Historicamente o pai era figura non grata no parto. Em algumas culturas o ritual do parto representava apenas uma prova da capacidade de dar conta da sobrevivência; a mulher afastava-se de todos aos primeiros sinais de trabalho de parto para o fundo de um campo, uma floresta, armava o “ninho” e paria. Voltava para a vida social provando que ela e o filhote haviam dado conta da luta pela sobrevivência e assim eram aceitos. Aos poucos, conforme crescia a solidariedade entre as mulheres, o evento transformou-se num dos poucos redutos sociais de poder feminino e a mulher recebia suporte de outras mulheres para parir. O TP e especialmente o momento da expulsão eram protegidos dos olhos dos homens. O parto era a maçonaria das mulheres. No segundo livro de Pentateuco, o Êxodos, tem uma passagem que demonstra o grande poder das mulheres sobre o parto. A ordem do faraó era para que as parteiras sacrificassem todos os filhos de mulheres hebréias. Elas desobedeceram e diante do faraó deram como única desculpa o fato de que as mulheres hebréias não eram como as egípcias, tinham partos muito rápidos e antes mesmo das parteiras chegarem, as hebréias já haviam dado à luz. Não foram punidas e a ordem se desfez no ar.
A história das gregas, especialmente da mulher ateniense, se passou no lar; era considerada menor, não tinha direito público e casava-se ainda adolescente com homens na faixa dos 30 anos que exerciam a função tanto de maridos quanto de tutores jurídicos. A principal função da mulher era parir filhos homens, as meninas podiam ser sacrificadas a mando do marido, mas a prática médica hipocrática era voltada essencialmente para a guerra, luxações, feridas, fraturas, cirurgias e dietética. O saber empírico sobre o parto continuou com as mulheres, os homens não viam ainda poder algum ali para ser tomado e a assistência ao parto continuou à margem da prática médica. O primeiro programa formal de treinamento de parteiras foi no séc V A.C, iniciado por Hipócrates, mas a profissão de parteira não chegou nem perto da medicina, até porque as mulheres não podiam freqüentar escolas médicas, mesmo quando eram reconhecidamente “iatpouiaai”, médicas-parteiras experientes em casos complicados. As práticas de apoio social feminino foram mantidas durante quase todo o século XIX, mesmo quando as famílias abastadas começaram a contratar os serviços médicos.
Enquanto se manteve domiciliar, a colaboração das mulheres, a parceria entre parteira e doutor preservou o parto como evento essencialmente feminino, sendo o médico mais uma figura para fazer recomendações e cuidar da saúde da mulher e do bebê no pós-parto.
Lentamente, dentro de um processo político e econômico focado no tecnicismo, a mulher foi entregando também o corpo fisiológico paridor feminino ao homem, começou a duvidar da sabedoria empírica de suas ancestrais e principalmente a acreditar no corpo da mulher como falho, uma máquina que poderia emperrar a qualquer momento.
O corpo social feminino capaz de parir passa a ser manipulado e monopolizado pelos homens, como uma barganha no mesmo momento em que a mulher ganha espaço político na sociedade. Foi um processo complicado, absolutamente não tratado do ponto de vista psíquico masculino e literalmente o nascimento virou uma espécie de estupro sagrado. Para obter o filho, o falo de seu sagrado pênis, o homem cortou, puxou, empurrou e criou instrumentos e técnicas que hoje ainda custam a ser derrubadas nas melhores maternidades do país, como kristeller, episiotomia, raspagem de pelos, jejuns degradantes, abandonos, piadas e outras ações vindas da inconsciência tabulada por sofrimentos psíquicos masculinos até hoje não resolvidos em muitos homens, em muitos pais.
O pai no parto
Na década de 1960 algumas européias começaram a redescobrir o prazer de parir em casa e dessa onda veio a moda do pai participar do evento do nascimento. Logo transformou-se na parada do pai fotógrafo, vídeomaker e hoje os homens, preparados ou não, querendo ou não, estão sendo empurrados pela mulher e pela sogra, pela mãe e pelos enfermeiros a participarem do nascimento, como se ele fosse um ser inferior quando não deseja assistir ao parto.
Se o homem entende o parto como o ato fisiológico forte e lindo que é, se ele confia na fêmea que fecundou, sente-se alegre pelo nascimento, acha tudo natural e bem-vindo, ótimo. Mas se o sujeito tem medo, pavor de sangue, preconceito sobre o uso para outros fins da xonguinha que ele considera seu bibelô de estimação, é melhor deixá-lo para lá, especialmente se o parto for domiciliar. Nove meses de terapia para resolver questões complexas como as fantasias masculinas sobre o poder do corpo feminino pode ser pouco para um homem que foi criado para ver a mulher como um bichinho frágil. Para a mulher ter a seu lado na hora do parto um marido com o qual ela precisa se preocupar ou se ocupar é o pior que pode ocorrer. A fantasia de parir com o marido ao lado, caso ele não deseje e não se encaixe nesse papel precisa ser revista. Já assisti um lindo domiciliar em que a parturiente só avisou o pai da criança após o nascimento.
Durante a gestação ela, que havia sofrido um PN hospitalar com intervenções, já estava decidida pelo domiciliar; sondou o pai da criança que imediatamente revelou total desprezo pela escolha dela.
Confiante no que desejava, D.S. foi à luta, descolou uma amiga experiente como doula, uma parteira e como fazia o pré-natal pelo SUS, o pai nem desconfiou que ela estava levando os planos de PD adiante. Foi lindo o parto, liso, sem laceração, bebê grandão. Ela ligou assim que o I.S nasceu, o pai veio correndo, nem sabia que ela estava em TP, chegou com as clássicas flores e lógico, não foi menos pai por não ter assistido ao parto.
Dividir essa experiência com o parceiro, por amor e comunhão de ideais é tudo de bom, mas precisar do marido no parto, sentir-se carente por ele não estar ali, é medo de desfrutar esse poder, esse inefável prazer que só quem nasceu mulher pode sentir.
Ótimo texto(sempre!)informativo e critíco. Pois é! Às vezes dar conta do próprio poder assuta mais que se deixar dominar pelo Masculino(em todas as suas figurações).
ResponderExcluirQue possam me servir de inspiração.
Um abraço.
Que delícia de texto !!!
ResponderExcluir"o parto era a maçonaria feminina".
Tenho que lembrar de vir aqui sempre. Amo o que você escreve, tem impacto, tem influência na minha vida.
Pri da Bélgica
Cláudia
ResponderExcluirAdorei o texto! O seu blog é muito bom! Vida inteligente e sensível na blogosfera! Sou fã!
Vou acrescentar esse seu texto no meu blog em dicas de leitura sobre o tema: "O casal após o 'nascimento' dos pais!"
Bjos!
Ótimo texto, tomei a liberdade de publicá-lo no meu blog também com os devidos créditos, é claro.
ResponderExcluirTextos como este, constroem um universo de informação e aproxima as mulheres de sua natureza.
Parabéns! Gostei muito e vou acompanhar sempre.
Abraços,
Alberto