sábado, 22 de agosto de 2009

Saúde e maternidade

Por Cláudia Rodrigues

Crianças adoecem porque estão fortalecendo seus sistemas imunológicos. Desde que o mundo é mundo elas adoecem, têm febres que causam prostrações assustadoras. Molenguinhas, de olhos brilhantes e bochechas rosadas, elas param de se alimentar e desanimam-se para brincar quando a febre sobe. Precisam descansar, o corpo pede, a alma clama. A febre é sintoma benéfico, sobe a temperatura para matar bactérias, o corpo começa de alguma forma a expulsar a bicharada, que dependendo da constituição, da história genética e de muitos fatores externos, se transforma em tosse, catarro, vômitos ou diarréias. Com hidratação adequada em 3, 4 dias 90% desses sintomas desaparecem e o sistema imunológico sai fortalecido. Existem, obviamente, doenças muito específicas e para elas remédios também específicos, mas nunca o antitérmico é um deles. Em alguns casos o corpo da criança não dá conta de expulsar, sozinho, uma doença e aí é hora de lançar mão da consulta bem indicada e de algum remédio específico. Pode ser homeopático ou alopático. A homeopatia trabalha com os sintomas levando em consideração a similaridade e buscando equilibrar o corpo para que ele mesmo dê cabo da doença. Ela não combate a doença, tenta arranjar um meio dentro do corpo para que ele reaja ao sintoma, mas não tem comprovação científica. A alopatia trabalha contra os sintomas, reprimindo-os, atua contra a doença, mas nem sempre a favor do corpo já que um determinado remédio para um determinado sintoma pode acarretar outros sintomas e quiçá outras doenças futuras, inclusive um agravamento da doença que está sendo combatida; o corpo pode aprender a resistir ao remédio, fortalecendo a doença. Por isso não é raro que uma primeira otite vire otites de repetição quando tratada com antibióticos.
O remédio mais popular da homeopatia é a Beladona.
Flores da beladona
Na fazenda da minha avó havia um pequeno boticário, a Beladona era usada para quase tudo e imediatamente ao sinal de qualquer indício de febre. Perto da fazenda não havia médicos ou postos de saúde. O doente precisava de repouso e presença materna, que ia e vinha com constância para distrair e confortar a criança. Se após o uso da Beladona surgisse dor de ouvido, iniciava-se a Pulsatilla, se fosse dor de barriga e vômitos, entrava-se com a Nux Vomica. A Camomila era usada para agitação, o Bórax para feridas na boca; Mercurius para dores de garganta; Arsenicum para asma; Ferrum Fosforicum para fazer aflorar sintomas de doenças pouco diagnosticáveis e Pyrogenium para pneumonias. Ao primeiro sinal de ataques por vermes cortava-se o açúcar e o abuso de carboidratos, investindo-se em chás de hortelã e comida temperada com alho, lançando-se mão da Staphisagria, que também era usada para ataques de piolhos. Qualquer machucado era tratado com muita água e sabão e deveria ficar ventilado para evitar infecções. Se fosse muito grande e aberto levava iodo e uma atadura para fechar. Essa atadura era trocada uma vez por dia até que se notasse a cicatrização. Sépia era utilizada para ajudar, mas o principal mesmo era o tratamento da ferida. Para quedas e contusões Arnica, para terrores noturnos Carbo Vegetabilis, para tosse seca Bryonia. Tuberculinum era usado para tratamento da tuberculose, mas esse era um mal muito difícil de debelar; as mães o temiam tanto que a melhor forma de tratá-lo era por meio da prevenção, com uma boa alimentação e hábitos de higiene muito rígidos. Sabia-se para que servia a beterraba, a abóbora, as folhas e todas as ervas disponíveis na horta. Na sala de jantar havia uma pia enorme, com um sabonete que ficava pendurado numa traquitana com imã, ao lado estava uma toalha de linho, sempre impecavelmente branca. Comer sem lavar muito bem o rosto e as mãos era um pecado capital que ninguém ousava.


Logo pela manhã as janelas eram abertas para a entrada do sol, os tapetes e cobertas eram levados ao sol e as crianças podiam correr soltas atrás das galinhas enlameando-se até perto da hora do almoço. No verão banhos de rio, no inverno histórias ao pé da lareira. Ah, mas que saudosismo, não precisamos de tantos cuidados, dá muito trabalho e nosso tempo é curto, a farmácia da esquina está repleta de remédios, não temos mais tempo para cuidar das crianças, faz-se vista grossa para lavagem das mãos e é necessário uma certa urgência para a criança ficar boa logo, voltar para a escola e a mãe para o trabalho. Nós queremos vacinas, queremos um sistema imunológico fast food ultra-asséptico, já pronto desde o nascimento. Não queremos saber se o conservante no suco faz mal à saúde ou a algum órgão específico do corpo. Temos remédios para cada órgão. Não queremos saber se a radiação de um raio X nos atinge ou o quanto pode nos atingir, queremos ver o órgão e curá-lo, se preciso extirpá-lo, como se ele não estivesse ligado com todo o resto do corpo. Pouco nos importa se a caixinha do suco que bebemos vai contaminar o meio ambiente e nem sabemos o quanto a ecologia interna tem a ver com a externa.
Estamos em outro momento, nós podemos tudo, não precisamos nos preocupar em salvaguardar a saúde, somos deuses das doenças, nós sempre podemos combatê-las, nós temos centros especializados em unir gente doente, nós temos convênios para administrar de maneira ultraeconômica nossas doenças. Temos uma geração de crianças que detesta frutas,  não suporta beber água e idolatra latinhas de refrigerante, mas em contrapartida temos médicos especializados para tratar problemas renais infantis com remédios e cirurgias magníficas. Nós somos tudo, nós podemos tudo, nós temos drogas para todos os males, podemos até recortar o nariz familiar para transformá-lo no nariz que sempre invejamos! Nossa capacidade de problematizar a vida é incalculável. Hoje é possível comprar até o vale-morte, já podemos pagar em prestações, nas melhores casas do ramo, nosso jazigo, mas no fundo acreditamos que a tecnologia nos tornará imortais. Confiamos que ainda há de surgir o elixir da juventude eterna e que em breve poderemos abandonar esse planeta imundo, cheio de substâncias tóxicas, em naves espaciais rumo a uma nova Terra em outra galáxia e lá poderemos repetir tudo de novo porque é claro, estamos certos e somos modernos.
Minha avó, a dona da fazenda que citei, deverá completar 100 anos em dezembro de 2009. Ela nunca sofreu uma cirurgia, nem teve doença grave. Deve ter sido pura sorte, mas por via das dúvidas, eu cá dentro da minha vidinha ultramoderna, ainda pratico, afinal porque não me parece assim tão difícil assim, aquilo que tive o prazer de observar que funciona como método de preservação de saúde.

Um comentário:

  1. Adorei, mais um para ler e reler sempre, e incorporar. Ontem mesmo estava lendo como os anti (inflamatório, alérgico, térmico, biótico etc) reprimem a doença e a doença reprimida traz mais doença. De como a homeopatia trabalha diferente, buscando a harmonia e o equilíbrio. E com certeza não funciona sem bons hábitos no dia a dia.

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