sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Mudando de país

4 a 6 anos

Cláudia Rodrigues 


Oi, meu nome é Lana e tenho cinco anos. Cinco, entende? Eu já encho uma mão inteira, isso é metade de 10, que seriam as duas mãos. Sim, vocês podem não acreditar, mas eu sei o que é metade e até já sei o que é dobro.
Sim, eu sou uma menina que se vira bem, mas estive por meses com um problemão porque tudo que eu sabia, tudo, absolutamente tudo que aprendi era em português. Acontece que meus pais e, claro, eu e minha irmã Nani, que é pouco mais do que um bebê ainda, íamos nos mudar para a França. O que de fato ocorreu. E de francês eu só sabia falar “oui”.
Ou seja, durante meses, desde que foi anunciada nossa mudança, eu sentia um frio na barriga só de imaginar um monte de gente falando comigo e eu sem entender nada. E além da língua, os rostos diferentes, tudo diferente. Meus amigos, meus colegas da escola,  minha escola mesmo, pensar em deixá-los é que me causava o tal frio na barriga. Eu ia perder tudo e ganhar uma coisarada misturada em francês.

Mas, como tudo na vida só anda para frente, lá fui eu com meus pais e minha irmã, essa sortuda que mal sabe dizer qualquer palavrinha em português e assim estava livre de ter que entender ou falar qualquer palavra em qualquer língua. Quando vinha o assunto, ela ficava lá, bem mané, puxando a própria língua. Bebezices da Nani!
Claro que para ela tudo seria mais fácil, afinal os adultos estão sempre tentando adivinhar o que ela quer. Já eu, ou sei ou não sei, ou falo ou não falo e eu que me vire. Tá, não é bem assim, minha mãe e meu pai se importam muito comigo. Mas fato é que no avião já começou a enrolação de língua. Até aí tudo bem, eles repetiam tudo em português e foi quando eu comecei a pegar uma e outra palavra, assim do nada. Óbvio, não eram frases inteiras, mas já me senti assim um pouco mais esperta. Ou menos burra, porque era isso que me doía, me imaginar como um bebê burrinho que não sabe falar.

E então chegamos e fomos para nossa nova casa. Diferente de casa mesmo, como aqui em Curitiba, nossa casa nova é em um prédio, um apartamento.
Logo na primeira semana conheci uma menina, ela não tentava falar comigo, nem eu com ela, claro que eu estava morrendo de medo de falar com ela. Um medo que dias depois se dissipou quando nossas mães começaram a conversar. Em espanhol! Eu nem sabia que minha mãe sabia falar espanhol.

Que sorte, minha primeira amiga na França, a Consuelo, é espanhola. Ô língua fácil, logo de cara estávamos conversando como se fosse em português. Bem, quase. Consuelo já estava na escola ali perto de nossa nova casa e sabia falar algumas palavras em francês. Então, quando a gente não conseguia acertar no português nem no espanhol, ela explicava: “aqui es asi que se habla”: “coupe-vent” E foi assim que fui aprendendo mais umas palavrinhas.

Um dia papai chegou do trabalho e verificou que eu estava aprendendo umas três palavras novas por dia, o que dava uma média de 90 palavras por mês.
Não vou dizer assim que foi fácil aprender francês, mas não foi tão mais difícil do que mergulhar e a sensação de não conseguir, que a gente tem antes de realmente tentar é a pior da sensações. Melhor mesmo é quando a gente tenta porque daí até esquece que está tentando e tudo vira vida normal. É um alívio não pensar em conseguir, só em tentar e ir conseguindo em divertimento.
Claro que agora, depois de 6 meses na França, eu já sei falar até que bem e estou começando aprender a escrever. Isso significa que português virou fichinha. Claro, quando não confundo as línguas. Isso anda acontecendo até com a Nani, que agora fala “ eu chèrie”.
Mas é bem essa mistura que tira o medo porque o medo é um coisa de quem ainda não tentou ou não está tentando. Tentar é tão bom que a gente esquece que está tentando, tentar é tipo assim vou vivendo, vou aprendendo, vou errando, vou consertando.

Mas de tudo mesmo o que descobri depois de “cair” na França é que uma criança de 5 anos de uma nacionalidade diferente não deixa de ser a mesma pessoa, a mesma criança dessa mesma idade porque não fala uma língua.

Balanços, parques e pracinhas não falam nem escutam, são iguais ou muito parecidos em todo lugar.
Tarefas de sala de aula também, se a gente não entende direito em português porque estava falando com a colega, é só dar uma olhada em volta. Do mesmo jeito quando a gente não entende por causa da língua. Ou seja, não entender é uma coisa que existe na língua da gente ou na língua dos outros.
Comidas são diferentes, mas são comidas e também não é assim o maior sacrifício do mundo trocar feijão com arroz por torta de maçãs.

Além disso pessoas dizem coisas com os olhos, com as mãos, com o jeito. E isso já no primeiro dia de aula aqui eu vi acontecer. Uma menina caiu na escola e ficou sem graça, envergonhada e sozinha todo o recreio. Ou teria ficado, mas tive coragem e fui lá ficar com ela, ficamos desenhando no chão, não falamos nada, mas demos tchau uma para a outra e no dia seguinte continuamos. Foi com ela, minha amiga Martine, que mesmo sendo francesa é muito tímida na sua própria terra, que aprendi muitas palavras novas em francês. Martine é tão tímida que preferia me ensinar uma frase inteira com a maior paciência, só para poder não falar na sua própria língua. E eu, bem, eu sou eu em qualquer língua ou não língua. Eu não sou uma língua, sou uma pessoa e serei eu em qualquer lugar do mundo. Até na África ou no Japão! Como diz a mamãe: o mundo é uma ervilha!


Cachorros, gatos, animais de estimação, são todos idênticos em qualquer lugar.
Adultos também, todos iguais ou muito parecidos. E sim, coisas diferentes existem muitas, e bem, hoje só posso dizer que conhecer coisas diferentes é ótimo porque coisas são apenas coisas, o importante é que pessoas se parecem muito, mesmo quando falam línguas diferentes e têm hábitos diferentes, como comer ovos moles (eca) logo de manhã.

E sim, ainda tenho vontade de ver meus amigos do Brasil, tenho saudade, quero logo que chegue o Natal para ver meus avós, ir à praia, rever meus colegas. Só que agora já sei que vou sentir saudade boa, daqui e de lá, e não preciso mais me preocupar com o que eu ainda não tentei. Porque tentar é saber viver e eu vou continuar por aí, sempre tentando porque conseguir é um lugar que só existe na cabeça de quem está parado.


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