segunda-feira, 7 de março de 2016

As meninas que fomos, mulheres assim seremos

Cláudia Rodrigues 

Esses dias uma amiga contou que sua pequena de 5 anos quer fazer aula de futebol, mas na escola o futebol é só para meninos e o balé só para meninas.
As escolas estão precisando rever essas questões e fazer grupos mistos. Quando são pequenas e pequenos, meninos e meninas não têm um diferencial de força física e só mais tarde, na adolescência, essas regras de separação de gênero fazem sentido e o sentido é só esse, da força física, que excetuando-se casos, é maior em meninos a partir da adolescência.
Essa discriminação de gênero em tão tenra idade é a base de comportamentos esterotipados que podem deixar sinais por toda uma vida, porque de 0 a 6 anos se forma a personalidade básica do ser humano.

Assim que é preciso conversar nas escolas, questionar e até exigir igualdade, mas o mais importante é praticar em casa. Uma menina que traz de casa sua valorização vai revalidá-la na escola, vai estranhar os comportamentos sexistas, vai pontuar. E ok, pode ser que seja a diferentona e saia catando minhocas no acapamento sem medo de sujar as mãos, pode ser que lidere o grupo e se safe na trilha sem ui ui ui de Cindi Cindi Cinderela porque se sente forte e capaz, não porque é "macha".

Um dos nossos problemas em relação à fabricação, ainda em massa, de meninas amedrontadas que correm para os braços dos meninos em vez de subirem na árvore na hora do "olha a cobra", é a repetição de frases que sempre ouvimos e que acabam reforçando a cultura misógina e a culpa da mulher em relação à liberdade e às capacidades do seu corpo.

Muitas de nós já ouvimos ou repetimos a famosa frase: "fecha essas pernas, menina! Nunca se ouve alguém dizer isso para meninos de quatro anos, mas meninas de dois anos já ouvem.

Pensem se não faz diferença para uma irmã ver que seu irmão pode abrir as pernas quando quer e do jeito que bem entende e ela não.

"Venha ajudar mamãe, deixe seu irmão ajudar o pai"
"Em menina não fica bem"
"Uma menina deve se comportar"
"Meninas devem ser boazinhas"
"Meninas devem ser delicadas"
"Meninas devem ser princesas"



Essas e outras frases não visam proteger as meninas do mal, mas as ensinam a lidar mal com algo eventualmente mau. Não repeti-las, de nenhum modo vai fazer com que suas meninas sejam mal-educadas, grosseiras, mal-comportadas, malvadas, indelicadas ou masculinizadas. Essas frases dão às mulheres desde pequenas uma ideia errônea sobre direitos, igualdade e liberdade sobre seus próprios corpos. Em resumo, formatam as cabeças das pequenas, que depois repetem isso, muito vezes para além da adolescência.

O desenvolvimento corporal das crianças entre 0 e 12 anos é muito semelhante e as meninas perdem muito quando a elas não é permitido ou não é incentivado que andem a cavalo, de bicicleta, assoviem, subam em árvores, mexam com ferramentas, experimentem todo e qualquer esporte, enfim desenvolvam habilidades corporais e manuais diversificadas e não somente as "restritas" às mulheres.
Quanto às restritas para mulheres, não é necessário evitar, é de fácil acesso, está à disposição para ambos os sexos, afinal bonecas e panelas é um bem que pode ser necessário a todos e todas, mais cedo ou mais tarde.



Viemos de uma longa linhagem de mulheres oprimidas. Grandes escultoras, musicistas, artistas, escritoras, esportistas que foram boicotadas em seus desejos mais profundos. Algumas morreram em manicômios, outras de tristeza, depressão e muitas por suicídio.

Os tempos mudaram, pero no mucho. Ainda hoje temos poucas mulheres na engenharia, poucas maestras, pouquíssimas e a razão é uma só: herança cultural do sexismo e da misoginia.

Não se trata de projetar que uma filha seja engenheira ou maestra, o importante é a criança desenvolver habilidades para estar apta mais tarde a atender seus desejos internos. Se não damos ferramentas de desenvolvimento, se só investimos em habilidades "ditas femininas", estamos reproduzindo essa cultura milenar do "lugar da mulher".



Dizem que até a maneira como olhamos e seguramos um filho homem ou uma filha mulher e os comentários que fizemos desde recém-nascidos já contém graus de sexismo. Ouvi isso faz anos e reparei que é assim mesmo, só não dá para saber o grau de influência, mas por via das dúvidas talvez seja bom olhar para sua bebê e dizer: "que forte, que destemida, olha que safa ela é!"

Dói, especialmente para quem já reproduziu meninas manhosas e frágeis, pensar sobre isso, mas não é menos importante começar a agir pela liberdade das meninas e apoiá-las em seus enfrentamentos.

Meninas podem ser corajosas, fortes, destemidas, livres, inteligentes e seguras sem que sua identidade de gênero mude, é preciso vencer além do preconceito, o medo. Mas meninas ensinadas a serem covardes, frágeis, amedrontadas, bobas, inseguras, identificadas ou não com seu gênero, podem ser menos felizes.



Atrás de toda mulher que não consegue pontuar e fazer valer seus pontos para namorado ou marido sobre meras tarefas domésticas e cuidado com as filhas e filhos, existe um rol de sentimentos de inadequação, fragilidades, medos e inseguranças que foram plantados nela desde cedo. Ou pior, pode ser que elas só tenham sentido segurança básica exclusivamente nas tarefas culturalmente aceitas e então se vingarão (de si mesmas, mais do que deles) impedindo que marido e filhos homens as façam porque "eles não sabem fazer direito".

Não precisamos mais nos vitimar, não precisamos criar meninas para serem vítimas do machismo. Elas só saberão escolher bons companheiros ou companheiras para suas vidas se tiverem um olho clínico para isso.
Se vai sobrar homens machistas reproduzindo machismo, ok, eles não serão escolhidos, não por nossas filhas.










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