quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Os filhos crescem, ainda bem!

Cláudia Rodrigues


Quando os filhos são pequenos, por mais que nosso discurso seja politicamente correto no melhor estilo “eu quero apenas que sejam felizes, boa gente”, fica difícil não projetar os músicos, quando eles encontram o primeiro piano de verdade e teclam encantados pelo som. E lá está o jogador de vôlei, quando o garoto de oito anos faz cinco pontos seguidos e é erguido pela turma; o nadador nato, quando ele é convidado para entrar na turma do treino; a matemática, quando a professora da quarta série diz que tua filha tem estratégias matemáticas próprias; a artista, quando tua filha faz desenhos que parecem de gente que estudou para isso.
O tempo passa e essas características que estavam ali, em jogos de quebra-cabeça e blocos, observações sobre filmes e livros, exposições de arte, teatro, música e dança, tudo enfim que investiste teu tempo e teu amor; começam a integrar-se ou desintegrar-se no ser humano que vai surgindo: único, maduro, com escolhas surpreendentes ou nem tanto, mas que determinam, aos poucos, que tu já não és sombra de projeção que importe. Que alívio!

É aos poucos, mas por vezes parece que foi de repente. Eles entram e saem, soberanos dos seus saberes e quereres. Há espaço para ti, algum espaço, é diminuído, afinal são muitas as ocupações, os desejos, as vontades, as responsabilidades, os deveres e as obrigações, as escolhas dessas vidas que um dia lá atrás tu deste à luz. É justo que seja assim, não é justo que tenhas ciúmes dos amigos, das viagens, da vida própria deles. Fazer chantagem, ameaças, queixas e cobranças só vai te fazer infeliz.


Tu olhas para trás lembrando dos embalos, tão necessários no tempo remoto, dos conselhos e das broncas, não menos importantes, e suspiras na missão cumprida. Sobra ainda para um conselho? Quase nada, eles sabem o que fazem, estão em sintonia com o que pensam e sentem, no máximo poderás ser útil aqui e ali se te pedirem opinião. Sempre lembrando que tua opinião já não tem o peso que teve um dia, será uma opinião relevante, não necessariamente dominante.

Filhos são para sempre, mas não para sempre grudados, necessitados de ti. Parecem mais com novos amigos recém chegados, que te exigem um tatear mais sensível, ainda que não caibam em nenhuma teoria de autoapresentação. Vocês se conhecem de longa data, são íntimos como velhos amigos, mas essa intimidade, cuidado, não admite que não haja mil novidades a seres acrescentadas, trabalhadas, modificadas por eles no tempo que não te cabe, nem de corpo presente. Entenda, se há alguma eternidade no teu tempo, ela viajará por esse fio filogenético e obviamente não serás o condutor.

Não te metas a falar sobre prato predileto, não ouses dizer como chato velho de plantão que no teu tempo não era assim e, por favor, nunca barganhe atenção em troca de M nenhuma, especialmente a M do sustento. Isso é irrelevante, dinheiro e regalos falam alguma linguagem, pode ter a ver com submissão, alguma coisa entre o sádico e o mentecapto, mas coisas não falam de amor. As 2.500 fraldas que tu trocaste não serão repostas e tomara que não sejam mesmo, mas se de fato as trocaste fazendo bilu bilu, eles poderão te faltar em presença aqui e acolá, mas não em sentimentos genuínos.

Tu podes achar o que quiseres, mas não podes transpor a leveza profunda da identidade que eles foram ganhando em suas dores secretas, colecionadas ano após ano na escola, na rua, com os amigos, os não tão amigos. Sim, independente de todo teu amor e cuidado, eles foram contrariados pela vida muitas vezes e sofreram derrotas, dores de amores ainda na quase infância, inseguranças na adolescência, orgulhos, honrarias, reconhecimento e desprezo, como qualquer ser humano. E deram conta, com estratégias próprias, como a garotinha que viu na matemática, naquele pequeno momento da sua vida, um jeito de derrotar alguma dor, que tu jamais poderás colocar tua mão para atenuar. Algumas coisas imateriais são matéria profunda, assim como algumas matérias jamais tocam em um coração partido.

Tu vais te tornando desnecessário e isso não é em nada ruim quando tu olhas para teus filhos e podes afirmar com convicção que a vida segue seu curso natural de produzir mais do que melhoria genética, melhoria humana em sua máxima expressão. Eles são parte pequena de ti e grande deles mesmos. Não te orgulhes de feitos e bem feitos, fazes melhor de olhar os malfeitos e, quem sabe um dia, reparar com teus netos. Aceita, recebe e admira, eles vieram depois, estão além de ti.

Se te pegas observando na madrugada a determinação pelos estudos, pára um pouco, retesa o teu orgulho. Que tens com isso? Nada, eles pertencem a si mesmos, tu foste um mero canal, eles te superaram e então tu estás a sorrir sozinho, contigo mesmo. Fica até mais fácil rir em conjunto quando eles que te sacam, eles que te ajudam. Descem do pedestal da suprema juventude, curvam-se sobre o teu corpo, adivinham porque é que tu não consegues entender uma linguagem e te ajudam a sair de algum bueiro tecnológico. Agradece e ri de ti mesmo, do mesmo jeito que tu rias, sem maldade, quando eles falavam cisney, pudinho e picoca.


Filhos quando crescem não realizam nossas projeções de adultos bestializados pelas gracinhas de bebês. Eles lembram vagamente de que foste um dia jovem, amoroso e que, de alguma forma, eras maior, pelo menos fisicamente, enquanto eles eram dependentes do teu amor e das tuas vontades, do teu tempo e dos teus desejos de jovem adulto. Eles superam isso, são muito mais do que isso e merecem todo nosso respeito por serem separados de nós, ainda que vivam conosco, ainda que brindem conosco e nos concedam suas presenças por pura simpatia e reconhecimento pelos primeiros anos de suas vidas.

E comemoremos, afinal o crescimento é de todos e pode ser para sempre. Se foi moleza abestalhar-nos para os bebês dependentes, é só continuar tirando o chapéu para os filhos donos de suas vida.




Um comentário:

  1. Oi! Domingo é o dia da super blogagem coletiva sobre alimentação saudável na infância, em resposta ao documentário "Muito além do peso". Participe conosco...Hoje tem post com maiores informações sobre a BC lá no meu blog. Ajude a divulgar, por favor! Obrigada! Beijos!

    www.asosmamaenadia.com

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