quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Palavras de uma Dra que se atualiza para isso

Melania Amorim, em 2009, colaborando com a OMS
Hoje abro uma exceção e em vez de um texto meu posto um da Dra Melania Amorim, obstetra que voltou recentemente de um período de seis meses na OMS. Ela, que trabalha com gestantes de alto-risco e sabe perfeitamente bem quando e como deve ser feita uma indicação de cesariana, traz as informações pertinentes, baseadas em evidências, para dar fim às nababescas matérias brasileiras sobre "os riscos do parto domiciliar". Desde o anúncio do parto domiciliar da modelo Gisele Bündchen que a mídia brasileira vem entrevistando profissionais que insistem em falar dos riscos do PD em relação à assistência hospitalar. Com vocês as evidências e opinem, por favor, sobre o que é e onde está o achismo porque a Dra aí não acha nada, ela tem certeza, ela traz números de quem não somente estudou para isso, mas ATUALIZA-SE sobre isso.

' Li com atenção a interessante matéria do Guia do Bebê sobre Parto em Casa. Efetivamente, a recente notícia de que o parto da modelo Gisele Bundchen foi assistido nos Estados Unidos em sua própria residência, dentro da banheira, teve grande repercussão na mídia e despertou grande interesse em diversas mulheres, além de debate por diversas categorias profissionais. Entretanto, mesmo bem preparada, a matéria peca por apresentar apenas o ponto de vista de uma única obstetra, sem considerar a visão de diversos outros profissionais que podem participar da assistência ao parto e, sobretudo, sem analisar a opinião das mulheres.


Como obstetra, pesquisadora e integrante do Movimento de Humanização do Parto no Brasil, não poderia deixar de contrapor a este ponto de vista, digamos, “oficial”, por refletir a opinião de grande parte dos médicos-obstetras em nosso País, considerações baseadas não em “achismos” ou receios, mas em evidências científicas. O parto em casa, conquanto seja uma modalidade ainda pouco freqüente no Brasil, representa uma realidade dentro do modelo obstétrico de diversos outros países, como a Holanda, onde 40% dos partos são assistidos em domicílio, dentro do Sistema de Saúde. Mas vários outros países europeus e até os EUA contam com estatísticas confiáveis pertinentes aos partos atendidos em casa, e é impossível falar em RISCOS ou SEGURANÇA sem considerar os resultados dos diversos estudos já publicados sobre o tema.


Em 2005, chamou a atenção a publicação de um interessante estudo analisando os desfechos de partos domiciliares assistidos por parteiras na América do Norte: "Outcomes of planned home births with certified professional midwives: large prospective study in North America"[http://bmj.bmjjournals.com/cgi/content/full/330/7505/1416?ehom]. O estudo incluiu 5418 mulheres. A taxa de transferência para hospital foi de 12%, com uma taxa de cesariana de 8,3% em primíparas e 1,6% em multíparas. A frequência de intervenções foi muito baixa, correspondendo a 4,7% de analgesia peridural, 2,1% de episiotomias, 1% de fórceps, 0,6% de vácuo-extrações e uma taxa global de 3,7% de cesarianas. A taxa de mortalidade perinatal (intraparto e neonatal) foi de 1,7 por 1.000, semelhante à observada em partos de baixo risco atendidos em ambiente hospitalar. Não houve mortes maternas. O grau de satisfação foi elevado (97% das mães avaliadas se declararam muito satisfeitas).


A conclusão deste estudo foi que os partos domiciliares assistidos por parteiras têm os mesmos resultados perinatais que os partos hospitalares de baixo risco, com uma frequência bem mais baixa de intervenções médicas. Entretanto, alguns críticos comentaram que o número de casos envolvidos seria insuficiente para determinar a segurança do parto domiciliar em termos de mortalidade materna e perinatal. Seguiram-se vários outros estudos, publicados em diversas regiões do mundo, comparando a morbidade e a mortalidade tanto materna como perinatal entre partos domiciliares e hospitalares.


A conclusão geral é que o parto domiciliar NÃO envolve mais riscos para mães e seus bebês, e cursa com vantagens diversas, relacionadas sobretudo à expressiva redução de intervenções e procedimentos. Partos assistidos em casa têm menor risco de episiotomia, de analgesia de parto, de uso de fórceps ou vácuo-extrator, de indicação de cesárea e a taxa de transferência hospitalar fica em torno de 12%. Destaca-se ainda o conforto e a satisfação das usuárias, que vivenciam uma experiência única e transformadora em seu próprio lar. O estudo mais recente publicado no British Journal of Obstetrics and Gynecology (2009) analisou a morbimortalidade perinatal em uma impressionante coorte de 529.688 partos domiciliares ou hospitalares planejados em gestantes de baixo-risco: Perinatal mortality and morbidity in a nationwide cohort of 529,688 low-risk planned home and hospital births. [http://www3.interscience.wiley.com/journal/122323202/abstract?CRETRY=1&SRETRY=0]. Nesse estudo, mais de 300.000 mulheres planejaram dar à luz em casa enquanto pouco mais de 160.000 tinham a intenção de dar à luz em hospital. Não houve diferenças significativas entre partos domiciliares e hospitalares planejados em relação ao risco de morte intraparto (0,69% VS. 1,37%), morte neonatal precoce (0,78% vs. 1,27% e admissão em unidade de cuidados intensivos (0,86% VS. 1,16%).


O estudo conclui que um parto domiciliar planejado não aumenta os riscos de mortalidade perinatal e morbidade perinatal grave entre mulheres de baixo-risco, dese que o sistema de saúde facilite esta opção através da disponibilidade de parteiras treinadas e um bom sistema de referência e transporte.
Parteiras treinadas ou midwives, em diversos países, são aquelas profissionais que cursam em nível superior o curso de Obstetrícia e são treinadas para atender partos de baixo-risco e, ao mesmo tempo, desenvolvem habilidades específicas para identificar os casos de alto-risco, providenciar suporte básico de vida em emergências, tratar potenciais complicações e referenciar ao hospital, quando necessário. Essas profissionais, como a que atendeu Gisele Bundchen, estão aptas para prestar o atendimento à mãe durante todo o parto, bem como para assistir o bebê imediatamente após o nascimento e nas primeiras 24 horas de vida. Embora não haja necessidade de equipamentos sofisticados ou de UTI à porta da casa da parturiente, o material básico de reanimação neonatal é providenciado pelas parteiras certificadas.


Parteiras também podem atender em hospital, de forma independente ou associadas com médicos. Uma revisão sistemática recente encontra-se disponível na Biblioteca Cochrane com o título de “Midwife-led versus other models of care for childbearing women” [http://www.cochrane.org/reviews/en/ab004667.html]. Esta revisão demonstra que um modelo de cuidado com parteiras associa-se com vários benefícios para mães e bebês, sem efeitos adversos identificáveis. Os principais benefícios são redução de analgesia de parto, menor número de episiotomias e partos instrumentais, maior chance de a mulher ser atendida durante o parto por uma parteira já conhecida, maior sensação de manter o controle durante o trabalho de parto, maior chance de ter um parto vaginal espontâneo e de iniciar o aleitamento materno.


A revisão conclui que se deveria oferecer à maioria das mulheres (gestantes de baixo-risco) a opção de ter gravidez e parto assistidos por parteiras. Em resumo, as evidências científicas disponíveis corroboram a segurança e os efeitos benéficos do parto domiciliar. Apenas criticar e apontar possíveis complicações, sem comprovar as críticas com evidências bem documentadas, publicadas em revistas de forte impacto, não pode ser mais aceito em um momento da história em que os cuidados de saúde devem se respaldar não apenas na opinião do profissional mas, ao contrário, devem se embasar em evidências científicas sólidas. Este é o preceito básico do que se convencionou chamar de “Saúde Baseada em Evidências”, correspondendo à integração da experiência clínica individual com as melhores evidências correntemente disponíveis e com as características e expectativas dos pacientes”. Embora iniciado na Medicina (“Medicina Baseada em Evidências”) esse novo paradigma estende-se a todas as áreas e sub-áreas da Saúde.´

Melania Amorim, MD, PhD Médica formada pela UFPB Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia pelo IMIP Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO Mestre em Saúde Materno-Infantil pelo IMIP Doutora em Tocoginecologia pela UNICAMP Pós-doutora em Tocoginecologia pela UNICAMP Pós-doutora em Saúde Reprodutiva pela OMS Professora de Ginecologia e Obstetrícia da UFCG Professora da Pós-Graduação em Saúde Materno-Infantil do IMIP Colaboradora da OMS e revisora da Biblioteca Cochrane.

12 comentários:

  1. Mais uma vez, Mel... Arrasou...
    Claudia, posso copiar td pra meu blog?
    Vamos difuldir isso!

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  2. Como a primeira edição foi de Claudia, eu gostaria que quem copiasse (e todos podem copiar!) citasse a fonte: publicado pela primeira vez em http://buenaleche-buenaleche.blogspot.com/2010/02/palavras-de-uma-dra-que-atualiza-se.html

    E vamos humanizar o mundo!

    Melania

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  3. Maravilhoso!!
    Vou postar o link desse post no meu orkut, tá?
    Não tenho como te passar o link da minha página agora, mas sou Ana Paula Gaia, Belém-Pará.
    Beijos!

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  4. Quem sabe, diz e aponta a fonte, não acha. Que possa ter a repercussão que as outras tiveram.
    Abraço

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  5. Obrigada pelo texto achei muito informativo e concordo com os estudos citados. Tive PD com uma midwife e minha experiencia foi incrivel! Sao profissionais altamente preparados e eficientes.

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  6. Um texto esclarecedor e muito necessário. Reproduzi lá no Parto com Prazer.
    Abraço

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  7. Já repassei no twitter!

    Melania pra variar chutando bundas (no bom sentido!).

    BjoS!!!

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  8. Meninas, meninas, vocês andam impossíveis...
    Parabéns Cláudia por manter as informações vivas.
    É isso aí, a única forma de mudar é educar.
    Se as informações corretas forem circulando, com certeza vamos ter mais partos humanizados e talvez mais os seres fiquem mais humanos.
    Beijos,
    Lau

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  9. Isso sim é um artigo ao qual se deve dar crédito, pois é baseado em evidencias científicas e não em achismos. Parabéns para essa médica maravilhosa. Mary, mãe do Arthur nascido em casa em 2009.

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  10. Obrigada por + um texto com informações e argumentos sensatos, neste mundo de desinformações e preconceitos.
    Eu, que acabo de ter minha filhinha em casa (ainda estou devendo o relato, Claudinha, aguarde!) me tornei ainda + convicta da opção que fiz.
    Quando me olhavam como se fosse maluca e perguntavam se não tinha medo, eu sempre respondia: eu tenho medo é de hospital!
    Por outro lado, aqui na minha própria casa, tive o máximo de segurança, planejamento e acima de tudo, respeito por mim e por minha filha - que é o que todas as mulheres deveriam ter direito a optar se quisessem, sem serem encaradas como malucas.
    Beijos muitos,
    Gabriela

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  11. Já postei no meu orkut...
    Maravilha de texto!!! Parabéns pelo blog, pelas informações precisas... por essas mulheres maravilhosassssssssss.
    Abraços.
    Fernanda Zechinatto

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