Por Cláudia Rodrigues
Parto é vida, nascimento, luz, mas também sombra, a morte de um estado de simbiose. Um corpo que se prepara para parir vai viver uma grandiosa transformação, multiplicadora de vida. E marcadora do final de um processo.
Focando bem, veremos que é relativamente rápida a evolução de um óvulo fecundado, um pontinho, que em cerca de 40 semanas virou um feto que já não cabe na barriga da mãe.Com tantos estímulos externos não percebemos a passagem dessas semanas como percebíamos no início da civilização. Nossa capacidade contemplativa está escassa, viemos ganhando em diversidade e pasteurização ao longo da história da civilização, mas perdendo em contemplação e foco. A gravidez tem o mesmo tempo de antes, ainda somos bípedes que andam cerca de 4 km por hora, mas vivemos correndo. O corpo atropelado pela velocidade crítica do pensamento e da “fazeção” interfere no contato com nossos próprios sentimentos.
Como dar conta de expulsar um ser tão frágil? Como lidar com a própria fragilidade? Como administrar harmonicamente o nosso eu visceral, tão necessário nessa fase, com nosso eu cultural? Especialmente nas primíparas abundam as fantasias de dilaceração. Como um bebê enorme pode passar por um buraquinho daqueles sem causar um grande estrago?
Mesmo contra todas as evidências, algumas mulheres acreditam na necessidade de episiotomia e duvidam da elasticidade de suas vaginas. O bebê enorme e cabeçudo que nasce rasgando a mãe, partindo-a ao meio não é visto ou sentido como simbolismo do processo da dor da separação, mas como uma ameaça à integridade do corpo físico da mãe.
O corpo enorme da grávida no final da gestação, a irrigação sanguínea aumentada, os hormônios, os líquidos lubrificantes não são vistos ou sentidos como força, como aumento do poder daquele corpo prestes a passar por uma das mais belas transformações da natureza, mas como um corpo vitimado pelo fantasma de um ser gigante que habita o ventre e virá pra destruir a mulher e não para ajudar a construir a mãe na mulher. Aí reside o grande medo de deixar o bebê passar, fundamentado externamente pelos ultrassons que atestam o gigantismo, os cordões malignos que enforcarão o bebê na passagem e boicotarão o parto. Lá está a mulher com o bebê trancado na pequena vagina indefesa. O medo natural de não ser capaz de salvar e salvar-se na luta pela sobrevivência encontra na sociedade tecnicista um campo fértil para desresponsabilizar a mulher pelo processo de desencadeamento do parto. O corpo tenta, ele produz as contrações, mas a mulher culturalmente comprometida pela tragédia mítica associada ao parto pode adiar o trabalho de parto fechando a pelve, erguendo os ombros, apertando os dentes e desoxigenando o feto com uma respiração curta e superficial. Desesperada, sentindo-se encurralada, ela pode recusar-se inconscientemente a parir e conscientemente apelar para uma solução externa.
O trabalho de parto é historicamente longo. Os relatos de partos tsunâmicos, de mulheres que não conseguiram chegar aos hospitais e pariram nas ruas são fatos reais, mas se formos observar caso a caso veremos que sintomas, provavelmente pouco dolorosos, estiveram presentes desde o dia anterior ou pelo menos horas antes da busca pela ajuda externa. Fato é que o período expulsivo em si pode ser mais longo ou resolvido por algumas mulheres em curto espaço de tempo. A ambivalência bem vivida nos três primeiros meses, quando a mulher se deixa levar sem culpa pelos penosos sentimentos de ser ou não capaz de tornar-se mãe daquele filho naquele momento de sua vida fazem toda a diferença na hora da expulsão sob o ponto de vista emocional. Da mesma forma, nesse dia da expulsão, faz diferença que o segundo trimestre tenha sido de confiança e permissão para a simbiose com o bebê no útero. “Sim, eu passo bem, sim meu corpo é capaz de gestar um bom bebê, sim, estamos bem, obrigada”. Cada fase da gravidez vivida plenamente de acordo com as necessidades do corpo faz a sua parte na construção de um trabalho de parto alegre e sereno para uma expulsão igualmente feliz.
O excesso de tecnologia, as necessidades institucionais que transformaram o parto em linha de montagem hospitalar podem atrapalhar muito o bom desencadeamento do parto, um processo íntimo que pede um ambiente em que a mulher se sinta segura e tranquila para expelir o bebê. Casas de parto, partos domiciliares e maternidades humanizadas fazem parte dos novos paradigmas que visam dar à mulher um ambiente mais propício, livre de intervenções desnecessárias e principalmente respeitadores do tempo natural que é único para cada mulher. A maior parte das intervenções a que são submetidas as mulheres durante o parto normal hospitalar deve-se fundamentalmente a questões práticas focadas na linha de montagem das maternidades. Infelizmente essas intervenções, como episiotomia e a manobra de kristeller, além de desnecessárias, podem transformar a vivência essencialmente benigna de um parto em uma experiência traumática e excessivamente dolorosa.
Para algumas mulheres a expulsão é sentida como solução. O famoso parto quiabo pode ser meio frustrante para a mulher que não chega a perceber-se em trabalho de parto e não tem tempo de elaborar uma despedida por meio da dança da separação. Todo parto quiabo tem em comum com os partos mal-sucedidos que terminam em cesariana; a urgência, a correria. Não existe um trabalho de parto ideal, todo trabalho de parto é único e surpreendente, sendo ideal que a mulher ao ver-se próxima a dar à luz, entre em contato alegre e com disposição física para acompanhar a descida do bebê até o momento final: a alegria de expelir e receber o bebê com suas próprias mãos. A inteligência humana deu um salto em relação aos outros mamíferos justamente pela habilidade manual no trato com o bebê. Curiosamente, mulheres saudáveis a partir do início do século XX passaram a ter pés e mãos amarradas no momento do parto. O trabalho de parto é uma experiência corporal, fisiológica e inteligente. Utilizar o cérebro para sentir o corpo, observá-lo e receber a revolução corporal que está ocorrendo é o caminho mais amistoso para dar passagem ao bebê.
Separar-se da vida simbiótica com o bebê pode ser uma experiência dignificante, vivida como um passo para a religação que se estabelecerá pelo seio, mas para algumas mulheres esse meio de caminho pode tornar-se um fim; labirinto sem saída para a continuidade do processo: os cuidados com o bebê. A natureza faz bem a sua parte e torna a grávida de cerca de 40 semanas um ser pesado, mas psiquicamente, inconscientemente para algumas mulheres, o bebê poderia ficar 18 meses na barriga e já nascer andando.
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