quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Celular no avião. Vamos refletir?

Cláudia Rodrigues

A entrada dos telefones celulares em nossas vidas tem pouco mais de 20 anos. Eles chegaram no início da década de 1990 robustos, pesados, caros, eram sinônimo de breguice tecnológica. Na época eu vivia em São José do Rio Preto, interior de São Paulo e não aderi à moda, que me parecia risível, indelicada e pouco prática. Passava vergonha alheia de ver aquele povo falando de sua vida pessoal aos berros -- o sinal não era bom e às vezes as pessoas precisavam se agachar, retorcerem-se e subir rampas para escutar o interlocutor -- mas o pior mesmo era estar falando com um amigo pessoalmente e de repente ser interrompida por uma ligação. Jantares, reuniões de trabalho, absolutamente em todas as situações o celular se impunha como o rei do status em comunicação tecnológica e todos os demais presentes ficavam ali à espera do final da conversa do escolhido da hora. Não havia ainda a regra social de desligar o aparelho, bacana era ele tocar e interromper o que fosse. No começo foi difícil retirar os celulares até dos cinemas. Nunca faltava um tipo sem noção para falar de sua vida no meio de um filme, mas aos poucos, conforme foi se expandindo, estabeleceram-se as regras.

Faz relativamente pouco tempo que o aparelho começou a ser banido das escolas, mas ainda existem escolas mais comerciais e coniventes com a neurose de controle dos pais modernos, que permitem o uso do celular dentro do território escolar. E sim existem mães que ficam ligando para a professora no meio de um passeio escolar para saber se o filho está vestindo o pulôver. Os celulares entraram na educação pela porta dos fundos e passaram a ser um meio de controle, desconfiança maquiada de cuidado, das crianças e adolescentes. Oh sim, os celulares já salvaram vidas, graças aos celulares assaltos foram evitados, pessoas livraram-se de pesares por meio dessa tecnologia, que é mesmo indispensável à vida moderna; isso não se discute. O que se discute é a não discussão do celular como extensão do corpo humano em todo e qualquer lugar, sem distinção, sem exceções. Temos de lembrar que embora haja atualmente até certa civilidade no uso, uma discrição no layout e sinais ótimos, a voracidade do mercado em cima do povo possotudocomdinheiro está nos levando à nova banalização do uso dos celulares, já permitido em vôos nacionais. É a volta da breguice, da deseducação, a perda dos limites da utilidade, da necessidade em prol do mercado.

Nem questiono a falta de segurança do uso de aparelhos celulares em aviões, até então usada e bem argumentada por físicos, como motivo para a proibição irrestrita de uso a bordo. Ok, eles reavaliaram e agora pode, pagando bem pode. A TAM deu a largada e oferece o serviço de telefonia móvel o bordo do Airbus A 321 para até 8 passageiros ao mesmo tempo. O minuto deve custar R$7,00. Esse dinheiro todo deve ser para garantir a segurança dos demais passageiros. Talvez seja para pagar os eventuais riscos a médio ou longo prazo ou apenas uma traquinagem para preencher o buraco econômico das cias aéreas. Nem de longe é um serviço prioritário, parece mais um dos golpes de marketing direcionado ao público do possotudocomdinheiro.

Que tipo de contrato social é esse que estamos construindo de mal cumprimentarmos as pessoas ao nosso redor ao mesmo tempo em que desandamos a falar de intimidades profissionais e pessoais para todos dentro de um tubo lotado de estranhos?

Que tipo de gente é essa que não consegue fazer uma viagem sem falar ao celular?

E finalmente, o que foi que mudou nas leis da física a respeito do uso de celulares que tornou seguro o uso de 8 aparelhos ao mesmo tempo no caos aéreo, ainda em reforma e transtornos, no Brasil?

8 comentários:

  1. Confesso que o meu me da certa segurança, ja que por aqui nao sei nem o tel do marido de cabeça e nao tenho familia por perto mas o que me irrita profundamente é a pouca vida desses aparelhos, vi essa foto da montanha de celulares e fiquei lembrando quantos aparelhos ja tive nesses sete anos aqui na França......comprei um ultimo que faz apenas telefone, nao consigo mais achar simples sem aquela coisa chata de "tactile".......acho um disperdicio tanta tecnologia e "necessidade" aplicada num troço so!
    E tenho horror de gente no aviao ligando no ultimo minuto durante a decolagem so pra dizer "Fulano, ja estamos dentro da aeronave....vamos decolar ok, beijao, tchau!"........

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  2. Juliana sinto assim mesmo. Também uso e acabei tornando uma necessidade, mas como você não curto o "tactile" rsrs.

    Busco refletir sobre o impulso das pessoas de se auto-afirmarem falando qualquer coisa com alguém íntimo num momento corriqueiro, como esse exemplo que você deu, avisar que o avião vai decolar rsrs.

    Tenho reparado nesse novo comportamento social que faz as pessoas ligarem para seus íntimos o dia inteiro, várias vezes.

    Não estou só criticando, acho bizarro, queria entender melhor o que está acontecendo porque em mim não pegou, aqui em casa não pegamos isso, não ficamos ligando uns para outros o dia inteiro e nem quando um sai, a gente combina, como nos velhos tempos e se reencontra depois, sem ansiedade e aí conta as novidades tète-a-tète.

    Não acho que é coisa dos jovens porque conheço muitas pessoas da minha idade que usam mais o celular do que meus filhos.

    Às vezes penso que é um tipo de fobia social, como se fosse insuportável conviver com tantos estranhos o tempo inteiro ou talvez, pior do que isso, medo de ter que ficar a sós com o próprio corpo, os próprios sentimentos, pensamentos, fantasias no meio de estranhos.

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  3. Magnífico, Cláudia!

    Apesar de tb ter um celular, o meu é daqueles beeem simples que só falam mesmo e só ando com ele no silencioso, pois abomino celular tocando, gente atendendo (e falando alto, na maioria das vezes), conversas interrompidas, gente distaída (pior ainda se for dirigindo!!), gente me localizando, monitorando, vigiando, sabendo exatamente por onde ando e o que estou fazendo - em suma, tô fora!!!! Celular pra mim é só para reais necessidades.

    Acho que as pessoas precisam menos de celular e mais de contato! Retomar velhos hábitos: passear na rua e dar bom dia aos desconhecidos, marcar encontros, sair com amigos, fazer visitas, enfim, estar entre gente, ver gente, sentir cheiro de gente!! Mais gente e menos tecnologia!

    Acho que vou criar o movimento "Deixe seu celular em casa por um dia" rsrsrs

    Sou fã das suas reflexões!
    Bjos
    Taiza

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  4. Taiza, pois é menina, me indignei porque avião é muito apertado para ter que lidar com isso. Aquele contrato social polido do avião, que permite paz para leitura está em vias de extinção.

    Apoio o movimento, precisamos repensar o objeto e usar a nosso favor e não contra os ouvidos dos outros. rsrs

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  5. eu sou do contra, vcs sabem...
    até hj nunca tive! não digo nunca nem sou fanaticamente contra, mas até agora não senti necessidade na minha vida (quem sabe mais pra frente, por causa de inaê... a confirmar).
    a palavra é "necessidade", essa coisa que criamos a cada instante
    lembro sempre do tempo em que já saíamos de casa combinados de onde e quando encontrar os amigos, agora não: "chegando lá, vc me liga", mas se o celular não pega, adeus encontro!
    hehehe

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  6. Hahaha que engraçado Gab.

    Sabe que eu não queria usar a palavra necessidade porque essa não é a palavra para definir o uso do celular.

    Mas nós nos deixamos levar pelo caldo cultural e esquecemos que de fundamental precisamos de água, comida e ar, de preferência puros.

    Incrível nossa capacidade de inverter os valores, de confundir desejo e vontade.

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  7. Ai gente, celular já me ajudou um bocado: acabou a gasolina do carro voltando a noite da faculdade, outra vez estourou meu pneu à noite numa baita chuva, ou descarregou a bateria do carro (essa já aconteceu várias vezes comigo!), ou esqueci a chave de casa com minha pequena no colo morrendo de fome (e não tinha ninguém em casa, se não era só tocar a campainha! rsrsrs).

    Às vezes o bichinho tem utilidade mesmo!!
    Só não precisa exagerar na dose, é só usar com moderação! :)

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  8. Claúdia querida, essa é mesmo você. Poxa, muitas vezes me pego pensando que só eu tenho certas restrições a esse tipo de coisa. É muito louco pensar em alguém que não se separa do celular. Repensar o uso do aparelho, principalmente como extensão do corpo é quase urgente. Imaginar o aperto de uma avião que ainda dá direito a ficar ouvindo conversas alheias, rsrsrsrs. Já no supermercado me pego irritada quando fico sabendo das partilcularidades da vida de uma pessoa estranha, e olha que posso sair de perto quando quiser. Kkkkkkk.
    Beijos
    Cris

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