhor a ser feito. Optei por fazer oq estava fazendo mesmo. Nada.
ResponderExcluirtempos depois começou a fazer cocô no banho, continuava fazendo de pé. Mas sério? Deu uma cansada limpar cocô do chão, do box... e eu apresentei a privada. Ele não aceitou de primeira, eu resolvi intermediar com o penico. Virou uma grande paixão. Fazia tudo, ele mesmo, jogava na privada grande sozinho, o que me custava algumas porcarias ainda espalhadas pelo chão do banheiro. Mas foi para o privadão sozinho também, com a única ressalva de que tem que ser deixado sozinho para fazer o serviço. "Sai de mim" ele fala. Quer privacidade. Recentemente começou a fechar os olhos quando faz cocô. Ele diz "assim você não me vê."
Agora fiquei com a pulga atrás da orelha: não captei que a onda do não-desfralde (ou o medo de traumatizar, ou o que o valha), aliado ao conceito contracultural tinha esse enfoque de supervalorização do cocozinho. Achava que isso era total old school, dar tchau para o cocô.
beijos
Legal mulheres!
ResponderExcluirAnne, mata a pulga atrás da orelha, se ele está bem, não está esfregando o cocô nas paredes nem prendendo, nem nada, está tudo bem. Até prender um pouco às vezes, é normal, natural. É um processo, a criançada vai levando de boa. Trauma só com desfraldes dramáticos ou adocicados. Cocô é uma coisa engraçada para as crianças, meio bizarro. Humor é sempre bem-vindo!
Gab, o desmame é uma fábula, vai indo, ela vai descobrindo que vocês são duas pessoas e uma hora desencana de querer essa exclusividade na vida, você ser a única pessoa que tem esse leite para ela. E a agente também, vamos desencanando desse lugar todo poderoso.