sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Alienação parental, o porão da janela da ausência





 Cláudia Rodrigues

Durante o último Dia dos Pais as redes sociais foram inundadas por posts sobre as mães que se auto-proclamam pães, que se viraram criando filhos e filhas sozinhas e não sem razão se ressentem nesse dia fazendo questão de comemorar o tal Dia dos Pais como um dia para denunciar ausências de afeto, geográficas ou financeiras. É importante fazer os recortes sobre ausências e motivações, assim como é fundamental compreender que presença ou ausência é o que está posto ou imposto corporalmente, mas também pelo discurso.

Com a melhor intenção de denunciar um problema atávico ligado à cultura machista, o remédio usado para tratar macropoliticamente o problema, se transforma em veneno para as criaturas mais frágeis dessa história, as crianças. Micropoliticamente é bom pensar duas vezes antes de falar mal do ex-cônjuge por suas ausências, limites ou “defeitos”, seja ele homem ou mulher.

Faz alguns dias recebi uma pergunta de uma amiga. Mãe de três filhos, ela estava se sentindo mal por ter aceitado um trabalho em outro estado e decidido deixar as crianças com o pai e a mulher do pai por um período longo. Ela queria saber minha opinião sobre o quanto seus filhos se ressentiriam com ela. Respondi que dependeria muito, muito mesmo de como o pai e a mulher do pai se refeririam a ela durante sua ausência. Se promovessem bem a situação, "mamãe está com saudade, ela logo vai ter férias e vocês vão estar na praia com ela", tudo deveria ser bem tranquilo, mas se passassem uma má ideia a respeito de sua ida, seria mais difícil porque as crianças são muito sensíveis ao que os adultos pensam e esperam dela.
Ela garantiu que o pai  e a nova mulher são muito de boas e amáveis com ela, que certamente protegeriam as crianças e promoverariam a situação sem aliená-la.


Ou seja, quando uma mãe precisa ir trabalhar longe, em outra cidade, estado ou país e o pai fica com as crianças, o retorno dessa mãe e a boa aceitação dela de volta por parte das crianças vai depender bastante de como a imagem da distância dela foi passada pelo pai, avós e parentes que ficam com a criança e claro, pela mulher do pai. Isso é fundamental e não deve ser desmerecido.

Os consultórios estão abarrotados de casos de alienação parental como sobreacoplamento a ausências eventuais de pais e mães que poderiam ter sido lidos por seus filhos e filhas apenas como pais e mães bons o bastante, mas que acabam sendo estigmatizados, às vezes por famílias em peso, como vilões.

__Ah, então seu pai era um crápula, um bêbado que não ligava para você; como você lembra dele assim na sua vida, enquanto conviveu com ele?
__Eu? Ah não, o que eu lembro é dele me levando na praia, lembro dele fazendo churrasco e rindo, brincando de fazer buracos enormes na areia...Isso assim dele ser assim bêbado e irresponsável eu ouvi da minha mãe, do meu avô, o pai dela, é o que eles dizem.
 O diálogo acima explica bem um caso de alienação parental.
Uma pessoa já adulta, ao sentir a morte de um pai com quem não conviveu a partir de uma determinada idade e que escolheu não conviver com ele, não procurá-lo na vida adulta por ter passado a vida com a ideia fixa de que seu pai era uma pessoa que não a amava e não merecia sua presença, sofreu e sofre alienação parental.

Lágrimas muito sentidas quando a memória, própria e inalienável de uma pessoa não condiz com a história a que ela foi submetida por quem deteve o poder de criá-la.


Estamos falando de pais e mães que pagaram pensão religiosamente, de homens e mulheres que preferiam sim levar seus filhos e filhas com eles, mas não entraram na justiça para isso. Aí estão homens que eventualmente foram morar em outro país, em outro estado, que tentaram conversa amigável para que as crianças fossem viver com eles e suas novas famílias, mas jamais conseguiram qualquer acordo nesse sentido. Aí estão mulheres que foram fazer um mestrado em outro país, mas não acharam por bem retirar as crianças de sua escola, seus amigos, parentes e pensaram que as crianças, naquele momento de suas vidas, estariam melhor com o pai, melhor assistidas.

Aí estão homens  e mulheres que não conseguiram misturar os filhos e filhas do segundo casamento com filhos e filhas do primeiro casamento a não ser na nova família e por curtos períodos de férias, finais de semana e feriados em decorrência de ressentimentos de seus ex-cônjuges.

Aí estão homens e mulheres, irmãs e irmãos que foram alienados de festas, eventos e encontros da família dos filhos e filhas do primeiro matrimônio.

Existe ausência paterna, existe ausência materna, mas alienação parental sobreacoplada à ausência eventual e plenamente justificável está longe de ser um real tratamento ao problema. Pelo contrário, alienação parental em cima de ausência, mascara outras ausências, valida e transfere ressentimentos  no que não teve, no que não houve, a criança é sequestrada pelas más falas e mau olhar sobre o que deixou de ter e que de fato não poderia ter tido a não ser que seus pais não tivessem se separado, a não ser que seus pais tivessem conseguido conviver melhor mutuamente após a separação.

Faz vinte e cinco anos que falo e repito para amigos e clientes que entram em processo de separação: saiam juntos com seus filhos, aceitem os novos cônjuges, passem natais ou outros feriados juntos, juntem os meio-irmãos tornando-os inteiros porque essa é a única saída saudável para as crianças.

Crianças precisam juntar pai e mãe sem os cônjuges, outros irmãos e irmãs, mas acima de tudo precisam juntar a galera toda eventualmente porque isso é saúde vincular.

A dor da alienação parental é um sobreacoplamento tão monstruoso à ausência que torna a presença real um conto de fadas, como se a presença não pudesse ser internalizada. Uma pena porque essa presença bacana vai surgir após a morte daquele ou daquela que foi vítima da alienação parental do ex ou da ex em eterno ressentimento.

É o caso das crianças que têm um pai que as trata bem, paga a pensão em dia, leva para viajar, passear, mas por morar em outro país ou cidade não consegue fazer guarda compartilhada. Essa criança, mesmo se sentindo bem amada pelo pai, pela mulher do pai, irmãos e irmãs, apesar de viver ótimos momentos reais com sua “outra” família, guardará céus cinzentos dentro de si se sofreu alienação parental por parte da mãe e da família materna.

É comum que avôs tomem o lugar do pai e a criança seja criada ouvindo à boca pequena coisas como: "o avô é sua figura paterna", ainda que a criança veja o pai e desfrute de um pai bom o bastante. O mesmo acontece com avós diante de uma situação em que a mãe precisa se afastar.

Ao mesmo tempo que não faz sentido para ela ouvir frases desqualificadoras sobre seu pai e sua “meia” família, que a trata bem e a ama, faz todo sentido o discurso do abandono e do não pertencimento quando ela está longe e sob a proteção da mãe e dos familiares da mãe.

É pior, bem pior quando a criança não pôde morar com o pai porque a mãe não deixou, mas teve uma mãe ausente, que se orgulhou de ser pãe e viveu no calvário, na penitência e na vitimização. A criança provavelmente se tornará um adulto com Síndrome de Estocolmo, apegada aos que a responsabilizaram por dores que não eram suas, reforçando o foco na ausência daqueles ou daquelas que quando estiveram presentes eram boas o bastante.

Bom o bastante é conseguir compreender que uma vez que se colocou crianças no mundo, o elo entre os dois seres que fizeram isso não deve se romper porque o elo é a criança e ela ficará quebrada caso seus pais conversem pouco e façam pouco esforço para estarem juntos em prol dela, vencendo seus ciúmes infantis de novos cônjuges e novas crianças na família.

A guarda compartilhada é recente no Brasil, as coisas estão melhorando, mas há muitas famílias que vêm lá da década de 1980, quando basicamente a mãe ficava com a guarda e o pai via a criança só em finais de semana, que abriram a guarda por conta própria e não blindaram as extensões familiares.

Há mulheres de pai que se apegaram aos enteados e enteadas, há mulheres de primeiro casamento que receberam em suas casas os filhos do segundo casamento do ex marido, há maridos que recebem bem os filhos e filhas da primeira mulher com outro homem, há homens e mulheres que sentem-se praticamente parentes dos novos companheiros e companheiras de seus ex em prol do investimento saudável do vínculo para e pelas crianças.

Que sirvam de exemplo, que a eventual ausência de um pai ou de uma mãe não seja uma janela para o porão da alienação parental.




http://clinicaexpansao.com.br/disputa-dos-pais-adoce-os-filhos/

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