quarta-feira, 19 de junho de 2013

Quando as minorias se unem


Cláudia Rodrigues 

Tenho lido opiniões e assistido entrevistas feitas com cientistas políticos, sociólogos e filósofos sobre as manifestações nacionais - são internacionais também, embora isso não seja mencionado nem comparado-  e eles todos têm em comum a premissa de que não existe movimento na história sem lideranças, sem representantes políticos que traduzam as reivindicações da massa para aos políticos eleitos, que supostamente deveriam gerir interesses e reivindicações. Alguns afirmam, e devemos respeitar, porque eles estudaram para isso, que o movimento tende a ao esvaziamento caso as lideranças não apareçam, outros, mais otimistas, dizem que elas vão surgir espontaneamente como em outras ocasiões, que é só uma questão de tempo.
Segundo os estudiosos dos comportamentos políticos de massa é preciso liderança para que as reivindicações dos manifestantes sejam negociadas. E é aí que os jovens ao meu lado começam a rir ironicamente . 

Eles acreditam que a palavra negociação já é um deboche porque negociar significa exatamente entrar no jogo, se deixar cooptar, como fizeram seus pais e seus avós e por isso bradam nas ruas. “Ordem, progresso, é coisa de fascista, queremos liberdade, igualdade e justiça.”
Não faz sentido algum para a população em geral e muito menos para os jovens ter na Comissão de Direitos Humanos um pastor evangélico que quer aprovar a cura gay. Isso não é negociável, eles querem o sujeito fora, porque o elemento não sabe do que fala. Produz logo de cara, como presidente da Comissão de Direitos Humanos, um ataque a um direito humano básico e estritamente pessoal. Assim, longe do anti-partidarismo, do Brasil que vai pra frente ÔÔÔÔ, do nacionalismo fascista da direita, que nunca se importou com as minorias,  mas recebendo o apartidarismo dessa massa de pessoas que não se sente representada por falta absoluta de comunicação e nhé nhé nhé do funcionamento político, que venha a Reforma Política porque fica claro que do jeito que está não funciona.

Vídeo Reforma Política: o que você tem a ver com isso?

https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=hYa80eEZj2Q

Povo na rua teme que o Ministério Público perca direitos de investigação, isso é muito claro, está nos cartazes e está anunciada nova manifestação contra a PEC 37, tema polêmico, difícil de ser compreendido, com uma mídia que não traz o juridiques. Não querem os jovens passar em vestibular para uma faculdade pública, depois de muito esforço, para ter que desistir de cursá-la por impossibilidade de pagar uma passagem que representa 30% de um salário mínimo. Como negociar esse direito de ir e vir para estudar? Estudando muito e conseguindo uma bolsa, que consome todo o dinheiro em transporte. E aí, come o quê?
Não querem que seu país sedie uma Copa e intermináveis grandes eventos à base de dinheiro lavado, desviado e aplicado para aumentar rodovias e levantar obras gigantescas mediante tombamento de árvores centenárias a fim de aumentar o fluxo de carros e fazer bonito para inglês ver. Eles querem menos rodovias, menos investimentos em automóveis e mais ciclovias, mais bicicletas, mais transporte de qualidade e consequentemente mais paz no trânsito. Como negociar isso se a política econômica mundial vai contra isso e nossos “líderes” políticos seguem à risca os ditames do capitalismo mundial?

Eles não querem mais ver a higienização das cidades, os bancos de praça com ferros no meio para evitar que os mendigos deitem ali. Não querem mais que os espaços públicos sejam privatizados e transformados em grandes estacionamentos de automóveis com lojas e shoppings em que todo lazer possível se reduz a consumismo. Isso não é negociável, não há com quem negociar, é feito, todos nós temos visto isso no Brasil inteiro, no mundo inteiro, essa multiplicação de despesas, já destinadas a superfaturamentos em detrimento da qualidade de vida sob o discurso maquiavélico de suprimento de qualidade de vida. Como negociar com essa gente que segue a premissa de que mais cimento é mais qualidade de vida?

Não há com quem negociar assim como está, não há como colocar líderes para se relacionar dentro desse modelo político e econômico mundial. E não têm líderes de fato ou são tantos líderes de tantas causas minoritárias, que não há como contar, além disso não se enquadram em negociações e trocas de favores, não estão dispostos a entrar na política, mas fazer política de rua, um novo tipo de política, talvez aquela do povo, pelo povo e para o povo. Será? Isso é possível? O que temos é a junção de minorias finalmente transformada em maioria. E essa maioria quer direitos sobre os impostos que paga. A velha novela do feudalismo, das monarquias, das nossas atuais oligarquias não faz mais sentido, as contas não fecham, o dinheiro entra e some, as desculpas não colam, os discursos políticos não fazem mais sentido algum porque está claro que a boa prática do gerenciamento nunca existiu. Quem pode crer que existirá dentro do mesmo esquemão?


Então vão negociar com quem? Vão negociar com os representantes políticos do mundo? Vão repetir a história?
O que querem as pessoas nas ruas do mundo inteiro, agora em versão brasileira, são respostas práticas, imediatas, ainda que isso não seja possível em curto espaço de tempo, foi longo demais o tempo que já passou. Perderam a paciência, perdemos todos a paciência para a enrolação, para perversidade daqueles que prometeram durante séculos nos representar e nunca pararam de fazer conchavos, de fazer política em benefício próprio, ora em nome do partido A ou B, ora em nome do acúmulo de riqueza e poder. Partidos devem ter ideologias firmes e representar suas bandeiras com ações. O que se pode dizer de partidos de extrema direita, que defendem interesses privados, corporativistas na prática, com discursos copiados da esquerda? E como não tapar o rosto com as mãos ao ver partidos de ideologia de esquerda, que supostamente defendem as minorias e políticas sociais, fazendo coligações com outros de ideologia e práticas contrárias? Teatro de faz-de-conta para quem?

As pessoas nas ruas não querem mais promessas, elas querem o bom o bastante que verdadeiramente nunca tiveram direito, elas compreendem - ou apenas sentem, ainda sem compreender de fato, até porque as aulas de história a que tiveram acesso não foram boas o bastante-  que a violência está embasada na desigualdade social e econômica, na produção em massa de guetos apartados da sociedade via gentrificação, a higienização humana das cidades. As pessoas nas ruas representam-se umas às outras, a cada dia compreendem o que é de fato a palavra diversidade, bastam-se a si mesmas, é uma única população no mundo inteiro e reivindica direitos semelhantes. Fato é que não estão sendo atendidos esses direitos e o problema não está na falta de líderes, mas de maus gestores, que até aqui foram eleitos por essas populações. Sim, temos uma crise eleitoral, pouca gente assistindo os programas de propaganda política. Ninguém quer mais saber de propaganda política, ficar vendo aqueles senhores e senhoras falando mal uns dos outros, dizendo-se uns melhores do que os outros, roubando uns discursos de outros sem qualquer intenção real de aplicá-los. É nojento, desgusting. É mentiuring, não convencem nem criança de 8 anos.
As pessoas compreendem que os impostos que pagam são mais do que suficientes para obterem acesso a novos modelos mais eficientes de educação, saúde, segurança e transporte e atestam diariamente que os governos de seus países fazem escolhas contrárias ao que acreditam, ao que desejam, ao que merecem. As pessoas necessitam bancos éticos, empresas éticas, gerenciamento ético de seus impostos e retorno, mais saúde pública e menos negócios em saúde pública e privada, boa educação, menos negócios via educação,  direito ao lazer, tempo para buscar conhecimento, cultura e bem-estar. Estão cansadas da hiper-produtividade, do excesso de competição, não estão mais querendo ver a vida passar pela janela da televisão, estão exaustas de exploração e do conluio entre os setores público e privado.

Hoje na Globonews passavam as frias imagens aéreas da manifestação na Avenida Paulista. Nenhuma entrevista lá embaixo com os manifestantes, nenhuma pergunta. Como um casal que vê o filho chorar na madrugada e em vez de acolhê-lo fica um cônjuge perguntando ao outro o que será que tem a criança que tanto chora, enquanto o bebê clama por compreensão e aconchego; os comentaristas afirmam convictos que não se sabe o que é esse movimento, onde vai dar, que não é só sobre a passagem, o que será, o que deu nessa gente que se junta em milhares lá embaixo e em todo Brasil? Um outro jornalista que mora em Nova Iorque comenta que lá as passagens também aumentaram e ninguém reclamou: “pois é assim, estão insatisfeitos, é uma grande insatisfação, mas eles não têm líderes, não querem partidos que os representem”. Se não fosse trágica essa cobertura idiota e maniqueísta, seria cômica. O Jornal da Cultura até que se salvou com uma matéria de rua, mas como os outros, tanto a âncora quanto os entrevistados estão visivelmente inconformados com a falta de lideranças.
E então, humildemente, ingenuamente, eu pergunto aos nossos cientistas sociais e principalmente aos poderes políticos: afinal por que tanto anseio por líderes com uma equação tão simples nas ruas?

Que tal apelar para a simplicidade  elencando as 10 primeiras maiores reivindicações dos cartazes nas ruas e começar a responder cada um deles com práticas notáveis? Eles falam português, os cartazes no Brasil estão em português, nem precisa pagar tradutor.É simplista e utópico, mas a realidade é que existem muitos movimentos sociais e representantes desses movimentos que não querem títulos de líderes, mas escuta e ações transparentes pelos representantes dos partidos.

Será que o maior entrave para isso não é simplesmente o modelo corrupto da política econômica mundial que o Brasil se submete a seguir cegamente?

Observem, a redução ridícula das passagens pode até acalmar os ânimos por um breve período de tempo. Mas vêm aí mais manifestações e exigência de mais respostas no Brasil e no mundo porque o que faliu a olhos vistos foi o sistema como um todo. Está claro que não há o que negociar, porque já se vê nas propostas de redução de passagens em algumas capitais do Brasil, de ontem para hoje, o claro jeitinho de dar para a população um desconto com uma mão retirando-o com outra: isenção de taxas aos empresários do transporte público, que obviamente faturam muito mais do que declaram com seus ônibus superlotados. Esse jeito de dar mais aos que tem mais e dar menos aos que têm menos não faz mais sentido porque agora todos entendem o sentido. É o mesmo sentido do BNDES -- Banco Nacional de Desenvolvimento Social-- que investe tão pouco em microcrédito e dá tamanhas mamatas para os grandes. Essa massa vai negociar como dentro desse paradigma? Não vai negociar, vai vagar pelas ruas, vai marcar presença afirmando de corpo a corpo que está viva e não é otária.
Tem que negociar o que nunca foi negociado? O que foi que houve com nossos representantes no tempo em que os sindicatos e as cooperativas representavam a população? O que eles viraram? Em que tribuna estão agora negociando eternamente?

O Brasil, o país da ignorância, do samba e do futebol, esse “país que vai pra frente lá lá lá lá lá, não é mais o mesmo, aqui  tem papeleiro politizado que não canta o lá lá lá dos tempos do Médici. http://www.youtube.com/watch?v=dLSMzjjoEho
Com todo respeito, será mesmo que nossos analistas políticos compreendem de fato que está acontecendo agora, nesse momento da história, ou estão presos, viciados em uma história que já morreu e não quer se repetir?
Os manifestantes no mundo inteiro estão cansados de dinheiro investido  contra a saúde humana em poluição, armas, guerras, comida repleta de agrotóxicos e aditivos químicos, estão cansados de pagar juros exorbitantes aos bancos, empresas privadas de todo tipo, impostos sem retorno algum, que só representam ônus, impostos que  veem  destinados à concentração de riqueza de 5% da população.  Assim, que não é de uma classe média que estamos falando, não é sequer 50% da população, mas uma nação inteira que se avoluma unida na diversidade. A bolha estourou, o bug do milênio não era mesmo aquele dígito de final zero, um problema meramente tecnológico. O bug do milênio era isso, uma bolha humana pelos direitos humanos.Urgência, por favor, negociações não podem ficar no vácuo das palavras apenas.

No vídeo independente a manifestação em Porto Alegre que não apareceu na mídia assim como foi de fato.
http://vimeo.com/68628855


2 comentários:

  1. fantástico...
    quase chorei....
    é muito lindo, de morrer de orgulho...
    se por um lado eu morro de vergonha de morar no Brasil, de ser brasileira e ter um sisteminha mequetrefe como o de hoje (e o de ontem, de 100 anos atrás, de 500 anos atrás), por outro, estão tããããooooo feliz com as manifestações, que choro só de pensar.

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  2. ótimo texto.
    e acho que essa busca por lideranças é a expressão de dois sintomas: 1) tentativa de deslegitimar as manifestações e 2) torcida pra que o movimento se perca, esvaneça, suma.
    concordo com a Dani Rabelo, é de se orgulhar muuuito!
    não sei vocês, mas eu chorei ao ver a multidão tomando a cidade!
    que venham mais!

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