sábado, 21 de novembro de 2009

O bambu é o mestre

Por Cláudia Rodrigues
Michele amamentando Sarah Dizem os chineses que um bom lugar para meditar sobre polêmicas é perto de um bambuzal. Os bambus são difíceis de quebrar, mas não podem ser considerados rígidos porque têm alta flexibilidade. Nas questões de educação, em relação ao parto, à amamentação, ao desmame, uso da chupeta, da mamadeira tanto viceja a ignorância plena quanto a rigidez diante da informação e do conhecimento. Ok, sabemos que o parto natural é o melhor para o bebê e para a mãe. Não é achismo, está comprovado e há uma lista enorme de benefícios, sem contar os malefícios das cirurgias desnecessárias. Somente no RS o índice de morte de crianças até um ano de idade está relacionado à prematuridade em 70% dos casos e a prematuridade, por sua vez, está relacionada ao alto índice de nascimentos por cesariana eletiva. Não dá para mulheres bem-informadas e com conhecimento sobre o assunto deixarem de se mobilizar. Nós, da humanização do parto, ficamos estarrecidas diante de uma colega, uma amiga que diz: “o médico achou melhor marcar a cesárea porque o bebê já está grande, já está pronto”. Por outro lado, não podemos esquecer que pelo menos 15% dos partos em hospitais precisam virar cirurgias salvadoras. Com parteiras esse índice costuma cair bem mais. A parteira Naoli Vinaver, mexicana que migrou para a Florianópolis, tem um índice de 1,4% de necessidade de transferência para hospitais e de maneira geral as parteiras e ginecologistas humanizados têm índices menores de 10%. Fato é que eventualmente a cirurgia, que lidera índices, pode ser necessária. Muito provavelmente não foi seu caso, cara leitora, nem da sua vizinha; não por cordão enrolado, nem por bebê que está pesando muito na barriga às 39 semanas, nem porque a bolsa estourou de manhã e era já noite e o bebê nada de nascer, também não porque você teve uma cesariana antes ou duas. Enfim, os motivos alegados e reconhecidos popularmente como motivos para efetuar uma cesariana, são mixórdias na maior parte dos casos. Entretanto é preciso flexibilizar porque sempre houve e sempre haverá mulheres que não dão conta de parir e que se tivessem nascido em 1900 teriam morrido ou perdido os bebês. Essas precisam de cesariana. Parir é um evento fisiológico, mas faz tempo que vem recebendo agregações culturais e religiosas que engrossam o mingau do psiquismo com os hormônios, que são os desencadeadores e coroadores do parto. A relação com a amamentação passa por associações semelhantes e a coisa foi tão forte aí que para algumas mulheres amamentar causa ojeriza, vergonha, excessos de sentimentos que não conseguem ser depurados e levam ao desmame precoce. E lá vêm os índices alarmantes de desmames abruptos, precoces, introdução de leite artificial ou de outro animal, substituição do peito pela mamadeira, entrada de alimentos na dieta do lactente antes dos seis meses etc. Em cima dos índices e suas causas bizarras, com uma infinidade de informações, vem o conhecimento, a contracultura, o rigor, a rigidez e de repente o delicado e sinuoso movimento da humanização se vê transformado numa trincheira de “mais” mães e “menos” mães, como se as atitudes conscientes de algumas significassem uma superioridade afetiva em relação aos rebentos. Ok, confesso que sou das radicais e trago no currículo da maternidade três partos normais, dois domiciliares, amamentação em livre demanda para bebezinhos e bebezões que já andam e comem, que têm dentes etc. Nunca dei mamadeiras como ritual, meus filhos não tomaram mamadeiras dadas por mim, nunca houve o ritual, mas... Quando meu filho mais velho nasceu ele já tinha uma irmã de 11 anos e quando ele estava com seis meses ela foi passar um mês de férias conosco. Não estava na pauta oferecer mamadeira a ele de forma alguma, eu sabia que líquidos não eram necessários, estava achando ótimo a irmã participar da introdução da banana, das primeiras frutas, mas já no caminho do aeroporto para casa ela desabafou ansiosa: “agora já posso dar uma mamadeira para ele? É meu sonho!” Gelei, expliquei que não era necessário, que líquido ainda seria só do leite do peito, mas depois de três ou quatro dias a observei em frente a uma prateleira de mamadeiras no supermercado; ávida, os olhinhos brilhando, ela não podia entender, a influência cultural dela era forte demais para entender aquela chatice, ela já havia me alcançado copos de água quando ele era recém-nascido, havia ajudado, se esforçado e entendido que antes dos seis meses o bebê não podia comer nada, tomar nada a não ser leite materno, mas aquela revelação no carro derrotava uma fantasia de seis meses Compramos uma pequena e o pai inventou um caldo branco: água de coco com um pouco da melequinha do coco coada no liquidificador. Foi um sucesso, o guri parecia tomar só para contentar a irmã e ela amou isso. No colo do pai ou no meu ele cuspia, no dela era uma diversão, uma brincadeira ocasional. Quando ela foi embora olhávamos para a mamadeira e sentíamos saudade. A vida voltou ao normal, só peito e introdução de comidinhas, ao sete meses ele aprendeu a tomar água de coco no canudinho, mas eu faria tudo de novo, mesmo sabendo dos componentes do plástico das mamadeiras, que na época não se sabia, eu faria tudo outra vez porque foi um momento bambu de ser que todos merecemos. A do meio não tomou mamadeira até perto de 3 anos, quando viu as colegas na escola tomando e pediu uma de presente. Enrolei, mas a avó deu, ela andou um período pela casa, durante a visita da avó, mordendo a borracha, meio de lado, levava para a escola para sentir-se igual às colegas, mas a professora relatou que ela mais levantava para ver como as outras faziam do que tomava o bendito suco. E ela também pediu uma chupeta com bolinhas que giravam dentro e ficava a admirar-se no espelho, sem nunca ter aprendido a chupar; ela preferia o dedo. A caçula brincou com a irmã, outra irmã de 10 anos, de tomar mamadeira. A cultura caseira de não uso da mamadeira esbarrou na cultura familiar com duas priminhas da mesma idade que tomaram mamadeiras e sempre que as primas, que viviam em outro estado, visitavam nossa casa era a folia das mamadeiras. Eu realmente não tive coração para fazer repressão oral dessas brincadeiras e fiz vista grossa para as trocas de chupetas, esquecimentos de chupetas pela casa, fusão de melecas e afins. Com licença amadas jaqueiras, mas vou deitar à sombra do bambuzal.

4 comentários:

  1. Amiga!!! Esse teu texto foi perfeito!
    Parabéns por ser tão humana!
    Um beijo da tua admiradora,
    Re.

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  2. Por incrível que possa parecer flexibilizar é mais difícil que enrijecer. Exige conhecimento, sensibilidade, olhar cauteloso, cuidado e autocrítica. Enfim, exige muita sabedoria...
    Continue fazendo sesta à sombra dos bambuzais pelo resto da vida. Não nos faltam oportunidades nem momentos em que isso se torna extremamente necessário e salutar.
    Adorei essa história!
    Beijos, Ju.

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  3. Eu e Barbara amamos esse texto, fazemos referência a ele toda hora! Vida 'dura' de bambu, viu!

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  4. A Kelly me indicou seu blog.
    Gostei da maneira de abordar a maternidade. Ai que vontade de ter um bebê! Vamos ver se controlo por enquanto lendo seus posts porque não esta dando pra ter agora meeesmo! :)

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