quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Liberdade afetiva, o melhor presente de Natal








Cláudia Rodrigues


Os que dizem gostar, os que dizem desgostar, queiram ou não, o Natal é um feriado mundial, globalizado. Até o Japão consome o Natal. Nos países em que o Natal não é uma data expressiva, fala-se do Natal, afinal a mídia mundial é uma só. O feriado, separado por apenas uma semana do Ano Novo, costuma ser usado para reunir as famílias, repletas de pessoas que gostam e que não gostam do Natal. A figura do parente ranzinza com o Natal é lugar-comum, talvez mais do que o tiozinho do pavê.

A economia mundial tem sua golseima, os setores produtivos voltados obsessivamente para metas, entram em depressão. As cidades ficam vazias, as estradas cheias. Come-se muito, consome-se variedades de comida, produzem-se sobras para o reino do assistencialismo. Época de alívio de culpas, encontros amorosos com familiares, surpresas, alegrias sociais e afetivas, brigas, mágoas, tristezas, cobranças. Entre o Natal e o Ano Novo costumam aumentar os índices de acidentes de trânsito, ocorrências policiais e violência doméstica.

Crianças que conhecem os festejos chegam a preferi-los no lugar do próprio aniversário. Há exceções: crianças que sofreram discriminação, bullying de primos e tios ou diferenças de tratamento dos pais em relação aos irmãos, podem, obviamente, se ressentir da festa, assim como aquelas que passam a vida assistindo brigas de família. Natural que na idade adulta essa não seja uma festa esperada com alegria, mas com tensão ativada pelas memórias de uma data tão sublinhada em nossas vidas.

Conheço pessoas da minha idade que sempre passaram o Natal no mesmo lugar a vida toda, sempre com a família. Porque Natal é em família e lamenta-se a ausência de qualquer parente e se por acaso o vivente for um embarcado, um sujeito que está de plantão em algum dos tantos ofícios que necessitam plantão, então ele é um azarado, vai perder o Natal, a grande festa da família.

Se a pessoa solteira entre 25 e 35 anos ligar na noite de 24 de dezembro dizendo que não vai na casa da mãe ou da sogra, será execrada, não tem direito à liberdade afetiva. O final de ano vem sendo liberado para a juventude pelas famílias brasileiras. Passando o Natal, podem ir, carta de liberdade afetiva em mãos. Existe qualquer coisa de cativeiro afetivo no Natal. Há exceções, mas de maneira geral, principalmente após o nascimento dos filhos, os homens vão para as famílias das esposas e as filhas mulheres ficam com seus pais.


A configuração de personagens vai mudando ano a ano por meio de falecimentos, nascimentos, separações, novos companheiros. Há fundadores de família que fazem verdadeiras guerrilhas de poder para obter a exclusividade da festa, incluindo parentes de parentes de parentes. Há matronas mandonas; exigem presença de filha, filho, genro, nora e netos. Pode rolar chantagem emocional e até barganhas nessa data religiosa. Alcovas do Natal, toda a família muito unida tem a sua. As famílias consideradas mais desagregadas são também as mais libertárias. Em família aceitam muito, menos hipocrisia. Aqui e acolá surgem os desapegados.

O Natal para os desapegados pode ser uma data de viagem solo, a dois, na pequena família de 3, na pequena família recém-fundada, pode ser uma aventura numa tribo com os Guarani, pode ser em casa, num pátio, na praia, na beira do rio. Pode ser vegetariano, com amigos, em retiros e claro, pode ser sem família, sem culpa, sem saudade melodromática, sem skype, sem tristezas. Pode ser bem profano também.


Dá para ser anormal no Natal pelo menos uma vez na vida, ou algumas, muy de buenas, mas não se pode negar que há uma espécie de osmose que leva à normopatia nessa data. Massas de pessoas repetem ano a ano um ritual rígido, que mistura prazer e obrigação. Com o tempo a parte obrigação tende a virar uma maçaroca, que jamais se desenreda.

No final das contas, o Natal, pelo menos para quem já colocou filhos no mundo, acaba sendo uma data com a qual devemos nos ocupar e preocupar porque a festa herdará as memórias registradas por nossos filhos e netos. O grande espírito do Natal, da compaixão, da união, da recepção do outro dentro de nós, da solidariedade, reside na simplicidade que só o pequeno núcleo é capaz de nutrir. Coincidência ou não, o Natal é simbolizado pela criança recém-nascida, que precisa de muita atenção e muita delicadeza.

Aos que passam o Natal com a família inteira reunida, que matam gostosas saudades de um ano sem esses abraços; aos que passam o Natal com sua família próxima, que vê todo dia e nesse dia faz a festa; aos que viajam sozinhos, acompanhados de amigos; aos que curtem uma vida a dois, aos que estão passando o seu primeiro Natal de fundação da família, só pai, mãe e filhos pequenos, aos que já estão na estrada mãe, pai e filhos grandes e claro, aos que libertam e vivem em liberdade afetiva de Natal a Natal sem exceção; a todos vocês desejo paz e calor gostoso no peito.

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