quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Explicando a morte para as crianças




Cláudia Rodrigues

Pessoas muito desconectadas da natureza e que criam os filhos sem contato com  plantas e animais costumam ter muita dificuldade para explicar a morte para suas crianças. As próprias crianças podem ter mais dificuldades para acessar qualquer explicação e imaginar o que é a morte quando não conhecem a palavra morte, quando nunca a materializaram com os próprios olhos, coisa que a natureza oferece todos os dias.
Tema complicado para os adultos, a morte envolve saudade, luto, fantasias e crenças de sermos os humanos mais especiais e diferenciados da natureza nua e crua, da viagem que não tem retorno, da finitude de nossa matéria viva e pulsante.

Para as crianças a morte envolve, em comum com adultos, a saudade, fantasias próprias e perguntas que podem ser respondidas sinceramente. O luto das crianças fica por conta do que os adultos em seu entorno produzem para preencher vazios dos cuidados imediatos. A caixa de memória delas, sempre muito recente e quanto mais nova a criança, mais recente, defende-se do luto saudoso e melodromático comum aos adultos. As crianças sofrem mais pelo luto dos adultos vivos, pelo que esses adultos deixam de dar a elas do que pela falta da pessoa que se foi. Criança tem fome imediata de vida e o que ela quer saber sobre a morte é tão material quanto o que quer saber da vida.

Adultos tendem a problematizar as fantasias das crianças de acordo com seus sofrimentos de adultos, suas memórias de adultos e suas crenças.
Como contar a uma criança pequena que sua avó morreu, por exemplo, passa a ser um emaranhado de palavras e projeções que nem sempre recebem com respeito as fantasias e a curiosidade natural das crianças. É comum que se fale de estrelinha no céu. Nada contra, se a estrelinha no céu foi imaginada pela criança, mas ela tem o direito de inventar seu próprio jeito de compreender a morte e para isso os adultos precisam aprender a controlar angústias e ansiedades para receberem a simplicidade da imaginação e da resolução infantil.

As crianças que vêem formigas morrer, que eventualmente matam formigas (quem nunca!?), que viram flores murcharem, plantas morrerem, animais de estimação morrendo, já conhecem o verbo "morrer", já entenderam que morrer é um sumir para sempre e em algum momento de suas vidas, muito rotineiramente por volta dos 6 anos, elas percebem isso de uma forma mais intensa e fantasiam um jeito de imaginar seus animais de estimação entes queridos vivos de alguma forma, em algum outro lugar. Algumas apenas ficam pensando, pensando e aceitam, vão se deixando engolir pela vida, como os adultos, só que mais rapidamente.
E sim, adultos podem estragar tudo se vivem falando dos mortos, se não deixam a memória dos mortos em paz.

Nossa experiência familiar com a morte e as crianças começou cedo na natureza. Eles falavam "moieu" ainda. Moieu o peixe no aquário, moieu o choim (cachorro), moieu a flô. Crianças brincam de morte, deitam-se no chão e morrem, crianças escutam histórias de bruxas que morrem, de queridas mamães que morrem, crianças falam "você vai moler com minha espada".
Mas em 1998 morreu o bivô deles, meu avô, e pela primeira vez o contato com a morte trouxe as famosas perguntas: de onde viemos, para onde voltaremos? Eles estavam com 5 e 7 anos respectivamente e queriam saber:



>>Para onde havia ido o avô da mamãe, que era mágico, poeta, violonista?
<<Não sabemos, só sabemos que não volta mais, esperamos que tenha ido para um lugar legal onde só faça o que mais gostava de fazer.
>>Os mortos se encontram, eles têm uma cidade em que vivem, um Planeta do mortos?
<<Não sabemos, esperamos que sim e que seja um lugar bem bacana.
>>Ninguém sabe, não está nos livros?
<<Ninguém sabe, nunca nenhum morto voltou para contar, mas há muitos livros e muitas lendas sobre a morte.
>>Crianças podem morrer?
<<Ui, essa é dura de responder, mas sim, em casos muito raros crianças podem morrer.
>>Criança morre só de acidente ou de doença também?
<<Das duas coisas, mas é bem raro, crianças sempre são mais protegidas, tem cadeira especial, quando um barco afunda elas são as primeiras a serem socorridas, todas as pessoas adultas sempre cuidam para salvar as crianças primeiro.
>>Mãe, podia ser assim uma fazenda bem linda e grande onde estão todos os mortos lá no céu?
<<Pode, pode ser.
>>Vamos escrever uma história dos mortos da nossa família vivendo na fazenda, o bivô tocando violão e fazendo mágica bem feliz?
<<Vamos.
E foi assim que passamos a escrever conjuntamente, a cada morte próxima, a nossa história conjunta, eles ditando e eu escrevendo, dando uns pitacos, fazendo algumas perguntas: "A Fazenda do Céu".
Começou com meu avô, bivô deles chegando com seu violão e sua mala de mágica, para alegria da bivó que estava lá esperando por ele já fazia alguns anos. Foi uma festa, uma grande alegria e havia até um lago para ele pescar, na volta do lago estava a égua Moreninha, a ovelha miu miu, o cavalo Vermelho, o cavalo Índio e até minha cadelinha de infância, a Lili.
Depois uma amiga muito querida, a Cássia, que cantava também, chegou por lá, também com seu violão e então meu avô e minha avó, (por dica minha) chamaram Janis Joplin , que cuidava da horta da Fazenda do Céu (ideia deles), para recebê-la. Um dia chegou por lá o nosso grande cão Babu, depois de 13 anos de existência e assim foi, a gata Panta, a gata Timi, o Sabinho, o sabiá, até que cresceram e não lembraram mais dessa história, quando a morte para eles ganhou o manto negro do luto da consciência real.



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