segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Nebulosa do ser ou a crise dos 30/40?

Cláudia Rodrigues 



O tempo dos adolescentes tende a ser enorme, eles sequer imaginam-se sendo pais, mães, viajadores pelo mundo na aventura, solitos. No máximo rola uma fantasia de intercâmbio quando essa realidade social e econômica existe para eles. Adolescentes quando fazem aulas de violão e gostam, tendem a imaginarem-se em grandes performances. E tudo pode mudar em questão de meses. Até Batman e Homem Aranha, bem no fundinho, ele acreditam que poderão vir a ser. Isso vem de dentro, do tempo que eles têm pela frente e da pouca experiência com o suor da vida propriamente dito.

Jovens adultos sonham com os pés mais no chão, já mataram Batman, Homem Aranha, Papai Noel e princesas da Disney faz tempo, mas tudo está para acontecer. Se estudam e trabalham desde cedo sabem bem que a vida pode ser bem vivida, mas de fácil não tem nada. Caem de cama com o término do primeiro namoro, caem na gandaia, ainda andam muito em grupos e são dependentes da aprovação de seus grupos, que a essas alturas já não é mais um único grupo, mas uma costura de amigos pessoais já selecionados.


É verdade que existem os mais solitários por opção, mas as experiências de vida de vinte e poucos anos de existência deixaram uma bagagem considerável de aprendizados e relacionamentos. Os mais céticos têm certeza que não serão enormes, por tendência, porque tudo na vida é esforço, muito esforço e algum aplauso. Mas eles ainda caminham bastante no mundo dos sonhos, faz relativamente pouco tempo, coisa de 10 anos, que eram os queridinhos do papai e da mamãe se apresentando na escola, sentindo-se especiais, para não dizer principais. E isso bastava, ter os pais, tios e avós como platéia era tudo o que precisavam. Agora eles têm amigos, professores, colegas, chefes e ainda a vida pela frente. O tempo passa devagar para tudo que eles almejam realizar.

Por volta dos trinta e poucos anos, um pouco antes, um pouco depois, para alguns uma vida inteira, começam os choques de realidade, muitas vezes misturados às experiências de paternidade e maternidade. E não são raros os casos de adultos desesperados com a finitude da existência humana. "Não vai dar tempo, não vai dar tempo, não sou feliz o bastante, essas crianças, esse homem, essa mulher não me deixam trabalhar mais, ser mais, ganhar meus troféus."

Diz o mercado do comportamento humano que os atuais 30 são na realidade os 20 de antigamente, o que vale também para os 40, que seriam 30 e os 50, que seriam 40. Parecemos mais jovens e nos comportamos como mais jovens. Os segredos dessa longevidade vão desde alimentação, medicamentos, passam por exercícios físicos, meditação ou o que se considera meditação hoje em dia e vão parar nas cirurgias plásticas e elixires vitamínicos de longevidade. O eixo principal desse retardo do amadurecimento humano traduz-se bem pelo dito popular "espírito jovem".


O importante, a máxima é não cansar, não desistir de viver, viver correndo cada dia como se fosse o último, mesmo que seja exatamente o último, lutando com sofreguidão para chegar ao pódio, seja do master de natação ou do melhor iogue do ano. É importante ser grande, parecer grande, ser alguém na vida, alguém que se destaque, alguém que seja reconhecido por uma grande plateia, uma plateia que nunca parece ser suficiente. É preciso aparecer, não basta mais estar vivo e é nessas que muita gente troca as bolas, literalmente escondendo-se de si mesmas. Às vezes ao preço do boicote à vida pessoal e da convivência com aqueles que mais ama para tentar se enquadrar em alguma fórmula de destaque, sucesso. É uma corrida louca atrás de virar Batman outra vez. Não que uma pessoa de 30, 40, 50 ou até 90 anos não possa ganhar prêmios ou reconhecimentos de plateias maiores, mas pela ilusão de que a satisfação esteja no pódio, na festa, no dia da bebedeira e não no prazer da labuta, que em tese se descobre aos vinte.



Assim que não é sobre a sede de viver, pulsão vital, mudanças, guinadas de vida que estamos falando, mas justamente o contrário, sobre um certo pânico da morte, que acomete pessoas de várias idades, embora seja mais comum entre 30 e 40, e faz com que elas vivam em um padrão de ansiedade tão alta, com uma expectativa tão grande que nada do que façam parece bom o bastante.

A sensação de fraude interna vai aniquilando a pessoa e o troféu que nunca chega acaba sendo entregue como troféu abacaxi ao companheiro, companheira, filhos, filhas, colegas. A responsabilidade sobre o foco vem de fora e volta para fora, não chega a fazer a curva dos sentimentos e sensações mais profundas. Nota-se que isso cresceu com o surgimento das redes sociais e cada vez mais pessoas de várias idades e não somente adultas entre 30 e 40 anos, têm apresentado o quadro; mistura de inadequação, sentimento de fraude, falta de forças internas para focar no que desejam, desligando-se do que os outros vão pensar, do que o mercado vai aprovar. Com os olhos ainda muito virados para fora, como se tivessem 20 anos, sofrem de falta de contato interno, não sabem ao que vieram. Mesmo formadas, trabalhando, se virando pela sobrevivência como qualquer mortal, sofrem um profundo sentimento de fraude, quase uma sensação de vergonha por estarem vivas e não apresentarem um bom diploma de desempenho para si mesmas.


O que se gosta de ser e fazer na vida eventualmente é o que o mercado quer, isso pode ou não trazer sucesso, holofotes ou apenas sensação de dever cumprido para si mesmo, mas em nada depõe contra a sensação de sucesso interior de quem se entrega ao que gosta, ao que traz pulsação e que eventualmente não agrada ao mercado e aos outros em geral. Entre uma coisa e outra reinam muitas infelicidades, uma nebulosa de não ser para além do ter.

E isso tudo ocorre em um mundo que traz tudo para quem tem um mínimo de conforto ser profundamente satisfeito em termos existenciais.






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