quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Prova de fogo

Por Cláudia Rodrigues

Tenho deixado os adultos da minha casa com os cabelos em pé porque adoro brincar com fogo. Dia desses achei uma caixa de fósforos em um lugar altão do armário da cozinha. Mamãe falou para a Léa guardar longe do meu alcance. Que bobagem! Tenho quatro anos e não adianta esconder nada de mim: subo em cadeiras, mesas, arrasto escadas e pinto o sete na minha casa. Aproveitei que estavam todos distraídos e escondi-me atrás do sofá com uma caixa de fósforos na mão e um pedaço de papel. Taquei fogo nele, taquei mesmo e o fogo ficou enorme, tão grande que precisei soltar o papel. Aí soprou um vento e pegou fogo no sofá. Comecei a chorar, saí correndo de perto do fogo chamando a Léa. Ela abriu a porta da cozinha apavorada e foi batendo com o guardanapo molhado no sofá. Daí o fogo sumiu, mas o sofá ficou com um buraco preto. Claro que, com razão, todos ficaram bravos comigo. Mamãe, papai e Léa me explicaram que eu podia colocar fogo na casa toda, pois o fogo se espalha muito rápido e deixa as pessoas sem ar para respirar e queimadas. Eu entendi mais ou menos, mas o pior, pelo menos para mim, é que ficou um clima pesado lá em casa e todos escondem ainda mais os fósforos, com medo que eu coloque fogo na casa. Fico chateado e, quanto mais chateado fico, mais vontade eu sinto de brincar com o danado, tão luminoso e ardente. Ando bolando um jeito de fazer fogo sem espalhar fogo, um fogo seguro. Será que isso é possível? Escutei papai falando para a mamãe que ele estava com medo que eu colocasse fogo na irmãzinha. Não gostei nada desse comentário e não gosto que as pessoas tenham medo de mim por causa das minhas fantasias com fogo, afinal até eu fico com medo do que sou capaz de fazer. Fica aquele clima medo dentro do medo e isso dá uma coragem, uma vontade daquele grande incêndio na casa toda, em todo lugar. Já até imaginei a Dona Cecília pegando fogo inteirinha, aquela chata que sempre reclama quando brinco de carrinho no ladrilho da calçada dela! Eles não entendem que eu gosto do fogo e fico fascinado quando as chamas aumentam. Não sei, mas acho que ficar escondendo os fósforos, como se eu fosse um delinquente, não vai resolver. Acho que eu gostaria que papai e mamãe percebessem que eu sou pequeno, mas nem tanto. Verdade seja dita: se eu sei lascar fósforos é porque estou preparado para isso. Será que não estou? Será que eles têm razão? Sei não. Talvez o papai pudesse me convidar para fazer uma daquelas fogueiras de filme de mocinho...Nós poderíamos juntar as pedras para cercar o fogo e depois assar alguma coisa. Eu já posso segurar um espeto, ficar olhando o fogo que não se alastra acompanhado por adultos. Parece que não percebem que se eu aprender a respeitar o fogo não vou querer testar limites tão perigosos. Pôxa, se eles proíbem fica aquele gostinho de querer fazer escondido, mas se aprenderem a confiar em mim, estabelecendo regras e limites, dando espaço para essa fase em que o fogo é tão atraente, não vou tentar trair a confiança deles. Minha inteligência, pelo menos, é à prova de fogo. Ah, estou com sono, acho que vou dormir e sonhar que quero ser bombeiro; tão poderoso que apagarei fogos enormes com aquelas mangueiras gigantes. Mamãe vai ficar orgulhosa de mim e papai também.

3 comentários:

  1. "não adianta esconder nada de mim: subo em cadeiras, mesas, arrasto escadas e pinto o sete na minha casa."

    Parece até o pequeno Luã falando, com a correção de que ele tem dois ao invés de 4 anos! rsrsrs

    Mas é o mesmo fascínio por fogo, e apesar de ainda não riscar fósforo, é louco por velas.

    Aqui eu fiz algo parecido e foi um sucesso. No São João executei junto com ele uma mini fogueira, ele e o pai foram juntos ao quintal pegar gravetos e depois juntamos tudo e assistimos juntos ao fogo queimando, ele no meu colo hipnotizado e orgulhosíssimo de ter trazido os "paus".

    Até hoje ele se lembra do fogo quando vê as marquinhas no cimento... :-)

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  2. Genial! eu ainda não tinha lido nada do livro...amei!

    Beijos

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  3. São inéditos Carol, o livro só traz Voz da Criança de 0 a 2 anos. Esses aqui são exclusivos dos blogueiros, mas talvez eu coloque algum do livro.

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