sábado, 12 de dezembro de 2015

A dor do parto

Cláudia Rodrigues 

Raramente assisto partos, dá para contar nos dedos das mãos os que assisti, mas como muita gente sabe, trabalho com isso, com atendimento particular e em grupo para gestantes e doulas aprenderem a lidar com o mais difícil do parto: administrarem a dor, aprendendo ao longo da gestação suas tendências corporais para evitar aquela que é uma dor que necessita entrega para que ocorra o desfecho: coroação do bebê com saúde. Ou seja, não trabalho com não doer, mas como lidar para que a dor flua e traga o bebê em segurança.

A cada parto que assisto me convenço que a maior das faláceas é preparar a gestante para não ter dor porque ela fatalmente sentirá algo jamais imaginado e após ter seu bebê nos braços provavelmente esquecerá o que viveu e ajudará a multiplicar a ilusão do parto sem dor. Diz-se popularmente: "a dor do parto é a única dor que a gente esquece".

Raríssimas mulheres têm partos orgásmicos. Eu nunca vi pessoalmente nenhum desses partos a não ser em filmes bem editados ou no momento do expulsivo, que realmente não dói. A expulsão é caracterizada por sensações intensas que algumas mulheres até denominam como dor, mas o fato é que as dores do parto têm a ver com o trabalho de parto e são mais fortes para as mulheres que temem cada contração, que se apavoram com a evolução. Evitando sentir dor, dói mais porque demora mais, é uma sinuca de bico.



Simples e explicável: as contrações uterinas aumentam progressivamente e a cada uma é possível que a mulher tensione o corpo ou use outras estratégias internas para adiar o andamento. Uma das estratégias para adiar a dor ou desintensificá-la é pela respiração. Respirando mais curto, expirando menos, engolindo o ar, apertando-se, a parturiente consegue evitar o aprofundamento de cada contração e assim adia o processo. Isso é tão natural no ser humano que o parto tem fama de ser algo demorado: "ah, tal coisa demorou como um parto".

Não se encerram os dramas das mamíferas humanas em respirar e manter o corpo relaxado, há todo um complexo histórico, familiar e cultural associado ao parto que também se concentra no imaginário da parturiente em suas horas de trabalho de parto. Algumas têm mais medo da expulsão, outras do atendimento ao bebê, se precisar de algo, mas é verdade absoluta que a maioria das mulheres fantasia que parto é só expulsão, quando na realidade a expulsão não significa nem em dor, nem em tempo, sequer 1% do que significa o parto como um todo. Sem dúvida é a expulsão o momento clímax, o melhor momento, o prazer, o final de uma etapa e o presente maior, o bebê. Pensar em parto apenas imaginando o expulsivo é investir em ansiedade e ansiedade atrapalha.

Embora eu faça muitas piadas e até mesmo dramatizações sobre as dores do trabalho de parto, mesmo entre as mulheres do grupo existe a fala do "minimizei a dor". E claro, elas se referem às horas do trabalho de parto. Óbvio que para as que temem muito a expulsão, esse momento pode ser mais dramático, daí vai de cada uma ao longo da gestação ouvir suas histórias internas, as mais impressionantes, aquelas que cavaram um medo maior. Mas com medo ou não da expulsão, quando o bebê coroa não tem mais saída a não ser nascer e aí é questão de minutos. Medo de "rasgar" ou medo do bebê "trancar", é medo do expulsivo e quem sente isso provavelmente vai adiar o andamento enquanto puder, enquanto tiver estratégias para evitar "o mal interno maior".

Existem mulheres que conseguem parir em poucas horas desde os primeiros sintomas, mas essas são mulheres que sequer qualificam os primeiros sintomas. Quase sempre em um relato de parto rápido há revelações como: "achei que estivesse gripada", "estava sentindo uma dor de barriga", enfim, as raras mulheres que têm partos rápidos e ainda mais raras entre as primíparas, percebem seus partos já perto do período expulsivo, dilatam "sem sentir dor", só sensações administráveis que vão levando com vida normal. O foco na dor aumenta a sensação de dor e de medo da dor, o foco na respiração e em áreas do corpo mais agradáveis, nas sensações de alívio ao final de cada contração, facilitam o andamento e desencadeamento do parto, o que acaba, por tabela, dando a impressão de doer menos.

No mais, na maior parte das vezes, partos demoram e doem durante todo o amolecimento do colo do útero e dilatação, ainda podem demorar algumas horas no período expulsivo e aí sim depende mais da cabeça, do imaginário da mulher. No período expulsivo a gestante precisa encontrar um lugar seguro, ela mesma. Pode ser cantinho do banheiro, da sala, banheira de água morna ou hospital, quando o medo maior é de que haja alguma intercorrência com o bebê e ela não se sente segura de que ele estará amparado.

Independente de tudo isso, o melhor trabalho de parto, mais eficiente e mais confortável para a parturiente é em sua casa, com mais liberdade de movimentos, opções de comidas, líquidos e pessoas carinhosas que recebem sua dor, seus queixumes e suas necessidades de atenção.

Se ela sente-se bem pode parir ali mesmo, se vierem os puxos da expulsão é ali mesmo que ela pode parir, se já há dilatação completa, nenê baixo, tudo certo e a mulher nitidamente não se sente segura para expirar profundamente a fim de que venham os puxos e isso demorar muito, então talvez ela precise migrar para o hospital a fim de relaxar.


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