sábado, 15 de setembro de 2012

Sobre tipos e incômodos diante das inscrições corporais



 Cláudia Rodrigues


 


Para Regina Veríssimo Duncan Goularte, que em 12 de setembro de 2012, percorreu seu mapa corporal e mental, colhendo a mais bela Rosa de seu corpo.

Hoje em dia qualquer escolinha mequetrefe articula em seu discurso que as crianças serão atendidas com singularidade, de acordo com suas particularidades. Bobagem, na linha de montagem escolar ou em qualquer linha de montagem não é possível trabalhar seriamente a diversidade das questões individuais dentro do coletivo, mas ao contrário, o individualismo espalhado na montanha engessada da linha de montagem é o que está valendo de maneira geral. Ainda assim o discurso das particularidades e singularidades viceja. É bonito falar em singularidades, mas entendê-las é mais embaixo, é mais profundo, nem caberia em marketings deleuzianos de porta de escola porque a prática é experimental, empírica em sua ordem desordenada, foco de um trabalhar constante em um continuum somático. 

Esse discurso anticartesiano não nasceu do nada, mas fermentou-se nas críticas bem feitas ao sistema cartesiano generalizado que vem nos regendo desde René Descartes, o pai maior do racionalismo moderno. Fritjof Capra, autor de O Tao da Física, o livro que colocou o cartesianismo em xeque, foi um dos maiores críticos ao sistema cartesiano e com certeza o melhor argumentador. Infelizmente as ideias dele caíram na boca do senso comum e correm mundo de um jeito superficial e como tudo que é superficial, torto, mal contado, mal feito. Na real está do avesso nas bocas por aí.

Se Fritjof Capra questionou e criticou, tanto em O Tao da Física como em O Ponto de Mutação, o sistema cartesiano na política, na medicina, na engenharia, na filosofia, na própria física; uma coisa que definitivamente ele não fez, foi afirmar que em nome dessa crítica se fundasse preconceitos contra as terapias corporais, estudos reichianos e bionergéticos.

Não entende nada do que está falando alguém que em nome da crítica ao cartesianismo afirma que os tipos, os caráteres estudados durante a vida inteira de Wilhelm Reich, seus companheiros de época e seus seguidores são uma espécie de horóscopo do comportamento.

Ignorar estudos que na prática têm efeito desconstruidor da formatação da saúde convencional é um direito, mas destruir usando a teoria de quem citou as terapias corporais como exemplo, é esfregar o tomate da ignorância no rosto de pessoas que estão aí desde a década de 1950 lutando na contracorrente do cartesianismo. Com resultados que se não afirmam evidências, com certeza miram bem no foco das tendências e encontram saídas flexíveis ao sistema cartesiano.

Aliás, tendências bem casadas com evidências são no momento o que temos de melhor para apostar na saúde, na manutenção dela e na cura de tantos males modernos que o cartesianismo provocou.

Usar esses resultados para fazer pesquisa científica e atestar que funcionam, ótimo; mas exibir os resultados científicos falando mal das ricas fontes que embasaram uma nova forma de ver o parto, o nascimento e a relação com os bebês, crianças e o comportamento do ser humano histórico e contemporâneo, não tem denominação louvável. O tiro pode é sair pela culatra.

Quando estudamos as terapias corporais compreendemos que o ser humano não é regido pela mente, por uma mente que puxa um corpo inerte, mas pelo corpo, um corpo vivo, pulsátil, que pelos seus pulsares, produz comportamentos mentais. São as dores do corpo, as pulsações, as pulsões e a forma estratégica de sobrevivência que cada corpo desenvolveu para dar conta da vida, que regem os comportamentos, as atitudes, as travas. E quem não acredita em travas, então desmanche-se e vire ameba, porque tudo é trava até que se chegue a uma harmonia integrada, ainda que jamais estática, posto que vida é movimento constante em dor e prazer. Sim, estamos falando das inscrições corporais e de como compreendê-las nos possibilita uma nova forma de estar: única, intransferível, desengessada das repetições congeladas de comportamento que nos fazem sofrer mais do que devemos.

O orgasmo é um dos momentos cotidianos de harmonia corporal e mental que melhor exemplificam a saúde no corpo. Não teve orgasmo, é trava. Destravar é para todos, claro. Qualquer corpo, com qualquer forma pode destravar-se, usar uma roupinha mais folgada na sua dor e alcançar o clímax, mas para isso é fundamental percorrermos nosso próprio mapa psíquico corporal.

Outro exemplo de momento harmônico perfeito, esse só possível de ser vivido pelo corpo/mente feminino, é o parto. Pariu, destravou, não pariu, travou. É possível travar o corpo no parto de um primeiro filho e não travar o corpo no parto do segundo, justamente porque um mesmo corpo em um ambiente diferente, com uma experiência diferente, já é um outro corpomente.  

Agora, para compreender um novo paradigma de compreensão da saúde, é preciso sim partir de um princípio objetivo e dentro da diversidade, estabelecer linhas de compreensão, por isso Reich, a partir dos caráteres de personalidade da psiquiatria, elaborou o que ocorria com aqueles determinados seis corpos básicos de tendências comportamentais.

E então chegam as ignorâncias sobre o tema e fazem a pergunta primária: como assim sermos enquadrados, 6 bilhões de pessoas, em seis tipos básicos?
Como na matemática, para aqueles que amam objetividade. Para compreender um teorema ou elaborar um teorema, é necessário buscar uma fórmula e uma fórmula não é uma receita, então não há fim, são múltiplas as possibilidades, infinitos os comportamentos particulares dentro da história de cada um.

Como um mapa, que não mostra as flores da estrada, mas indica o caminho.

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