quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A maluquice do leite que sai da gente

Por Cláudia Rodrigues







Das coisas loucas da maternidade na vida das mulheres civilizadas, e não são poucas, a mais maluca é em relação ao leite que sai de nossos peitos. Até nascer o primeiro filho sentimos o peito como se fosse uma bundinha sem qualquer furo, a bundinha perfeita, sempre limpinha, que não solta pum nem faz xixi, mas encanta os homens.

Já nos primeiros sinais de nascimento dos peitos começam as piadas e nos sentimos mais mulheres, no sentido sexualizado da coisa. Nenhuma adolescente pensa que aqueles volumes ali um dia serão reservatórios de leite, mamadeiras vivas que excretarão o precioso líquido cheio de hormônios humanos, vitaminas, proteínas na medida exata e que por meio deles os bebês terão atenuadas as fantasias de separação, simbiose e diabo a quatro. Ui que idéia, isso nunca passou pela cabeça de ninguém civilizado!

Muito menos que maternidade e prazer são farinhas do mesmo sexo. A primeira providência é comprar um sutiã, de preferência lindo, caro e que ajeite o volume de acordo com a moda. Já houve moda para tudo em matéria de peito certo. Peito já foi mais sexy bicudo e grande, bicudo e pequeno, sem bico e arredondado, minúsculo, enorme. No momento a onda é siliconado. Ah, registre-se que peito velho e caído nunca esteve entre os preferidos. Os em formato de pêra sempre foram discriminados. Até que de repente, depois de muito prazer, ah sim eles dão prazer para nós também, não só para os homens, descobrimos no pós-parto a utilidade fisiológica dos peitos.


Que confusão é para a mulher civilizada descobrir essa nova utilidade dos peitos. Como pode um bebezinho de boquinha tão minúscula abocanhar sem a menor delicadeza nossos peitos que só serviam para o amor sexual?
E existe amor não sexual?
Estariam os peitos destituídos de sexualidade durante a amamentação?
Podemos curtir prazer com o parceiro na fase em que os peitos estão cheios de leite?
Por que separamos tudo em saquinhos cartesianos?
E sai leite mesmo?
Será?
E se não der certo?
Sai quanto?
Sai quando?
Por que não desce logo?
Olha só, não é só um buraquinho central, são vários!
Pronto, na primeira semana surgem as fissuras. O bebê puxa, nós travamos, retesamos. Tenta-se imitar a moça da foto, tão cândida amamentando, mas na prática é coisa de bicho, se bobear amamentar é coisa mais bicho do mato do que parir.
Segurando empedra, soltando vaza, deprimindo, deprime-se a nova relação. 

O mercado já tratou de produzir um bico de silicone que fica entre o mamilo da mãe e a boca ousada do bebê, bicho maluquete nada cultural. Ele puxa com uma força incalculável o suco de mãe. Desesperado ele busca nesse gesto, além de lutar pela sobrevivência, resgatar algo de vital da simbiose que vivia com ela na barriga. Mas a mulher civilizada fica pasmada diante desse vigor e sofre, geme, pede ajuda externa, espreme, verifica, chama o marido e marca consulta no pediatra para arranjar uma solução e conseguir um atestado para usar a mamadeira.


Ela duvida, duvida que é capaz de aleitar. Sequer sabia que bebês choravam tanto! Tão diferentes das bonecas da infância, necessitam tamanha quantidade de presença, presença de peito. Ela até que tenta, mas para algumas vencer a fase do colostro já vira delírio e iniciam a complementação com os leites artificiais antes mesmo de o bebê chegar aos 15 dias de vida.

A média de amamentação no Brasil está em torno de pouco mais de um mês. O precioso líquido sai conforme a demanda. Quanto mais o bebê mama, mais a mulher produz leite.
Isso está comprovadíssimo e é assim entre todos os mamíferos, mas quem vence a cabeça complicada de uma mulher civilizada?
Cadê os mililitros?
Peitos não deveriam vir com aquelas marquinhas que atestam quanto saiu de leite?
Quanto ficou?
E se chorou depois de mamar?
E se brigou com o peito, esfregou o rostinho, irritou-se?
E se não dorme?
E se vomita?
E se acorda à noite?
E se dorme demais?
E o peso?
E se pesar de menos?
E a cor?
Será que acor está certa?
Ah, tem cheiro, cheiro de leite! 
Tudo leva a mulher a acreditar que não tem leite suficiente, que seu leite é ralo, raro, insuficiente, uma mala leche. E que mal tem dar uma mamadeira se isso acalma a necessidade que o bebê tem de resgatar seu eu simbiótico com a mãe e em contrapartida liberta a mulher adulta daquela agonia de reviver aqui fora parte do que viveu na gestação?

Ah pois é, aí é que está. O bebê na barriga não chora, não fica todo dia olhando na cara da gente e dizendo: "sou seu; você agora vai ter que me carregar pendurado por longos dois anos e depois ainda ficarei no seu pé dizendo me leva, me beija, me brinca, me lava, me trata, me cuida, me educa."
Mas o que pega mesmo é esse início, o do "me deixa grudar em você, me deixa te chupar, tirar teu suco até o fim."


A mulher civilizada sente-se literalmente sugada pelo bebê, está longe de entender os sentimentos de uma gata mansa, que fica lá horas amamentando e só sai para dar uma esticada, alimentar-se, beber uma água e voltar para a prole, está longe de compreender seus próprios sentimentos, suas dores de simbiose e separação. Ela quer resposta para cada choro, cada pum, cada vômito. Nada parece natural e fisiologicamente administrável diante de tantos artifícios culturais que criamos para colocar entre nós e nossos bebês. Já nasce o filho queremos cortar o mal (ou seria o bem?) pela raiz.

9 comentários:

  1. Lindo texto, estou vivendo essa fase agora e é tão bom ler algo tão verdadeiro!
    Obrigada

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  2. Você é Muito Maluca, Claudia Rodrigues. Adoro!

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  3. Massa! Vou fazer um ctrl+c e ctrl+v e colocar na amiga teta! com as devidas referências da autora!!! posso???

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  4. Oi Tula, pode colocar na Amiga teta, nossas tetas são amigas.

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  5. Adorei o texto.
    Tb vou fazer referencia a ele no meu blog pessoal, com os devidos créditos, posso?

    Flávia

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  6. Ótimo texto, muito bom mesmo!!!
    Eu ficava horas com baby pendurada, mas nem assim ela ganhava peso, em mais de um mês tivemos que dar complemento... =(

    Beijocas

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  7. Oi tia Claudia,

    Puxa vida, minha mãe leu seu texto e me disse que A-DO-ROU cada palavrinha.

    Eu, enquanto bebê que ainda não nasceu (filosofei agora hein - hehe), nunca pensei que simplesmente matar a fome significaria tanta coisa, tanta dúvida, tanta insegurança e até dor pras mamães.

    A minha mãe vai me dar de mamar no peito, e sem complemento até os 6 meses... mesmo que isso machuque um pouco a pele dela. Ela sabe e, mesmo com "medinho", disse que encara só pra ter o gostinho de me ter feliz e saudável.

    chutinhos meus e bjinhos da minha mãe ;)

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