sábado, 8 de agosto de 2009

Veneno Antimonotonia

Por Cláudia Rodrigues

Os homens têm um compromisso tragicômico com a ereção. É certo que sem ela não há penetração e, consequentemente, o orgasmo não virá. Mas daí a acreditarmos que o segredo da ereção passa mais por uma vasodilatação do que pelo desejo – um supervasodilatador que envolve o corpo inteiro – é mesmo uma piada. Os médicos já advertiram que o viagra é específico para quem tem problemas de ordem psicológica; os psicólogos diriam, problemas com o desejo. Só o fato de o sujeito sair em direção à farmácia para comprar o tal remédio, já é meio caminho andado. Lá vai o homem todo esperançoso de voltar aos 20 anos. Se a mulher souber são dois mergulhados em fantasias jogando a favor, se ela não souber; é um prato cheio para as fantasiais de poder masculinas e está morta a charada. Algumas senhoras poderão ficar em apuros, pois, com apenas um comprimido de viagra o maridão pode chegar ao maior insight da sua vida sexual: tem tesão, mas a parceira não responde à altura. Se os homens começarem a viver uma espécie de independência sexual, como as mulheres viveram com a chegada da pílula, não será mera coincidência a queixa de patroas abandonadas, trocadas por outras mais macias e aconchegantes. O que era óbvio será um fato: mulher boa de cama é aquela que está a fim do sujeito. Bobagem. O viagra não é mais do que um jogo de marketing econômico de proporções sociais não previsíveis e efeitos colaterais ainda em pesquisa, já na fase em que humanos podem servir como cobaias. Ereção é desejo e o desejo é o propulsor da ereção. Desejo não é achar uma perna feminina bonita, ser seduzido por um perfume, mergulhar em um par de belos seios, embora um gracioso e amigável par de pernas ou de seios faça parte do universo da fantasia dos homens. Não necessariamente da realidade. Desejar é ser impelido em direção a alguém para comer, beber, beijar, tocar, receber e dar o que sente. Ereção, penetração, umidade, temperatura interna adequada, gozo e satisfação são conseqüências do desejo de uma pessoa que também é desejada por outra. E isso acontece em qualquer idade. O viagra está para alguns homens como a cirurgia plástica está para algumas mulheres. Homens e mulheres contemporâneos estão tendo muita dificuldade para deixarem de ser jovens, potentes e poderosos para sempre, como o foram aos 20 anos. Estão aprisionados em corpos de padrões pulsáteis vencidos, antigos, que jamais poderão ser restaurados. Um homem de 20 anos está sempre “armado”, assim como uma jovem da mesma idade sente arrepios ao mais leve toque. É uma questão hormonal, um fogo natural das primeiras experiências sexuais, emocionais, profissionais; tudo é muito intenso, não há limites, as reservas são poucas. O início da vida sexual de uma pessoa saudável só pode ser comparado à voracidade de um recém-nascido pelo seio materno. Mas assim como o recém-nascido, que depois passa por toda a fase oral do desenvolvimento e mesmo quando sai dela não deixa de comer e beber; a vida sexual não termina aos 40, 50 ou 90 só porque já não sentimos arrepios ao primeiro toque. Ela muda, mudam as atitudes involuntárias do corpo e o cérebro tem capacidade para decodificar essas novas mensagens e dar a melhor resposta. Não se pode ter tudo em todas as fases da vida. Se tentamos nos manter com um comportamento de 30 aos 50 anos, corremos o risco de não desenvolver a capacidade associativa do cérebro, por exemplo, que só chega ao seu ápice por volta dos 50. Um ser humano aos 50 anos tem a memória menos privilegiada do que a de um de 30, menos veloz também, mas paralelamente está mais apto a raciocínios profundos e a uma capacidade de associação de idéias bem mais ampla que a de alguém aos 30 – pelo menos se não estiver lutando contra a própria evolução. Um homem de 50 anos, quando permite que seu cérebro acesse as informações que chegam do novo corpo — o corpo de 50 —, não vai entrar em pânico ao perder aquele desejo insaciável e diário de dar uma “rapidinha”, mas mergulhará na nova onda corpo-mental que se insinua, podendo surfar numa próxima etapa da vida sexual, em que a qualidade e a profundidade de um orgasmo valerão por duas ou três rapidinhas. “Velhões” que estão vivendo as singularidades de suas vidas sexuais lembram que davam duas com 20 anos, quando o “benedito” mais parecia um soldado de batalha obrigado a afogar o ganso em qualquer regato. A era muscular, ligada à musculatura estriada, que domava e dominava o cérebro, começa a ceder espaço para um tempo em que o sistema límbico é o centro do furacão. Em vez de tesão e vontade, reina o desejo e a necessidade de entrega. Na maturidade o orgasmo exige um grau menor de ansiedade, já não se assemelha a uma luta entre dois corpos, está mais para a celebração do único segundo real em que dois corpos humanos conseguem uma fusão. Na maturidade não existe a ereção que precisa ser queimada imediatamente, a ereção pode ir e vir em ondas até que a entrega se concretize e a ejaculação ocorra. As mulheres, em qualquer idade, agradecem. E esses homens experientes não vão querer fazer o caminho de volta aos 80, 90, pois estão em continuidade, ouvindo o que o corpo tem a dizer. Não existe viagra algum que substitua uma boa vontade de viver, tomando um vinho ali no sofá, sendo chamado pelo sorriso de alguém que não precisa ter as pernas da Marilyn Monroe. É a figura mais íntima e pode ser a primeira, a terceira, a mistura de todas elas e muito mais para um homem que não cansa de pesquisar, em lugares mais profundos da própria percepção, o melhor dos prazeres; o que vem com afeto.

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