sábado, 15 de agosto de 2009

G.H em nosso habitat

Festa acaba com tiro no pé do povo Geraldo Hasse, para Século Diário
A economia começa a dar sinais de recuperação. Um investimento aqui, uma encomenda ali, novos empregos acolá. Muito bom, mas seria melhor se nessa retomada houvesse uma verdadeira mudança na qualidade do sistema econômico, de tal forma que ao cabo de cinco anos, ou meio século, ou meio milênio – o período não importa, o que vale é o esforço para melhorar --, fossem corrigidas as desigualdades e a humanidade pudesse abraçar-se numa confraternização sem limites. O maior dos investimentos anunciados nos últimos dias foi o da duplicação da fábrica de veículos da General Motors em Gravataí, RS. A GM promete investir R$ 2 bilhões para produzir mais 300 mil carros por ano. Vai começar pegando um empréstimo de 300 milhões do Banrisul, o banco estatal gaúcho. Há também BNDES e Caixa no negócio abençoado pelo presidente Lula e a governadora Crusius, que encaminhou à Assembléia Legislativa um projeto para mudar a lei de 1996 que autoriza o Tesouro estadual a emprestar 75% das receitas do ICMS por 10 anos (carência) e dando prazo de 12 anos para o reembolso. Trocando em miúdos: a GM vai instalar-se com dinheiro emprestado pelo governo e começará operando com isenção de 75% do imposto estadual. Como o projeto é para 2012, isso significa que a empresa só começará a devolver o empréstimo em 2022, tendo então 12 anos para pagar, isto é, vai até 2034. Na prática, a empresa desembolsa pouco ou quase nada para levantar um “centro automotivo” cuja construção corre por conta principalmente dos seus “parceiros”, isto é, fornecedores. É um esquema parecido com o dos gigantes do autovarejo, que cobram “luvas” ou “jóias” das mercadorias que quiserem ter a honra de aparecer em suas prateleiras. Canto de gôndola, por exemplo, é área nobre e custa muito mais. O modelo da GM não é novo, mas configura uma espécie de dâmpim que se concretiza não na relação direta com os consumidores, mas a partir da própria implantação do negócio, cacifado pelo poder público e pelos parceiros. Estudantes de administração, direito, economia e engenharia deveriam procurar informações sobre essa nova modelagem de negócios inventada por multinacionais que apesar de estarem quebrando em seus países de origem continuam dando as cartas em regiões onde implantam quase gratuitamente plataformas de produção para mercados domésticos e estrangeiros. Em Gravataí, a promessa é de mil empregos diretos na GM e não se fala mais disso. A automação dos processos industriais faz todo mundo esquecer que uma das vantagens da indústria automobilística, há 50 anos, quando ela foi implantada no Brasil, era a capacidade de multiplicação dos postos de trabalho. A cada emprego direto na montadora, correspondiam mais de 20 nas bases produtivas e na cadeia de serviços. Hoje não se fala mais nisso. Empregos, renda, tributos: todos os ingredientes da cadeia de benefícios do desenvolvimento industrial clássico estão em recesso ou depressão. Então por que governantes e empresários soltam foguetes se investimentos como o da GM em Gravataí configuram a continuidade de um modelo econômico ambiental e energeticamente insustentável? Os políticos e empresários que sobem nos palanques para assinar protocolos e fazer discursos estão esquecendo alguma coisa. Esquecem que em nome do desenvolvimento futuro estão aparecendo como salvadores da pátria enquanto dão um tiro no pé da população. Provérbio italogaúcho “Ogni busa la gà so scusa” (Todo buraco tem sua desculpa)

2 comentários:

  1. É, meu amigo Geraldo, a coisa é lenta. Com certeza necessitamos de uma nova visão de mundo, uma nova ordem na escala de valores, mas ainda vai tempo.
    Minha esperança é na mudança radical que acontece na comunicação, sem que a maioria das pessoas perceba, a nova era chegou. Entramos na era digital, onde todo cidadão, querendo ou não, vai estar conectado e, melhor ainda, podendo falar.
    Vamos ver. Espero.
    Grande Abraço!
    Lau

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  2. Realmente, nada como a palavra bem utilizada para fazer pensar.
    A Cláudia tinha razão: gostei muito do texto!
    Lembrei, após lê-lo, de uma decisão sobre dâmpim social, que também é merecedora de destaque, dentre tantas de lavra do Juiz Jorge Souto Maior, de Jundiaí/SP, disponível em http://consulta.trt15.jus.br/consulta/JUN/docs/02068200709615000i237821.PDF
    Parabéns, abraço e boa semana!!!!
    Oscar.

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