sexta-feira, 8 de julho de 2011

50 anos de casamento




Durante minha vida inteira sempre imaginei que as famosas Bodas de Ouro não passavam de festejos para dois velhinhos encurvados, que mal sabiam o que estava de fato ocorrendo. Seria apenas uma grande festa organizada pelos filhos e netos para homenagear os anciões da família. Hoje tudo mudou, porque hoje, 8 de julho de 2011, Chiquinho e Marta, meus pais, estão completando 50 anos de casados. Eretos, alegres e sadios em toda a amplitude que esses termos conseguem alcançar.
Dispensaram os festejos, as pompas, que poderiam bancar com recursos próprios, e se não foi por falta de recursos, muito menos foi por ausência de vitalidade de cada um ou do próprio casamento deles, que sempre foi e continua sendo, acima de tudo, vivo.
Nascido em 1937, meu pai pilota uma moto 750, aviões de pequeno porte e aeromodelos. Adora ler, ir ao cinema e viajar. Toca teclado, que aprendeu sozinho aos 50 anos, assim de ouvido. Minha mãe, nascida em 1942, é uma mulher de mão cheia. Passa do fogão ao tricô, do tricô às costuras, pinta quadros e dirige, com maestria, a fazenda que herdou do pai. Viajam juntos ou separados 800 quilômetros e chegam como se tivessem ido ao parque, contando as novidades da viagem. São ligados no 220 do trem da alegria. Já os vi tristes, obviamente já os vi bravos, mas nunca entediados ou apáticos; amarguras e recalques jamais fizeram parte da vida terrena deles. Se arrependem de erros fazendo diferente, sem blá blá blás.  Amigos ou parentes doentes sempre puderam e podem contar com a ajuda de ambos, cada um a seu modo se transformam em moirões de solidariedade humana. Entendem a morte como parte da vida, mas não cultuam enterros se não se sentem necessários ou úteis de alguma forma. O mesmo vale para festas de batizados, casamentos, natais, finais de ano. Sem padrões repetidos de comportamento, em alguns anos organizam festas na fazenda, em outros viajam sozinhos ou passam nas casas dos filhos. Abertos, libertos, desapegados. Nunca cobraram presença dos filhos ou de amigos e nem gostam que cobrem deles. Festa para eles, com família ou amigos, é coisa espontânea, quando dá na telha, jamais por obrigação ou tradição. A vida que vivem, desde que me conheço por gente, é do tipo positiva e operante. Extremamente espontâneos, cada um a seu modo, sempre viveram as crises e dores da vida com lucidez, encarando-as de frente, sem meias verdades, sem mazelas.
Uma vez decidiram se separar. Dona Marta aos 50 anos descobriu que não queria mais depender do Sr Chico para dirigir longas distâncias e foi à luta, aprendeu a dirigir na estrada. Ele, que sempre foi mais urbano do que rural, também não estava mais gostando de ir e vir da fazenda para Porto Alegre e muito menos ficar longos períodos no campo. A aposentadoria dele significou mais tempo para fazer o que gostava e a fazenda não era exatamente a primeira opção. Sem dramas, dando risadas de si mesmos pelo avançado da idade, anunciaram que iriam se separar; ela ficaria na fazenda e ele em Porto Alegre. E assim foi por algum tempo, até que começaram umas histórias de viagens e hotéis a dois. Voltaram, mas de um jeito diferente. Ao mesmo tempo em que cada um exercia bem a própria individualidade, houve um notável aumento de solidariedade. 
Incrível é que foi tudo sem terapia! Lógico que a metida aqui indicou terapia, os dois riram, não acreditam que problemas de geografia interior se resolvam com uma terceira pessoa. Ele não implicou mais com as gavetas dela, as pessoas todas que ela acolhe e recolhe para ajudar e ela não implicou mais com os aeromodelos dele. Ampliaram os espaços e voltaram a correr mundo juntos, eventualmente separados, mas telefonando um para o outro a cada duas horas. Adoram a independência conquistada. Ele não espera pela comida se está faminto, ela não cozinha se não tem vontade e desde então vivem mais juntos do que nunca, curtem hotéis na hora do stress e o que me faz corar para confessar: motéis. São reichianos e não sabem! Ele agora cozinha e lava a louça, ela agora freqüenta as festas no Aeroclube de Alegrete. Eles têm amigos de mais de 50 anos, amigos fiéis e solidários que chorariam de mais puro amor numa pompa de Bodas de Ouro, mas justamente por conhecê-los tão bem, mais do que entendem que Chiquinho e Marta não têm nada para mostrar ou demonstrar que não seja no cotidiano de quem sabe viver com amor e sem formalidades, sem representações.
Meu pai, minha mãe, tenho profunda honra de ter emergido desse amor que sobreviveu com dignidade, transparência e essa incrível vitalidade por meio século.

Parabéns para cada um e para os dois juntos.

Cláudia 

5 comentários:

  1. Suas entradas são pura poesia, daquelas operantes que enternecem a alma e revigoram a mente.
    Lindo, lindo!!!

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  2. Mas que buena escritora es Claudia, espontânea e vital. Alegrete no más me associo a essa festa digital. Longa cavalgada ao casal Chico e Marta.

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  3. Ja' dei muita risada aqui relendo teu texto. Arretado, né Jobis?!

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  4. Claudinha, que boa escritora que você é. Li quase todos seus textos acima! Parabéns querida, tenho muito orgulho de ter sido e ainda ser sua amiga! Beijos
    Vera Helena

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  5. Oi Vera Helena, amigos para sempre, mesmo não sendo possível operar conjuntamente no cotidiano. Nossa casa está sempre de portas abertas para você.

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