sábado, 6 de setembro de 2014

A inocência ética das crianças

Cláudia Rodrigues








Minha filha de 12 anos resolveu dar uma olhada no programa eleitoral e fez seus comentários e questões, andamos conversando sobre o tema entre uma e outra partida de xadrez, voltas da escola e durante as refeições, com outros membros da família, o que não torna o tema mais fácil do que o das religiões, espíritos, almas, crenças, paixões, fundamentalismos, racismos, homofobia e todo o caldo cultural que ela começa a alcançar já com capacidade de reflexão e interpretação de texto bem apuradas de acordo com a idade.

Como é bom ter uma filha de 12 anos em casa!

“Mãe, é ético um candidato falar mal do outro, gastar tempo nisso em vez de conversar e explicar o que ele vai fazer?”


“ Eles têm pouco tempo e gastam falando do que fizeram e mal dos outros, no fim não dá para saber direito o que eles vão fazer e tem os outros que falam o nome deles correndo e o número e só dizem eu vou fazer, eu vou acontecer, todos iguais”.

Difícil explicar que é difícil entender que a política é um jogo de comportamentos municipais, estaduais, federais e de escalas internacionais. Bolsões de capital que andam por aí a produzir outros bolsões de miséria, diferenças e o que parece inverossímil: imensas minorias. “Se são imensas não são maiorias, não é a maior parte?”


“Tu é contra a Marina?”
Não, a Marina é uma das figuras políticas do Brasil. Ela veio do estado do Acre e teve projeção nacional defendendo os seringueiros, minorias de sua região, viu muito mais, entrou para o movimento ambientalista, esteve no PT e no PV, não conseguiu ficar, discordou, pontuou bem, fundou a Rede Sustentabilidade, era para ser um Partido Novo, não rolou por entraves jurídicos, acabou sendo candidata a vice daquele senhor que morreu no acidente aéreo, Eduardo Campos, do PSB.

É preciso explicar que o Partido Socialista Brasileiro não é socialista, mas um partido que tem uma proposta de apoiar o agronegócio, por exemplo, que exige muitos bolsões de dinheiro: agrotóxicos, maquinário caro, uma infinidade de produtos químicos e combustíveis, grandes concentrações de terra, desmatamento, queimadas, enfim, nada a ver com a visão socialista de distribuição de renda, investimentos em muitas pequenas propriedades, agricultura familiar, orgânica, melhor controlada diretamente, sem necessidade de vastas intervenções.

 “ Humm lembro dessa história que conversamos no ano passado, do socialismo, comunismo, capitalismo e que sempre pode acabar em corrupção, de um jeito ou de outro.”

 Pois é, há muitos partidos com as expressões “socialista”, “comunista”, que não são socialistas nem comunistas. E não, não tem um partido que se autodenomine “capitalista”, embora o capitalismo seja o jogo mundial que rege o mundo. Voltamos ao ponto dos bolsões de riqueza e pobreza, desigualdades, crenças, racismo, homofobia, direitos das mulheres.

“ Tu é contra a Dilma?”

Não, a Dilma nasceu política na luta estudantil, foi presa pelos militares porque lutava por direitos políticos e democracia em Minas Gerais. Ela foi da luta armada contra os militares, ficou presa durante três anos e então continuou estudando, se formou em economia, ajudou a fundar o PDT para ser um partido de esquerda verdadeiro, foi secretária da fazenda, foi sempre muito competente em sua área, acabou sendo convidada pelo presidente Lula, do PT, para ser chefe da Casa Civil. Arrasou, depois trabalhou na administração da crise energética, assunto que ela já dominava. Foi eleita presidente e manteve a economia brasileira estável, mesmo o Brasil sendo caudatário da crise mundial. O Brasil vem se defendendo bem da crise econômica, está fazendo alianças mais fortes com países fora do eixo Europa e EUA e isso, se estivesse melhor, certamente teria trazido mais miséria, mas nos governos do PT a miséria está diminuindo, as pessoas estão podendo estudar mais, hoje só 7% da população do país é analfabeta.

Ainda é um país que professores ganham mal, é conservador, muita gente tem saudade da época do militares, quando as pessoas não podiam nem reclamar de ganhar mal, se reunir, reivindicar direitos, é tudo muito complexo.
“Por que os políticos roubam, a Dilma e a Marina roubam”?

 Não, nenhuma das candidatas tem qualquer mancha em seu nome, não que eu saiba e muitos políticos, de diversos partidos, não roubam, não se envolvem em negociatas, não aceitam favores em troca de voto, não usam o voto como arma de empresas e bancos contra a população, mas no jogo político para formação de bolsões, muitos políticos “precisam” fazer isso. Por exemplo, se um banco investe dinheiro em um candidato, ele vai esperar retorno do partido do candidato. Os bancos têm a política de ganhar em cima da distribuição, dão um X para faturar 6X, 10X. Quanto mais eles faturam, mais aumentarão os bolsões de pobreza que alimentam os bolsões de pobreza. Quando não existe limite para o lucro está feita a festa de poucos sobre muitos, livremente. Quando o Estado toma o lucro para si e não distribui adequadamente pode dar no mesmo, mas o Estado pode prestar contas, o poder privado não tem essa obrigação.

Os bancos, por exemplo, poder privado, faturaram muito nos últimos governos desde a época da ditadura, as empresas privadas de grandes capitais vêm crescendo e quanto mais ganham, menos impostos pagam. Isso nunca mudou, está atrelado à política internacional, às grandes marcas, indústria bélica, de alimentos, medicamentos, drogas de dentro e de fora das farmácias, pequenas e grandes guerras.

“Todos os partidos são iguais, não tem um partido novo para o bem da maioria das pessoas da minoria, que diminua essa coisa dos bolsões de dinheiro dos venenos, da destruição do meio ambiente? Não é o da Luciana Genro, o PSOL?”

É, então, lembra da Dilma e da Marina, que passaram de um partido para outro, pois o PSOL nasceu dos descontentes do PT quando o PT cresceu. Os partidos são assim que nem matrioskas, vão saindo uns de dentro dos outros, só que são matrioskas que crescem, vai enchendo de gente e entram os interesses das gentes e quando estão bem grandes é porque se fez muitos acordos, estão em outra escala.


“É, estudei as escalas, maior em dispersão, menor em concentração, maior em concentração, menor em dispersão.”




“Então, não tem saída, mãe, vai ser sempre igual até o mundo acabar?”

A saída sempre tem, a saída é todo dia, aprendendo, conhecendo, melhorando como pessoas, nós vamos melhorando, o mundo vai melhorando em algumas coisas, vai perdendo e ganhando de um lado e de outro e de todos os lados. Os seres humanos sempre mataram uns aos outros, sempre brigaram e em todas as épocas sempre houve seres humanos que procuraram entender os outros e conversar sem brigar. Mesmo quando quase todos os pais batiam nas crianças, havia pais que não batiam, que apostavam nas conversas, na educação. A escravidão que já foi lei, hoje ainda existe, mas em escala menor em muitos lugares do mundo. As lutas religiosas, políticas e sociais sempre vão existir, como cidadãos devemos praticar o que acreditamos e lutar por isso. Ao errar reconhecer que erramos, tentar enxergar as coisas pelo ponto de vista do outro, assim como no xadrez, por diversão de entender o melhor e fazer o melhor e não para destruir o outro. Nós sabemos que a graça não é dar xeque-mate no terceiro lance, mas pensar bem em todas as peças do jogo, de um lado e de outro, com todos os jogos anteriores memorizados e cada vez mais possibilidades de prever a maior quantidade de lances. A maior graça da vida é a graça de se sentir melhor e para isso só fazendo melhor, aí vai colhendo alegrias, trocas saudáveis, ganhando saúde, sentindo prazer.


“Ué, mas então quem faz tudo para si mesmo e só quer se dar bem não é quem se sente melhor”?

Não, aí a pessoa se torna maior, não melhor. Quem faz mal aos outros em pequena ou grande escala, sempre se sente pior, mais cedo ou mais tarde, então xeque-mate!



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