quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A aventura do bom jornalismo

Jeanne Bilich

"No fundo, não importa muito se escrevemos realidade ou ficção, mas que o façamos integralmente - com a alma". Geraldo Hasse Unanimidade? Difícil. Mas não impossível! Pelo menos, esse foi o resultado da pesquisa informal sobre o entrevistado deste final de semana de SéculoDiário. Bastava mencionar-lhe o nome e a primeira referência que brotava - espontânea e entusiástica - adotava sempre tom superlativo: "Puxa... esse cara tem um texto fantástico!" Variação restrita somente às adjetivações "incrível", "extraordinário" e "espetacular". Tal unanimidade entre profissionais de imprensa ao julgar o desempenho profissional de um colega é coisa rara. Aliás, raríssima! Pois, Geraldo Hasse é detentor dessa unanimidade. O jornalista agrega ao talento da arte de bem escrever e do bom jornalismo, uma terceira singularidade. Consegue transformar matérias econômicas habitualmente áridas, complexas e técnicas em textos saborosos - uma verdadeira alquimia - que prendem o leitor da primeira à última linha. Dá para acreditar? A epígrafe acima - por favor, releia-a com atenção - foi cunhada pelo próprio entrevistado e dita assim, quase ao acaso, nessa conversa que revela o "estilo Geraldo Hasse" de trabalhar: clareza, concisão e profundidade. Ora, isso é o paradigma do jornalismo de excelente qualidade. Hasse, 56 anos, nasceu no Rio Grande do Sul, precisamente em Cachoeira do Sul, tendo se graduado em Comunicação em "1968 - O ano que não terminou", no entendimento de Zuenir Ventura. Especializou-se em jornalismo agrícola, tendo atuado como colaborador das revistas Globo Rural e repórter da Veja, Exame, Guia Rural e, ainda, na Gazeta Mercantil. Posteriormente, ocupou o cargo de Editor Chefe do Diário da Região, em São José do Rio Preto, tendo "aportado" em terras capixabas na década de 90, quando integrou, inclusive, o quadro funcional da Aderes-Agência de Desenvolvimento do Espírito Santo. Conquistou dois importantes prêmios no decorrer da sua carreira: o Esso de Reportagem Econômica (1979) e o Interamericano de Jornalismo IICA (1992). É casado com a também jornalista Cláudia Rodrigues e pai de Mariana, 23 anos, Tao, 13, Gaia, 11 - esta nascida em Manguinhos - e Tami, de apenas 16 meses. Possui cinco livros publicados - A Laranja no Brasil (1987); Filhos do Fogo - Memória Industrial de Sertãozinho (1996); O Brasil da Soja (1997); Pioneiros da Ecologia do RS (2002) e O Semeador do Sertão - Biografia de Maurilio Biagi (2003). Mês passado, Geraldo Hasse esteve em solo capixaba - reside atualmente em Florianópolis - para o lançamento de Mar de Âncoras, publicação que analisa "porque o Espírito Santo é portuário e internacionalizado", levando o autor a acreditar "que se trata de uma fatalidade geográfica". Século: O que o levou a escolher o Jornalismo como profissão?
Hasse: A necessidade de sobreviver, em primeiro lugar. O gosto pela escrita também pesou. Até os 18 anos, eu estudava para ser agrônomo. De repente, precisei trabalhar e o único curso noturno que me interessou foi o Jornalismo. Século: Como se deu sua transferência para o eixo Rio/São Paulo onde atuou em diversas publicações de circulação nacional, como a Veja, Exame, Guia Rural, Folha de São Paulo e Gazeta Mercantil? Hasse: Quando cursava Jornalismo, nosso modelo era o Jornal do Brasil. Eu sonhava ser repórter do Caderno B. Gostava também da revista Realidade. Quando surgiu a Veja, em setembro de 1968, fiquei fascinado com seu poder de síntese. Em junho de 69, eu era redator de um jornal em São Paulo e, por acaso, fui convidado a cobrir as férias do correspondente de Veja, em Curitiba. Era só um mês, mas larguei o emprego. Fiquei 9 anos na Veja, e depois passei quatro ano na Exame. Ainda trabalhei meses na Placar e três anos no Guia Rural. Passei mais tempo na Editora Abril do que na minha terra natal, de onde saí aos 14 anos. Século: A opção pelo jornalismo econômico sinaliza uma preferência pessoal ou o senhor pressentiu, já a década de 70, a importância que a temática econômica viria a ganhar nas décadas posteriores, com o advento da globalização?

Hasse: Quando eu era correspondente da Veja em Curitiba, em fins de 1969, me mandaram entrevistar um empresário em Blumenau. O gancho da história é que Ingo Zadrozny tinha furado a barreira americana aos têxteis brasileiros e estava vendendo montes de toalhas no mercado dos EUA. Era para ser uma "materiola", mas o rei das toalhas felpudas contou o pulo do gato e a matéria cresceu, incorporando outros repórteres, principalmente em São Paulo, onde a bolsa fervia. Por um acidente de percurso, a matéria virou capa da revista, aliás, foi a primeira capa da editoria de Economia & Negócios, pois até então, a revista focava principalmente a política. Em resumo, entrei na reportagem econômica por acaso. Século: Em 1979, o senhor foi o ganhador do "Prêmio Esso de Reportagem Econômica" e, em 1992, do "Prêmio Interamericano de Jornalismo IICA". Poderia nos falar a respeito das matérias premiadas e em quais circunstâncias foram feitas? Hasse: Ganhei o Esso com uma matéria agrícola intitulada "O Desafio da Abundância", publicada pela Exame. Sobre os obstáculos à expansão da agricultura brasileira, que produzia então 40 milhões de toneladas de grãos por ano (hoje produz mais de 100 milhões). Tive a ajuda de uma equipe enorme. Só lembro que dividi o cheque entre 13 pessoas. Um dos colaboradores da reportagem foi o capixaba Jorge Luiz de Souza, que operava em Brasília. O Prêmio do IICA também foi "coletivo": a matéria da Caminhos da Terra era um perfil do extrativista florestal capixaba Rainor Greco e se baseava numa fita em que o próprio Greco se defendia de um "ataque" do repórter Rogério Medeiros, que o chamava de assassino da mata atlântica. Também participou da matéria o fotógrafo Humberto Capai. Século: É visível no jornalismo contemporâneo uma hegemonia dos temas econômicos sobre os demais, inclusive, os políticos. Essa é uma tendência que deverá persistir, pelo menos, nas próximas décadas deste novo século? Por que?

Hasse: O número de páginas que os jornais dedicam a economia e negócios não é diretamente proporcional ao peso do dinheiro na vida das pessoas. Na minha opinião, a economia tende a ter maior presença no noticiário. O jogo do mundo dos negócios fascina cada vez mais as pessoas. O problema é que a cobertura da imprensa deixa muito a desejar, passando ao largo dos arranjos feitos para explorar as pessoas, que ignoram os interesses existentes por trás das notícias. Não estou falando de praticar o jornalismo panfletário. Defendo o jornalismo sem oba-oba. Século: Tendo mais de 30 anos de profissão, quais as diferenças mais significativas que o senhor observa na linha editorial adotada pelos veículos de comunicação de hoje, independente das transformações gráficas e tecnológicas pelas quais passaram na década de 90? Hasse: Os grandes veículos são cada vez mais semelhantes entre si na subordinação da linha editorial aos interesses do marketing. Século: Com o advento do "capitalismo tardio", é fácil constatar a explícita influência - quando não subordinação - do jornalismo ao marketing. É ainda possível fazer-se um jornalismo independente ou na pós-modernidade esse é um conceito obsoleto, quando não utópico?

Hasse: O exercício do jornalismo é atributo dos jornalistas, que operam segundo regras e princípios universais associados ao direito à verdade, à liberdade e à justiça. O problema é que o jornalista está encaixado dentro de uma estrutura empresarial. É claro que não cabe a nós agir como empresários ou pensar como marqueteiros. O nosso negócio é servir bem ao leitor. Eu lamento profundamente a falta de ética nas redações. Para mim, o jornalismo é um ofício sagrado que não merece ser maculado pelo business. A situação da imprensa hoje, me faz lembrar a experiência do Coojornal, uma cooperativa de jornalistas fundada em 1974, em Porto Alegre. Ela fez parte da imprensa alternativa, que enfrentou a ditadura à sua maneira. Nós dávamos um jeito de publicar no Coojornal, um mensário, o que não saía na grande imprensa por censura legal, política, ideológica ou econômica. Data desta época a crítica à mídia, transformada em rotina pelo Observatório da Imprensa. Tenho saudade daquele tempo. Na cooperativa nós nos pautávamos a partir da nossa indignação. A Coojornal foi sufocada pela ditadura, que pressionou os anunciantes, para que abandonasse a cooperativa. Ela fechou em 1982. Século: Já tendo 5 livros publicados - A Laranja no Brasil (1987); Filhos do Fogo - Memória Industrial de Sertãozinho (1996); O Brasil da Soja (1997); Pioneiros da Ecologia do RS (2002); e Semeador do Sertão (2003) - uma biografia de Maurílio Biagi, percebe-se que, a partir de 1996, o senhor passou a publicar com muito mais freqüência. Pretende continuar investindo nessa linha de trabalho? Por que?

Hasse: Os livros são reportagens que se adensaram e aprofundaram com o tempo. Eu sou essencialmente jornalista, mas a simples matéria não me satisfaz mais. Eu quero ir sempre mais fundo. Se puder virar o assunto pelo avesso, melhor para todos. Acho que a regra vale para qualquer repórter. Dependendo das circunstâncias, qualquer matéria tem potencial para virar livro. Sinto saudade do ambiente do jornalismo - até o primeiro trimestre de 2002 trabalhei como repórter da Gazeta Mercantil, que me transferiu de Vitória para Florianópolis - mas agora estou trabalhando quase exclusivamente em projetos de livros, uns próprios, outros sob encomenda. Século: Parece ser consenso no meio jornalístico e editorial, ser o senhor apontado como dono de um estilo único, autor de excelentes textos - concisos, claros e "saborosos" - mesmo versando sobre áridos e intrincados temas econômicos. Some-se a isso, sua extraordinária capacidade de concisão e o talento de prender o leitor da primeira à ultima linha. Essas qualidades da sua escrita poderiam conduzi-lo à literatura ficcional? Hasse: Complicado, né? Se encararmos a ficção como não-realidade, nunca chegarei lá, pois sou muito apegado à realidade. Para mim, pão é pão, queijo é queijo, e estamos conversados. Mas freqüentemente encontro na realidade aquelas qualidades que se associam à ficção, como o irrealismo, certa atmosfera de sonho, um ou outro aspecto fantástico ou delirante, e tantas outras coisas. Por enquanto, me basta a realidade. No fundo, não importa muito se escrevemos realidade ou ficção, mas que o façamos integralmente - com a alma. Século: Falemos agora um pouco do seu "caso de amor" com o Espírito Santo. Quando e em que condições se deu?
Hasse: Optei pelo Espírito Santo no início dos anos 90, quando decidi sair de São Paulo para melhorar a qualidade de vida. Em meados de 90, a Cláudia ficou grávida do Tao e nós fizemos uma lista de 20 cidades onde seria interessante morar. A maioria no litoral. Num fim de semana de agosto, pegamos um avião, descemos em Vitória e nos hospedamos em um hotel em Jacaraípe. Numa caminhada, descobrimos que o lugar poderia ser uma aldeia chamada Manguinhos, onde moramos por mais de seis anos, em duas etapas, começando em abril de 1991 e terminando em março de 2000. Nesse período, a não ser a temporada 1994/96, quando dirigi a redação de um jornal (Diário da Região) em São José do Rio Preto, trabalhei, sobretudo, como free-lancer, a serviço de veículos nacionais e capixabas. Um dos trabalhos que mais gostei de fazer no Espírito Santo foi o Documento Estado, uma série sobre a história capixaba, publicado em 1992 por A Gazeta. Século: Em novembro último, o senhor esteve no Espírito Santo para o lançamento de mais um trabalho, desta vez realizado para o Sindiex. Poderia falar um pouco a respeito? Hasse: A idéia foi do Luiz Guilherme dos Santos Neves e do seu parceiro Renato Pacheco, mais o Humberto Capai, que botou o ovo em pé. Entrei como convidado, foi uma honra. O livro Mar de Âncoras explica porque o Espírito Santo é portuário e internacionalizado. Concluímos que se trata de uma fatalidade geográfica. Século: Na década de 90, durante dois anos, o senhor pertenceu ao quadro funcional da Aderes - Agência de Desenvolvimento do Espírito Santo tendo, portanto, intimidade e conhecimento da economia capixaba, aliás, conhecimento também expresso em Mar de Âncoras. Como o senhor vê a economia do Espírito Santo neste momento e quais as perspectivas para os próximos anos?
Hasse: Com a descoberta do petróleo em águas capixabas, o Espírito Santo tem potencial para crescer mais que os estados vizinhos. O Estado é competente, enxuto e equilibrado. Uma síntese brilhante do Brasil. O grande risco é uma onda migratória que agrave o quadro de pobreza e violência. Século: O senhor abriga planos de um dia voltar a residir em terra capixaba? Quem sabe, uma vez mais em Manguinhos, dedicando-se com exclusividade às artes da escrita... seria uma hipótese plausível? Hasse: Sim, eu tenho fantasias com o Espírito Santo. Século: O senhor foi um dos fundadores do PT, em São Paulo. Com o Lula na Presidência, qual é a sua visão sobre o governo do PT e quais são suas expectativas como cidadão brasileiro? Hasse: Freqüentei as reuniões do núcleo de imprensa do PT, que se reunia toda semana à noite na sede da ABI na Rua Augusta, no final dos anos 70, início dos 80. Quando Lula foi eleito, em outubro de 2002, dei-lhe o prazo de um ano e meio para começar a dar conta do recado. Não estou totalmente satisfeito, mas faz tempo que descobri que Papai Noel não existe. E não quero fazer com Lula o que fizeram com o Vitor Buaiz, fritado pelos radicais do partido por ter feito um acordo operacional com o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso.

Um comentário:

  1. É dona Cláudia, este seu marido é bom mesmo.
    Parabéns ao casal.
    Beijos, Lau

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