segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Dormindo sozinhos, a travessia



Por Cláudia Rodrigues 

Uma amiga perguntou com que idade meus filhos começaram a dormir sozinhos, sem termos que esperar no quarto deles até adormecerem. Talvez seja útil para outras mães e pais.
Precisei puxar da memória, os filhos ajudaram, mas foi por volta dos 6 anos. Nessa época eu já não lia as histórias no quarto deles, que ficava com meia-luz e camas arrumadas para dormir. Assim que a leitura era feita na sala, com a luz acesa, já desde os 4, 5 anos e o número de histórias era negociado de acordo com o horário: 20h, três histórias; 21h, 2 histórias; 22h, 1 história. Passando das 22h, já para cama sem história e sem enrolação, mas se a causa de dormir depois das 22h fosse por minha conta, tipo amigos adultos em casa, eu me enrolando, aí contava uma história.
No quarto, depois das histórias, ficava um pouco mais, ouvia sobre o dia deles ou me deixava enrolar uns minutos contando histórias da minha infância e na hora que sentia o bicho pegar, tipo conversa mole demais, ia no tsh tsh, agora vamos dormir, amanhã falamos mais. E silenciava. Tenho lembranças de reflexões que eles fizeram sobre escuro, sobre medo, sobre morte e momentos de ansiedade, excitação por um passeio na escola, festas de aniversário e nessas noites costumavam demorar mais do que a meia hora normal para entregarem-se aos braços de Morfeu.
Bem, não era sempre eu que fazia dormir, na real o pai e eu jogávamos par x ímpar ou pedra, papel, tesoura para disputar quem iria fazer dormir e claro,por motivos óbvios, o ganhador é que ia fazer dormir, enquanto o perdedor saía à francesa.
Contam eles hoje em dia que preferiam dormir comigo porque eu variava as histórias e dava mais mole, o pai contava sempre a mesma história e todos eles se finam de rir contando que o problema da história do pai era não ter fim e todos os três prometiam a si mesmos que iriam ficar acordados até o fim da história para saber o fim, mas isso nunca ocorreu.
O pai sabendo disso esses dias gargalhou total e confessou que era mesmo uma história sem fim e muito entediante.
Uma vez perguntei ao marido como ele conseguia fazer dormir mais rapidamente e ele contou da história do grande lago dos ninhos. Eu imitei, mas comigo nunca deu um efeito como com o pai. Diz o marido que é porque eu falava muito animada e alegre, que não sabia ser monótona.
A história do lago, bem hipnotizante, era mais ou menos assim:
"Era uma vez um grande lago que abrigava muitos ninhos, muitos bichos e muitas árvores. Havia bicho que dormia perto da água e bicho que dormia nas árvores e em todo lugar em volta do lago.
Quando começava a escurecer, os bichos começavam a chegar. Vinha o jacaré, bem devagar, ajeitava o ninho e ficava lá perto da água fazendo os jacarezinhos dormirem. Mais adiante, lá de longe, vinha dona raposa, já nem saltitava, meio cansada, fazer suas raposinhas dormirem...
E assim ia, como o pai sabe o nome de infinitos bichos, nomes de passarinhos, árvores sem fim, tudo muito devagar e entediante, assim a história nunca acabava.
O gosto por irem dormir sozinhos começou com a algazarra de mais liberdade para dormir na hora que bem entendessem, abrindo mão de histórias e despedidas. Foi gradual, mas nenhum deles pediu companhia depois dos 7 anos.
Quando as aulas passaram a ser de manhã, desceu o capa preta do horário rígido, que na real sempre foi antes das 22h, no máximo às 22h, com reflexões e conversas sobre necessidade de horas de sono e tal.
Pegação de pé com horário para dormir começamos a parar por volta dos 12 anos, se não atrasar de manhã para a escola, se atrasar leva bronca.
Quando começam a pegar ônibus sozinhos, ninguém leva mais bronca, se perder o ônibus falamos: ah que pena, amanhã faz algum esquema para não perder a hora.
Não há fotos de fazer dormir, mas achei essas da enrolação e algazarra noite adentro. A primeira bem culpa minha, trabalhando até tarde, eles esperando a história, que contei e na segunda noite com amigos crianças em casa, o que se encerrava com um já para cama porque está tarde e a diversão foi muita.
Foi nosso jeito, foi leve, arranjamos nossas regras que cumprimos e fizemos cumprir sem choradeiras, sem mimimis, com amor e sem culpa.
Deve haver muitos jeitos bons o bastante de fazer o esquema da despedida do dia, essa é apenas uma forma que construímos para nós de maneira prazerosa.
Dizem eles que têm boas lembranças desses tempos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário