quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Uma palmadinha não dói?


Por Cláudia Rodrigues
Dói. Tapinhas ou as tais famosas palmadas educativas doem. A dor não é só física, é a dor da humilhação, de um tipo de humilhação sem saída. O adulto é fisicamente muito maior do que a criança. Ela pode gritar, chorar, espernear, até teimar e repetir o feito que causou a palmada, mas verdadeiramente ela não encontra uma solução que a faça compreender esse grau de agressão. Apanhar é animicamente intolerável. Apanhar emburrece o gatinho e o cachorro, por quê deveria desenvolver inteligência nos filhotes humanos?
É colocado um fim na questão relacional entre a criança e o adulto e fica muito claro que era um jogo e que nesse jogo existe sempre um mesmo ganhador e um mesmo perdedor. A palmada submete, humilha, enraivece a criança e deixa inscrições corporais que determinam certos traços de comportamento. O corpo que apanha tenderá a desenvolver características masoquistas e esse padrão, também por tendência, deverá se repetir quando a criança que apanhou tiver filhos. Bater é um hábito social, mas acima de tudo é familiar, protegido pelas famílias que costumam defender a agressão como método de educação. São exceções os casos de reparação. Quem apanhou traz a raiva de ter apanhado e precisa trabalhar-se muito para não repetir o padrão.
Não faltam frases: “se apanhar em casa não apanhará na rua”, pau que nasce torto morre torto”, “é de menino que se torce o pepino” entre outras pérolas. A única verdade sobre as palmadas é que o adulto está descontrolado, sente raiva da criança ou descarrega nela, por ser mais frágil, suas tensões em outras questões.
A palmada faz mal ao adulto, que depois sente culpa e procura agradar, muitas vezes exageradamente, realimentando a relação sadomasoquista. E faz mal à criança, que se vê presa nesse tipo, às vezes único, de atenção.

A criança arteira, engraçadinha, que literalmente sobe pelas paredes e foi ensinada a se conter apenas por meio de repressão, vai encontrar saída como? Na adolescência vem a conta e se não vem em palavrões, batidas de porta, notas baixas e outras formas de devolver as agressões sofridas, se internalizará em inadequações pela vida adulta.
Bater é assumir o tratamento escravagista com os próprios filhos, é partir do princípio que a punição é a melhor escola para ensinar, para orientar. De fato é submeter as crianças a uma vida sub-inteligente, é não crer que a criança entre 0 e 5 anos é mais sensorial do que cortical, voltada para um prazer egóico, que se desconstrói naturalmente por meio de raciocínios simples.
Uma criança que nunca apanhou e sentiu-se compreendida em seus ataques e “bobeiras” infantis, chegará aos 5 anos sem qualquer necessidade de dar piti. Entenda-se que compreender aqui não se refere a fazer tudo o que a criança quer, mas esperar pacientemente que ela aprenda a lidar com a frustração, segurando no peito a própria dor de ver um filho querer e não poder levar o docinho, o carrinho ou outro inho qualquer. É acima de tudo respeitar o direito da criança de frustrar-se expressando suas frustrações como ela é capaz naquele momento de seu desenvolvimento.
O adulto, por raciocinar de maneira complexa, julga que a criança entende muito bem aquilo que lhe convém. É de rir, é para rir, é assim mesmo, é o cérebro dela em formação. Com paciência, repetindo 190 vezes a mesma coisa, o bebê de 2 anos vai entender o sentido do “não” e ele próprio vai experienciar os seus “nãos”, eventualmente em ataques de birra.
Mas o adulto que bate não entende que um bebê tenha o direito de expressar o “não” feito um macaquinho. Ele bate, reprime e proíbe o “não” infantil, deixando claro que o único “não” possível é dele, o “não” do adulto. Depois sofre por ter sido hostil e dá os regalos refazendo o ciclo que só pode ser apelidado de deseducação. A criança fica confusa e acaba entendendo a punição como um prêmio ou uma prova pela qual tem que passar para ter tudo o que quer.
A proposta do adulto que bate é sempre muito óbvia.
Você me provoca, eu finjo que não vejo, finjo que você não tem cérebro, só porque sei que seu cérebro é ainda limitado, só porque sei que você depende de mim para sobreviver e então, quando me cansar da brincadeira eu bato em você e te mostro quem tem poder.
Investe-se numa relação agressiva, recheada de desprezo pela criança e depois espera-se colher que flores na relação com os adolescentes e filhos adultos?
Não dá para falar de paz se investimos em violência.

11 comentários:

  1. Maravilhoso! Textos incríveis.
    Posso copiar este texto pro meu blog?? (com os devidos créditos, claro!)

    ResponderExcluir
  2. Oi Angela, que bom ter reconhecimento claro que pode copiar.

    ResponderExcluir
  3. Lindo TExto.
    Concorde em gênero, número e grau ;)

    ResponderExcluir
  4. Olha Angela, é a primeira vez que venho no seu blog, indicado por uma amiga, e li o texto, achei interessante, porem discordo em genero, numero e grau. Eu nao apanhei dos meus pais, nao precisei, meu pai sempre me ameaçava e era o suficiente pra nao querer experimentar. Mas bato na minha filha mais velha, que tem 3 anos, qnd eu digo bato, digo palmadinhas no bumbum, qnd a palavra dita mais de 10 vezes nao resolve. Nao me sinto nem um pouco culpada, nunca machuquei ela, nunca deixei marca de tapas, mas acredito que uma palmada na hora certa educa sim.
    Vejo o mundo de hoje com tanta diplomacia com os filhos, tanta psicologia e o resultado: crianças e adolescentes cada vez mais mal educados, pais sendo agredidos e desrespeitados, juventude mais agressiva... e me explique, o que essa psicologia esta fazendo com as nossas crianças??? Educandando é que nao esta, temos provas cada vez mais concretas de essa educaçao nao funciona tb.

    ResponderExcluir
  5. Laila

    Mas que misturança de temas.

    releia o texto, ali está bem explicado que dar continência não é deixar o filho ter tudo o que quer, ganhar tudo o que pede. Os pais que batem são os que mais costumam fazer agrados.

    Quando você bate porque falou 10 vezes a mesma coisa só está demonstrando que não consegue lidar com a frustração de sua filha.

    Isso ainda vai frustrá-la muito pelo jeito e cada vez mais ela testará seus limites e conforme for crescendo aumentará a "demanda" por agressões. Ela gritará mais, baterá portas. E aí, você vai fazer o quê? Matá-la?

    É uma relação que voce está criando, entende?

    Uma relação onde você é a única agressora, por enquanto.

    Tenho filhos de 16 e 18 anos que nunca apanharam, não temos essa intimidade de insultar e bater, não criamos isso com eles, eles não nos insultam, não batem portas, resolvemos apostar numa relação de respeito, confiança e solidariedade. Só tenho a comemorar.

    Antes de criticar os adolescentes agressivos dê uma espiada na relação que tiveram com os pais durante a infância. Você vai se surpreender.

    ResponderExcluir
  6. Pois é, se alguma vez eu precisei falar 10 vezes a mesma coisa pra minha filha, pude perceber que ou eu não estava sabendo me comunicar com ela ou não percebi o que ela estava fazendo de fato. Sempre que vc profere uma ordem de cima pra baixo sobre uma criança, dificilmente vc saberá o que está se passando com ela, e será mais difícil ela escutar, compreender e "obedecer". Vc grita pra sua filha na pracinha não mexer na planta venenosa e bate nela quando ela insiste em voltar ali, mas talvez vc não se dê ao trabalho de ir até lá e analisar com ela a planta, explicando o que é veneno e o que acontece. Isso exige demais das mães tão ocupadas com seus problemas. Mais fácil ordenar e exigir obediência.
    Tratar os filhos com respeito à sua individualidade e inteligência é a melhor forma de educar, e agressão física não faz parte da mesma frase.

    ResponderExcluir
  7. O melhor de você está aqui. Esse texto precisa ser emoldurado pela OMS.

    ResponderExcluir
  8. Tenho um bebe de apenas 2 anos, acho dificil a nossa relação pois mesmo explicando ele sempre insiste em fazer o que quer. Não quero de maneira alguma dar palmadas ou gritar com ele pois aposto em um relacionamento à base de carinho e confiança, temos que ter respeito compreenção e muita paciencia, amo meu bebe e não é facil conciliar comercio, casa e filhos, mas se for necessário vou procurar ajuda profissional para não errar na educação do meu filho.
    Pois a agreção vai trazer conseguencias ruins para minha familia.

    Qual especialista devo procurar??




























    3

    ResponderExcluir
  9. Rosi

    se o seu filho está se desenvolvendo bem, é alegre e você está feliz na maternidade, apesar da correria que assola a todas nós com as outras demandas, não é necessário buscar um profissional. A criação de filhos não é jamais algo mais que perfeito, como o título do livro que escrevi, uma piada. Nós erramos, todas nós. O importante é ter bom senso, amor. Procurar psicólogos ou pedagogos, somente quando estamos perdidas no processo educacional, sem paciência, agredindo ou quando temos sentimentos maus em relação à maternidade que superam os bons sentimentos. bjs e boa sorte com seu pequeno.

    Cláudia

    ResponderExcluir
  10. Cláudia, mais um texto maravilhoso e bem ponderado. Sou sua fã. Beijos

    ResponderExcluir